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1.2.3 – E DUCAÇÃO ÉTICO MORAL : ALGUMAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

1.2 – CIRCUNSTANCIANDO O OLHAR

1.2.3 – E DUCAÇÃO ÉTICO MORAL : ALGUMAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

O tema da ética tornou-se central na reflexão pedagógica da atualidade. O grande número de publicações que, em níveis nacional e internacional, vem

aparecendo, dá um claro testemunho disso. A atenção dispensada à ética não decorre de algum modismo teórico, mas da preocupação com problemas sociais, ecológicos e comportamentais muito concretos que se originam, de um lado, do enorme poder de intervenção científico-tecnológico e, de outro, da desestabilização dos valores tradicionais, que serviam de orientação para a relação dos homens com a natureza e dos homens entre si. Essa preocupação está presente, nos mais diferentes âmbitos da vida, inclusive no quotidiano do trabalho pedagógico, referente à formação moral dos alunos. Tradicionalmente, no contexto de valores e formas de comportamento consensualmente aceitos e socialmente legitimados, admitia-se naturalmente que a escola e os professores assumissem a transmissão desses valores às novas gerações. Com a crise dos valores tradicionais no novo ambiente de uma sociedade secularizada, a tradicional legitimação da formação moral instrumental caiu sob grave suspeita.

O projeto tradicional de educação moral, cujos traços característicos eram a universalidade, a objetividade e a autoridade, foi criticamente superado pelo pluralismo, subjetividade e anti-autoritarismo das propostas contemporâneas. As posições clássicas afirmavam uma ontologia quase inocente e se fundamentavam numa imagem de ser humano que de fato só existe como resultado de um longo processo de autoconstrução. Mas, essa posição tradicional, embora possa ser considerada ultrapassada, colocou um problema que pode ser considerado como sendo a pedra-chave de qualquer nova construção: há que enfrentar o paradoxo da educação moral, que consiste na tensão entre o permanente e o transitório, e não é suficiente afirmar apenas o princípio do auto desenvolvimento da criança.

O ato de ensinar está fortemente conectado ao de aprender. Educar, portanto, implica, necessariamente, relação, onde os sujeitos envolvidos têm especificidades, mas se revezam dos papéis de ensinante e aprendente. “Na história da humanidade, aprender precedeu o ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender [...]” (FREIRE, 1996, p. 26)

A educação moral é a presença pedagógica, junto ao educando, que tem como objetivo a construção de suas competências morais. Nesse intento, cabe à ação docente chamar a atenção para os problemas e contradições da sociedade contemporânea e sua forma de organização, tematizando a perspectiva exclusivamente individualista instrumental e reforçando o interesse do educando

pela dimensão do social e a responsabilidade que cabe a cada um na sua transformação. É óbvio que, nesse fazer, devemos considerar as características sócio-cognitivas de cada educando.

É preciso tomar cuidado com as pretensões da ação educativa escolar. Numa sociedade fortemente autoritária e heterônoma dificilmente a ação pedagógica cooperativa poderá levar a autonomia dos alunos. Ajudará, porém, com alcance limitado. “Toda moral consiste num sistema de regras” (FREIRE,1996, p. 23) e a essência de toda a moralidade está no respeito que se adquire frente à regra. Talvez o grande valor do estudo da moralidade para a prática educativa está na possibilidade de compreender o “como” se dá o reconhecimento, o respeito e a transformação das regras.

Os procedimentos a serem adotados, numa educação moral, podem variar segundo vários aspectos: fins perseguidos, técnicas usadas e domínio moral. Os fins perseguidos variam infinitamente. Entretanto, se desejamos formar uma personalidade livre, capaz de agir pelo concurso da consciência autônoma, devemos selecionar os procedimentos que reúnam um conjunto de técnicas coerentes com as demandas dos sujeitos e com os princípios norteadores da ação. Selecionaremos aqueles que permitem que, por meio da experiência direta na troca com o objeto de conhecimento, o sujeito consiga desenvolver-se nos âmbitos intelectual e moral, equilibradamente. Quando partimos da realidade, psicológica e social, vivida pelo sujeito, a escolha dos procedimentos mostrar-se, na prática, tão mais efetiva quanto maior adequação apresentarem, em relação às possibilidades e demandas do mesmo (PIAGET, 1998b).

