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1.2.2 – E DUCAÇÃO É TICO M ORAL : PROCESSOS E POSSIBILIDADES

1.2 – CIRCUNSTANCIANDO O OLHAR

1.2.2 – E DUCAÇÃO É TICO M ORAL : PROCESSOS E POSSIBILIDADES

Pretendemos, a seguir, discorrer sobre os aspectos, que se encontram fortemente imbricados ao contexto da educação ético-moral. Discutiremos, num primeiro momento, mesmo que brevemente, o que são valores morais, ou éticos, e como a instituição escolar pode se situar em relação a eles. Em seguida, abordaremos as implicações pedagógicas, derivadas das opções, sobre a abordagem educativa no âmbito da moral. Num momento subseqüente, enfocaremos os reflexos da formação docente sobre o seu agir, no contexto da educação moral. Finalmente, discutiremos a idéia de que é necessária uma reflexão sobre educação moral, por parte dos diversos membros da escola, e a opção por uma matriz teórico-metodológica de ensino compatível com essa opção.

Segundo Vazquez (2000, p.43), para algumas posições filosóficas, “valores são os critérios últimos de definição de metas ou fins para as ações humanas” são, por conseguinte, auto-definidores. Ou seja, devemos ser bons porque a bondade é um valor, e assim por diante com os outros valores que têm caracteres natural, universal e obrigatório. Em outras concepções, os valores são determinados por culturas particulares e em função de certos momentos históricos, variando, portanto, de acordo com aspectos histórico-culturais, que lhes são peculiares, ou seja, assumem um valor relativo e circunstancial.

Quanto à educação moral também são registradas posturas contrárias sobre o como executá-la. Por um lado, registramos posturas doutrinárias, que preconizam a transmissão/reprodução de valores considerados fundamentais como verdades absolutas e, de outro lado, encontramos posicionamentos relativistas, através dos quais a escola furta-se de assumir tal educação moral relegando-a à ocorrência assistemática, não-planejada, nos seus mais diversos espaços.

Além da educação religiosa, tivemos no Brasil, durante a ditadura militar (1969 a 1986), um outro exemplo de educação moral escolar realizada, também, de forma doutrinária. As disciplinas Educação Moral e Cívica ou Estudos dos Problemas Brasileiros permitiam a veiculação de certos valores assumidos como fundamentais (MENIN, 2001). Ora, todos sabem dos frutos desse período de educação moral nas

escolas, feita dessa forma doutrinária, por imposição de valores morais acabados. Tal aspecto leva-nos a refletir sobre o mencionado desconforto que a disciplina “moral e cívica” provocava nos alunos. Será que tal desconforto vinculava-se única e exclusivamente à sua natureza impositiva no currículo escolar? Ou o contexto de sua inclusão apontava para objetivos de controle e de dominação, frente ao qual o alunado manifestava-se através da resistência? Acredito que a troca de nomenclatura guarda nuanças de uma lógica dominante que, se não se fizer acompanhar de certo cuidado, implicará na recorrência do processo registrado num passado recente, em relação à disciplina “moral e cívica”. Penso que conteúdos como ética e cidadania, para além da necessidade de aprofundamento teórico, demandam uma vivência cotidiana nos diversos espaços societários.

A educação moral nas escolas pode, no entanto, se dar de forma oposta à maneira doutrinária. É o “vale tudo” em termos de valores: cada professor e seus alunos podem ter posições diferentes sobre o que é correto, bom, justo, ou seja, sobre o que tem ou não valor. Nesse caso, a instituição escolar exime-se de adotar, explicitamente, um código moral ou de valores e a adoção de valores torna-se derivada das escolhas deste ou daquele professor. Tais escolhas podem ser inclusive contrárias, de modo que as crianças sentem-se cada vez mais confusas. Isto porque, por exemplo, podem existir, na mesma escola, professores que incentivam a cooperação entre alunos, outros reforçam a competição; alguns manifestam sua aversão às práticas de violência, enquanto outros se mostram tolerantes às formas assumidas pela mesma. Então, se não existe um ideal a ser perseguido, tudo seria aceitável?

