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A propriedade fiduciária

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2 A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA NO BRASIL

2.3 A propriedade fiduciária

Exposta em sua forma genérica no Capítulo 1 desta dissertação10, a propriedade

fiduciária foi apresentada como característica do negócio fiduciário, abordado de maneira geral.

Contudo, certa distinção, ou pelo menos uma limitação, deve ser feita quando se trata

de alienação fiduciária em garantia, pois ³QmR Ki FRQIXQGLU D propriedade fiduciária

decorrente da alienação fiduciária em garantia com a que se transferiu ou prometeu transferir DWUDYpVGHQHJyFLRILGXFLiULR´ 6XSUHPR7ULEXQDO)HGHUDO5HFXUVR([WUDRUGLQiULRQ 11 de dezembro de 1973).

Ademais, o doutrinador Moreira Alves, ao tratar da alienação fiduciária em garantia de coisas móveis prevista na Lei nº 4.728/65, coloca a propriedade fiduciária em garantia em posição diferenciada no ordenamento brasileiro, distinguindo-a da propriedade que era constituída no negócio fiduciário do tipo romano e do tipo germânico, seguindo o entendimento do STF:

Em conclusão, verifica-se que a alienação fiduciária em garantia, negócio jurídico típico que é, não se enquadra entre os negócios fiduciários propriamente ditos, diferenciando-se, também, dos negócios fiduciários do tipo germânico; e, ainda que apresente semelhanças com o trust receipt e vários pontos de contato com o chattel

mortgage, é instituto próprio do direito brasileiro, em cujo sistema ± do qual, à

primeira vista, parece aberrar ± se ajusta dogmaticamente, já prestando amplo benefício como instrumento jurídico adequado à segurança do crédito (ALVES, 1979, p. 32).

[...] É ela (propriedade fiduciária em garantia) direito real típico que a lei criou para atender, especificamente, a determinada necessidade de ordem econômica, e, não, direito real que, mediante vínculo contratual ou a aposição de condição resolutiva, se subtrai à finalidade econômica para que foi criado, utilizando-se dele para outro fim prático que não o previsto na lei para aquela figura típica (ALVES, 1979 p. 115).

Há vários entendimentos conflitantes no concernente às particularidades da natureza da propriedade fiduciária. No entanto, a concepção desta como propriedade resolúvel é entendimento consolidado pelos doutrinadores. A resolubilidade é questão que impõe uma condição ao contrato de alienação em garantia, determinada por força de lei que se instaura até a extinção da obrigação contraída.

A resolução da propriedade fiduciária decorre de lei, e não poderão as partes pactuar em sentido contrário, nem poderá o credor fiduciário criar obstáculos para a sua efetiva

resolução. Nesse sentido, andou bem a Lei nº 9.514/97, ao fixar um prazo máximo para que o credor fiduciário forneça o termo de quitação ao fiduciante e também uma multa para o seu

descumprimento11.

A propriedade fiduciária será estabelecida por meio de um contrato em que o devedor fiduciante e o credor fiduciário estabelecerão as condições gerais do negócio principal, geralmente um mútuo, e também as condições de transferência da coisa objeto da garantia.

Mas, além do caráter resolúvel, também está presente na propriedade fiduciária, decorrente de alienação, o caráter transitório, ou seja, o próprio contrato que estabelece as condições para sua criação estabelece até quando ela perdurará, não tendo assim, o caráter perpétuo que é inerente à propriedade plena.

Não é, portanto, a propriedade plena que aliena, mas a propriedade limitada. Consiste a limitação, primeiramente, numa restrição temporal. O fiduciário não adquire senão uma propriedade temporária, sujeita a condição resolutiva. Tem, em suma, propriedade restrita e resolúvel. (GOMES, 1975, p. 80).

Não basta a celebração do contrato para que a propriedade fiduciária seja instituída, é necessário, quando a garantia for coisa imóvel, que o mesmo seja registrado perante o Registro de Imóveis onde estiver matriculado. Se a garantia for bem móvel, o registro deverá ser feito no DETRAN, quando veículos automotores, e no Registro de Títulos e Documentos, quando for diversa a natureza da coisa móvel.