Se partirmos do pressuposto de que nenhuma realidade moral é completamente inata ou tampouco determinada por aspectos exógenos, são nas relações interindividuais que as normas se desenvolvem. Em outras palavras, são as relações experimentadas pelas crianças com o adulto e entre si que lhes permitirão evoluir da anomia à autonomia, passando por uma fase de heteronomia moral. “Não há, portanto, moral sem educação moral, educação em sentido amplo, sendo precisamente o que sobrepõe à constituição psicofisiológica inata do individuo” (PIAGET, 1998c, p. 27).

Diante da multiplicidade relacional a que se encontra submetida no seu cotidiano, a ação dos diversos sujeitos produz vários tipos de moral, proporcionais

às diferenças entre as formas reacionárias, sociais ou inter-individuais, passíveis de serem empreendidas. Apesar dessa diversidade, Piaget considera que existem, entre as crianças, no geral, duas morais – heterônoma e autônoma. Essas derivam das reações das crianças a dois tipos fundamentais de relações inter-individuais. Outrossim, acrescenta que essas duas morais se combinam mais ou menos intimamente.

Durante muito tempo pensou-se que a realização de discursos morais (lição de moral) teria efetividade na configuração de um conjunto de ações morais “adequadas”. Assim, além de aspectos da prática moral, enfocavam-se relatos, sobre grandes e pequenos exemplos históricos, com ênfase para o valor moral, dessa ou daquela atitude para fins de exemplificação. Não descartamos o valor de tais preleções no âmbito geral, entretanto, as práticas concretamente vivenciadas pelas crianças reúnem as condições estruturais para dar significados e construir a compreensão sobre as “lições de moral”.

Mesmo que a apresentação oral do modus operandis seja implementada, acreditamos que a experimentação de situações concretas (mais próximas possíveis dos sujeitos), que ensejem discussões morais, aproveitando as situações cotidianas para extrair-lhes o conhecimento moral, pode colaborar de forma mais relevante para uma Educação Moral voltada à autonomia e à solidariedade. “É possível transmitir, por meio de um ensaio que repousa sobre o respeito unilateral, a moral da cooperação, do respeito mútuo e da autonomia preconizado pela maioria dos educadores?” (PIAGET, 1998c, p. 40). Parece-nos que uma abordagem transversal da questão moral mostra-se mais adequada à natureza desse conteúdo, vez que não é possível dissociá-lo da ação de qualquer sujeito: seja ele educador ou educando.

Os métodos orais repousam sempre sobre um fundo de respeito, unilateral. Então qual seria o seu papel na Educação Moral? Seria o de formular uma resposta a uma questão prévia? Devemos evitar a criação ou a antecipação de questões para a criança, sob o risco de não ser ouvido. O diálogo sobre questões morais só surtirá efeito proveitoso se advir da vida social autêntica, no interior dos grupos relacionais, caso contrário, não serão mais que palavras lançadas ao vento, sem nenhum eco sobre os ouvintes.

“A educação moral ativa supõe, conseqüentemente, que a criança possa fazer a experiências morais e que a escola se constitua no meio próprio para tais experiências” (PIAGET, 1998c, p. 42). Sob esta compreensão, a educação moral não se constitui numa matéria especial, mas num aspecto particular da totalidade do sistema e o trabalho cooperativo mostra-se não só indicado, como indispensável. No inicio, e, à medida que as crianças se tornam mais velhas, amplia-se o tamanho dos grupos. Assim, a cooperação no trabalho escolar está apta a definir-se como procedimento mais fecundo de formação moral.

Acreditamos que a simples opção por não incluir um posicionamento axiológico ensina um determinado valor e, mais, promove a manutenção da heteronomia moral, diante a pura transmissão e reprodução de normas postas.

Observações de certas práticas disciplinares nas escolas e das regras que os professores dispõem aos educandos podem revelar uma grande diversidade de valores entre os mesmos e até incompatibilidades. Assim, Oliveira (2001, p.32), por exemplo, afirma que:

embora constatemos que nos últimos anos têm-se fortalecido uma posição antiviolência nas escolas, como as campanhas pela paz, de 1998 para cá, observamos, no entanto, na mesma época, em cursos para professores de pré-escola, que a violência física entre crianças pode ser admitida como uma forma de realizar justiça. Ainda predomina via senso comum que o revide é uma forma justa de resolver conflitos entre crianças ou que uma criança que apanhou não deve voltar para casa chorando; é a mentalidade do “levou, bateu”.