A moral sempre preserva um caráter de ambivalência, fragilidade e risco e, portanto, é algo que deve ser cultivado. Esta é a razão da educação moral. A educação moral assenta sobre uma comunicação difícil, que implica, inclusive, a legitimação de normas ou regras (gerais), que se oferecem ou são propostas como modelo de comportamento. É a partir desta fundamentação ou legitimação das normas que se justifica o processo de aprendizagem. A imposição de normas (por parte de superiores) só é admissível no início do processo educativo, se não se quiser incorrer em doutrinação. É claro que a educação moral deve preencher positivamente seu espaço, mas os objetivos que serão de fato alcançados não podem ser fixados no interior desse espaço educativo. Este é o paradoxo do qual

nenhuma educação moral pode esquivar-se: os efeitos devem ser, de alguma forma, calculados, mas esse cálculo não passa de expectativa.

As crianças não nascem boas nem más. Tanto a teoria de Rousseau do

bom sauvage, quanto a crença no pecado original são mitos sem importância para o

trabalho pedagógico. Essas teorias desfocalizam o olhar pedagógico, uma vez que, segundo a convicção de Rousseau, a educação moral é desnecessária já que ela haveria de desenvolver-se naturalmente a partir do interior da criança, se esta for devidamente protegida das influências maléficas da sociedade e, na visão religiosa, a moral é dramatizada sob a pressão de reprimir o pecado. A questão da educação moral não trata do homem definitivamente bom, nem da internalização da única moral correta. O tema da educação moral é simplesmente o de como as crianças ou jovens aprendem o tratamento das exigências morais e das normas que são, simultaneamente, imprescindíveis e difíceis. A educação moral entendida como comunicação moral, significa familiarizar as crianças com as dificuldades da moral, sem cujo reconhecimento o sentido do humano não é nem problema, nem uma possibilidade de vida.

Há uma unanimidade entre os educadores de que a fase crucial de constituição de conhecimento e valores vai de 0 aos 6 anos. Nesse período são estabelecidas as bases para a formação do indivíduo. Crianças pequenas, também, são capazes de aprender valores éticos, estéticos e até políticos. Educar, também, exige competência formal e política, além de uma grande sensibilidade para a apreensão das demandas infantis. Assim, é necessário fazer uso dessas características para entender que, às crianças importa pouco o que os professores falam, se o que dizem não corresponde à sua forma de agir. Para os pequenos, o que assume significado, enquanto relevante, é o que se faz e não o que se diz.

As crianças sentem-se mais apoiadas e seguras quando os adultos se dispõem a conversar e a dar conselhos; ficam mais autônomas quando são chamadas a dar opinião sobre questões importantes; aprendem noções de ética se são incentivados a discutir valores pessoais; e constroem melhor a própria identidade quando aprendem sobre tradições com os mais velhos.

A aprendizagem dos valores fundamentais não resulta de um ensino didático ou dogmático, mas do concurso de influências complementares. Os pais, a babá, os próximos da criança, não lhe ensinam uma teoria sobre a moral, mas a

corrigem, freqüentemente, e lhes dão exemplos. Seus mestres, na escola, prolongam essa influência propondo modelos de comportamento tirados dos poetas (da literatura), fornecendo-lhe, pela ginástica e pela música, o domínio de seu corpo e o sentido de equilíbrio sem os quais ele jamais poderá se governar corretamente. As leis da cidade completam esta disciplina do corpo e do espírito, guiando, insensível ou autoritariamente, segundo o caso, a conduta do indivíduo. A família, a escola e o Estado concorrem, por meio de uma série ininterrupta de exercícios, para dar à criança o sentido da justiça e das formas de consideração que se podem ter para com o outro, entendendo o outro como indispensável à construção da sua própria identidade.

O ensino da moral parece-nos possível e importante, nestes termos, ainda que não possa, em nenhum momento, oferecer garantias de sucesso. De um lado, a educação moral opera sempre numa crença otimista no homem, num horizonte, portanto, que acredita na possibilidade de que o ser humano e a sociedade possam tornar-se melhores, através da contribuição da educação. De outro, a educação tem consciência de que a formação moral não é um processo que tem começo e fim, orientado para objetivos, que serão alcançados por meio de procedimentos pedagógicos adequados e controlados. Nada disso é real na vida humana. Se não podemos partilhar o pessimismo daqueles que acreditam que a natureza humana não pode ser melhorada, também não é possível acreditar num sucesso planejado e seguro. Ainda que a educação seja um processo aberto, cujo desfecho não pode ser previsto em decorrência das inúmeras variáveis subjetivas e objetivas, o horizonte desse processo aberto pode representar uma oportunidade imperdível de engajamento para que a vida dos indivíduos e da sociedade melhore. Melhorar significa caminhar em direção a um ponto futuro em que as relações do homem com a natureza e as relações dos homens entre si sejam tais que permitam a todos o maior grau de felicidade possível.