O registro do contrato serve para dar publicidade a terceiros de uma situação jurídica que era apenas de conhecimento das partes contratantes, assim como, para fixar os limites das responsabilidades de cada um dos contratantes.

A extinção da propriedade fiduciária acontecerá, na maioria das vezes, em decorrência do adimplemento contratual, momento em que a condição se efetivará e o fiduciante, que já não é mais devedor, passará a deter a propriedade plena da coisa, podendo dar a ela a destinação que desejar.

Outra forma de extinção da propriedade fiduciária ocorrerá quando a propriedade resolúvel consolidar-se em nome do credor fiduciário, em razão do inadimplemento contratual pelo devedor fiduciante.

11 Art. 25, § 1º No prazo de trinta dias, a contar da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o

respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato.

Também se extinguirá a propriedade fiduciária em decorrência de garantia pelo perecimento da coisa, seja, entre outras possibilidades, por furto ou roubo, em se tratando de bem móvel, seja por demolição ou desapropriação, quando a garantia for coisa imóvel.

Se a propriedade fiduciária extinguir-se, pelo perecimento da coisa ou pelo inadimplemento contratual, remanescerá a obrigação principal do devedor fiduciante, visto que a garantia era acessória a ela, conforme manifestação do STJ sobre o tema:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ± RECURSO ESPECIAL ± AÇÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO ± VÍCIO NO CONSENTIMENTO ± NEGÓCIO PRINCIPAL INVÁLIDO ± INVALIDADE DO ACESSÓRIO ± COMPRA E VENDA COM GARANTIA FIDUCIÁRIA ± RECURSO IMPROVIDO. Nos termos do art. 184, segunda parte, do CC/2002, a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. Recurso Especial improvido (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 760.545/RS. Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 03/11/2009, DJe 20/11/2009).

A propriedade fiduciária decorrente de garantia é indivisível, de forma que não poderá o devedor fiduciante que cumpriu apenas parte do ajustado pleitear a exoneração da garantia em relação a determinados bens. Embora tal regra esteja inserida no CC, no Título X, que trata de garantias reais sobre coisas alheias, penhor, hipoteca e anticrese, aplica-se à

propriedade fiduciária a restrição do art. 1.421.12, conforme remissão do art. 1.367 do mesmo

diploma.

Outra particularidade em relação à propriedade fiduciária ocorre quando o credor tem consolidado em seu nome a propriedade do bem objeto da garantia, visto que ela não é plena,

pois tanto para bens móveis13 quanto para imóveis14, há a obrigatoriedade de que o bem seja

vendido pelos meios próprios.

Ao mesmo tempo em que se facilita ao fiduciário a possibilidade de rápida consolidação da propriedade em seu nome, impõe-se-lhe um ônus, com o objetivo de evitar abusos por parte do credor junto ao devedor.

Orlando Gomes, ao tratar sobre o tema, assim se posicionou:

12 Art. 1.421 O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da

garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.

13 CC - Art. 1.364 Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente,

a coisa a terceiros, e aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.

14 Lei nº 9.514/97 - Art. 27 Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta

dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

Se o fiduciário quer valer-se da garantia para receber a quantia devida pelo fiduciante, tem de vender a coisa que lhe foi transferida fiduciariamente. Tal venda é, desse modo, uma condição para o exercício de uma faculdade compreendida no direito de crédito. Torna-se imperativa para obtenção da vantagem jurídica perseguida pelo credor, por que lhe proíbe a lei a definitiva incorporação do bem ao seu patrimônio em pagamento da dívida, só admitida por sentença judicial (GOMES, 1975, p. 115).

Embora o ensinamento verse sobre a consolidação da propriedade fiduciária de bens móveis, também poderá ser aplicada aos bens imóveis, de forma que se pode afirmar sempre que, se na contratação, alienação fiduciária em garantia, está proibido o pacto comissório, se no contrato constar tal cláusula, esta será considerada como não escrita.

Ao tratar no Capítulo 3 sobre a venda dos imóveis em leilão, voltar-se-á ao tema com a apresentação de algumas particularidades no que diz respeito aos imóveis. Outros aspectos inerentes à propriedade fiduciária serão tratados ainda neste capítulo.

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