Sabemos que a identificação do “comportamento indisciplinado” como um problema para a prática pedagógica perpassa tanto a escola pública quanto a privada (AQUINO, 1996). Entretanto, a forma de justificar e intervir em relação a esses comportamentos que podem variar bastante. A questão da disciplina ou indisciplina tomou um status de “problema interdisciplinar, transversal à pedagogia”. (p. 40-41). Como tal sua análise demanda considerar o fenômeno na sua transversalidade, como resultante ao entrelaçamento de diversos âmbitos, com seus determinantes sócio-históricos, tendo como eixo articulador os aspectos culturais e psicológicos, concretizados nas relações entre as instituições e os sujeitos.

Destacamos que o termo indisciplina tem o seu sentido aplicado a uma variada gama de comportamentos: não emprestar a borracha a um colega; falar sem ser autorizado e até não sentar “corretamente” na carteira. Além desses, existem os que são considerados de ordem violenta: bater no colega ou destruir o patrimônio da

escola. Muitas vezes, os professores atrelam os comportamentos indisciplinados às dificuldades de aprendizagem, e vice-versa. Não raro, aponta-se a indisciplina dos educandos como o grande mau e a qualidade das capacidades psicológicas das crianças a causa “mor” (LAJONQUIÉRE, 1996).

A indisciplina ou comportamento indisciplinado não é inato. Ao contrário, é aprendido ao longo das práticas sociais.

Há de fato no imaginário escolar um amalgama entre aprendizagem, disciplina e maturação psicológica. [...] talvez possamos dizer que essa trilogia produz efeitos no interior do campo pedagógico, na medida em que opera implicitamente (LAJONQUIÉRE, 1996, p. 26).

Se todo ato de indisciplina for tomado como indicador de uma dada realidade psicológica, somos levados a refletir sobre a necessidade de um encaminhamento a um psicólogo ou sobre a efetividade da aplicação de sanções ou reprimendas, como instrumentos capazes de contribuir para a superação do problema. Independente da alternativa escolhida para uma dada situação, subjaz, a tal reflexão, um crescente movimento de psicologização do cotidiano escolar.

O ato, em si, do encaminhamento guarda uma contradição interna. Sabemos que o sujeito está implicado, necessariamente, em todos os seus atos. Entretanto, tomar contato com as prováveis causas da ação só confere valor de transformação, quando empreendido pelo próprio sujeito, nas mãos de outros sujeitos tal conhecimento mostra-se ineficaz. Tal entendimento, relativamente generalizado e indiscriminadamente aplicado, tem contribuído significativamente para gerar uma ambiência favorável à psicologização e à busca neurótica de encontrar mecanismos e processos capazes de diagnosticar, preventivamente, a tendência a exibir certos comportamentos ou tratamentos escolares ou para- escolares (Ibidem).

“Os conhecimentos produzidos à luz da conexão psicanálise/educação se revelam inúteis no sentido da predição” (LAJONQUIÉRE, 1996, p. 29). Por conseguinte, a história, seja do sujeito ou da instituição, é que permite recuperar o “a priori concreto” de um dado, na atualidade. Porém, tem pouca ou nenhuma valia, para terceiros sabê-los. Entretanto, a que se considerar o porquê de buscá-lo, mesmo quando a realidade vem comprovando a sua ineficácia no alcance dos objetivos preconizados. Cabe a questão: seriam estes objetivos os que verdadeiramente subjazem à ação (encaminhamento a tratamento psicológico)?

Com base no que se discutiu: devemos ou não aplicar uma sanção ou reprimenda ao ato de indisciplina? Constatamos que no passado tal reflexão não era sequer aventada, pois algumas práticas punitivas ou de humilhação eram utilizadas como medidas preventivas. Entretanto, hoje assistimos a ampliação dos procedimentos reflexivos, como princípio básico interveniente na sua adoção ou não. Porém, tal mudança não deve ser rapidamente considerada como um sinal de novos tempos. Se debatermos sobre a conveniência psicológica da lei é muito diferente de debater sobre sua justificativa e aplicabilidade.

Na escola atual, debatemos a necessidade da lei, enquanto tomamos medidas arbitrárias que desconsideram as condições dos educandos para intervir nos processos decisórios. Deriva de tal entendimento o fato de que na maioria das escolas, sob justificativas psicológicas, aponta para imaturidade discente, como principal motivo para excluí-los da elaboração e aplicação de regras.

Enquanto a lei faz existir (existir fora de si) um sujeito do desejo (do proibido), ou seja, um sujeito da diferença (essa não, as restantes sim), a regra fabrica um indivíduo psicológico fechado em si mesmo e preso à ilusão narcisista de vir a fazer um todo com o outro (LAJONQUIÉRE, 1996, p. 30-31).

Vivemos, na contemporaneidade, uma espécie de desilusão frente ao presente, que o passado nos legou. Diante disso, sentimo-nos tentados a projetar e agir preventivamente para que nos realizemos no futuro. “Parece [...] que o homem moderno não pode abrir mão da criança-esperança, e, portanto, o cotidiano escolar tem razão de ser como ele é” (Ibidem, p. 35). Entretanto, se ao contrário disso resolvemos retomar o passado, questionando-o, planta-se a dúvida e o passado se vê vivificado, visto que já foi futuro e presente.

É a própria lógica do cotidiano escolar, estruturado a partir da idéia da criança em desenvolvimento que, por sua vez, é uma invenção do espírito moderno, e, por outro, esse último é possível de ser exorcizado apenas com referência ao passado, então, nada impede educadores de se desvencilharem do seu mal-estar profissional (idem, p.36).

Como fazer isso? Abrindo mão do discurso pedagógico hegemônico; desistindo de encontrar na criança real o aluno ideal (NUCCI, 2000); renunciar à psicologização do cotidiano escolar; renunciar a ilusão metodológica e; deixar de oferecer aos alunos migalhas pedagógicas embrulhadas em bondade psicoafetiva. Assim, “livres moralmente dos imperativos pedagógicos poderemos reinventar o cotidiano escolar” (idem, p.23).

Numa pesquisa realizada por Shimizu (1998), em que foram entrevistados quarenta professores das séries iniciais da rede pública numa cidade do interior paulista, constatou-se que eles conheciam muito pouco das teorias psicológicas que poderiam lhes dar uma base para realizar algum tipo de educação moral e que a grande maioria utilizava opiniões do senso comum para decidir o que é moral/imoral ou, ainda, como educar moralmente. Assim, nessa pesquisa, grande parte dos professores afirmou que a moralidade de seus alunos vem de exemplos familiares, de influências religiosas e pouca importância foi dada à própria escola nessa formação: é como se houvesse a crença que, em moral, a família é tudo e a escola, nada.

Podemos entrar, neste âmbito, numa discussão infindável, visto que encontramo-nos na esfera axiológica, que, como bem o sabemos, pode variar segundo múltiplos aspectos (sócio-econômico, culturais, históricos, psicológicos, etc.).

Do ponto de vista sócio-histórico, a escola é palco de confluência dos momentos históricos (as formas cristalizadas versus as forças de resistência), do ponto de vista psicológico ela é profundamente afetiva pelas alterações na estrutura familiar. De ambos os modos, a indisciplina apresenta-se como sintonia de relações descontínuas e conflitantes entre o espaço escolar e as outras instituições sociais (AQUINO, 1996, p. 48).

O saudosismo presente no discurso de alguns, ao recordarem-se de uma época em que a escola ensinava “princípios morais”, esgota-se pela ausência de uma análise crítica dos contextos de ocorrência, e da inocência daqueles que acreditam ser possível aplicar, de forma direta e precisa, modelos de épocas remotas à realidade contemporânea. No entanto, o contexto complexo e plural é hoje uma realidade e de nada adianta cultuar o passado; urge sim discutir os problemas, os paradoxos e as perspectivas de uma nova ética pedagógica adequada aos novos tempos. Assim, no campo da educação moral, a questão não gira mais em torno dos aparatos responsáveis pelo como transmitir aos alunos um determinado conjunto de normas e valores que, no passado, eram deduzidos dos axiomas básicos de teorias éticas gerais, que se afirmavam superiores a todas as outras. Segundo Valle, "uma falha central da tradição pedagógica foi a representação de relações estáticas, portanto, relações de tipo linear e não diferenciadas; só assim a idéia da derivação do particular, a partir do geral, podia parecer possível e plausível" (2001, p. 13).

Atualmente percebemos que os dois modelos (empiricista e inatista) que conduziam à prática pedagógica tradicional - a influência externa sobre o educando e o desenvolvimento natural - não se sustentam. Verificamos que as duas concepções estruturam-se sobre bases reducionistas, pois acabam por desconsiderar outros aspectos envolvidos no processo. Portanto, representam modelos lineares e ingênuos. Na prática, exagero de redução mostra-se impensável. Os novos cenários da educação moral, nos contextos de pluralidade, são complexos e rompem com as teorias lineares da tradição. Permanece, entretanto, a tensão entre a tese central de Kant (1997) de um suposto universal e a perspectiva posterior de uma relativização sem limites.

Construímos, ao longo da história, mais ou menos, recente da educação, a idéia de que não é possível realizar uma prática pedagógica efetiva (eficiente e eficaz), se deixarmos de exercer o controle bastante adequado do corpo e da fala. Na verdade existem momentos, no cotidiano escolar, onde a fala é estimulada e outros, onde ela é coibida. Penso que é mais ou menos generalizada a idéia de que tais momentos são realmente necessários. Entretanto, devemos registrar que existem meios e modos, mais ou menos adequados, para fazê-lo e, ainda, existem motivos adequados e inadequados porque o fazemos. A idéia maquiavélica, de que os “fins justificam os meios”, mostra-se, nessas situações, completamente imprópria.

“Por trás da relação entre autoridade e manutenção da ordem, reside uma questão bastante complexa: a do poder disciplinar do ato pedagógico” (PASSOS, 1996, p. 119). O exercício desse poder, de forma indiscriminada, produz, no educando, um efeito negativo sobre sua auto-imagem e auto-estima. Por esse e outros aspectos, precisamos atentar para as transações simbólicas e materiais do cotidiano que vão, aos poucos, conferindo um sentido ético às experiências em jogo.

Constata-se que a maneira como se estruturam as relações, no contexto escolar, não pode ser atribuída apenas a um dos fatores ou aspectos envolvidos na produção do fenômeno (professor / educando / escola / estrutura sócio-econômico- cultural). Assim, as relações estabelecidas e, por extensão, o ethos constituído no espaço escolar, têm natureza transversal, visto que se produz no entrecruzamento entre as singularidades e os conteúdos escolares – configuradores da cultura escolar.

Se moral não é a aplicação de leis universais acima de qualquer circunstancialidade, também não é apenas a soma de convenções ou mesmo comportamentos esperados, totalmente imersos no circunstancial. Na esfera da moral temos as regras precárias, configuradas concretamente no interior de um mundo de circunstâncias, mas à luz de princípios éticos mais gerais. Esses princípios ou normas não especificam no detalhe as condições de sua validade e observância, mas insinuam a necessidade de uma aprendizagem de como, em determinadas circunstâncias, esses princípios devem ser vividos ou mesmo justificadamente transgredidos (FONSECA, 1995). “Normas e princípios morais são prescrições frágeis que permanentemente oferecem oportunidade para a educação" (VALLE, 2001, p. 14).

A respeito de determinados princípios e obrigações, por mais que se defendam relações educacionais simétricas, não há como negociar. Podemos tomar como exemplo, o comportamento responsável, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, o respeito ao meio ambiente como princípios que têm sentido vinculante, independente da concordância ou não de cada indivíduo. Não há dúvida de que a cultura moral deve ser vista como uma realidade histórica, que muda e que se renova, mas ela não é um objeto de mercado que, como se disse, possa ser negociado como se negociam ações na bolsa de valores, ao sabor das conjunturas econômicas e conveniências políticas (GOERGEN, 2001b).

Os defensores radicais, tanto da posição absolutista quanto relativista, interpretam a moralidade desde uma perspectiva unívoca e linear e não reconhecem a paradoxal contradição que lhe é inerente. Os termos desse paradoxo são: a negociação, de um lado; e a responsabilidade, de outro. A negociação atém-se ao aspecto formal-metodológico, a responsabilidade ao conteúdo da moral. No caso da negociação, o processo, o cenário e o contexto, como a ambiência discursiva, tornam-se centrais em prejuízo do conteúdo da moral. O reconhecimento do caráter histórico-cultural da moral certamente atende a uma das tendências do mundo contemporâneo, pós-metafísico e pós-teológico, mas deixa em aberto a questão de fundo: há ou não há conteúdos morais obrigatórios, que ainda que mínimos, não