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Diante desse conjunto de questões e desafios à prática de educação ético-moral, ousamos fazer algumas aproximações, embora saibamos que somente a dinâmica do concreto poderá dar conta de revelar aquelas que por ventura se mostrem mais adequadas. A utilização de grupos de discussão, para o tratamento de questões e de dilemas enfrentados no cotidiano da escola, pode contribuir na direção de avanços, no que tange às formas de agir e de refletir, dos sujeitos envolvidos, ampliando o seu repertório experiencial e as estratégias de enfrentamento das situações conflituosas. Assim, ao se oportunizar a reflexão, o diálogo franco e a construção coletiva de mecanismos de equacionamento das situações-problema, foi possível identificar as posturas assumidas pelos sujeitos, bem como ajudá-los na sua superação.

A busca do auto-conhecimento e das motivações para a configuração de determinados comportamentos, trouxe à tona fragmentos da história de vida dos participantes, que permitiram uma melhor compreensão dos mesmos, tanto isoladamente como nas relações grupais. Foram percebidos, entre as vivências dos indivíduos, pontos de interseção (dores e alegrias, perdas e ganhos, processos de inclusão e exclusão) que os aproximaram enquanto grupo e facilitaram o trabalho de formação. Temos consciência de que “é preciso revisitar nossas raízes, nossos retalhos de memória para nos ver, para daí então ver para fora, para o outro e assim poder retornar e viver consigo e com o outro” (ZENAIDE, 2001, p.225).

Ao longo do trabalho de formação em serviço, por meio das oficinas pedagógicas (nos sábados de planejamento ou nos início do ano letivo), encontros semanais de planejamento e da trocas formais e informais cotidianas, o tema transversal ética foi discutido a partir dos emergentes grupais. Ou seja, trabalhamos a partir dos acontecimentos cotidianos, buscando contribuir para que os sujeitos tivessem a oportunidade de refletir e assumir uma posição propositiva frente às situações. Ao invés de falar sobre, vivenciamos e, a partir do vivido, encontramos núcleos generalizáveis da ação (conceito), capazes de serem aplicados em outros contextos, inclusive no de sala de aula.

O grupo também pode ser considerado como espaço de evidenciação das diferenças, onde as relações de poder assumem maior visibilidade, onde o conflito é inerente ao processo relacional, enfim, um espaço inevitavelmente plural, de convivência com o diferente. Tais constatações levaram-nos a identificar esse espaço como potencialmente dialógico, capaz de viabilizar trocas, desiquilibrações, e reequilibrações, enfim um (com)viver dinâmico. Um espaço passível de ensejar (ou não) construções importantes, tanto do ponto de vista dos conteúdos, com a ampliação do repertório de significações, quanto daquelas de natureza formal, que puderam desembocar na ampliação da capacidade de agir-refletir no plano cognitivo e na esfera da moralidade e da ética.

Pretendemos, desta forma, focalizar atividades comuns e, neste fazer, tornar explícitas as questões implícitas, que poderiam estar dificultando a realização da tarefa pretendida, ou que a estão facilitando. Buscou-se, assim, além de coletar informações a respeito dos grupos e de seus membros, contribuir para que o grupo tomasse consciência acerca dos processos vividos e tornando-se, gradativamente, mais capaz de caminhar de forma autônoma e amadurecida, podendo avaliar as conseqüências advindas de suas decisões grupais.

Na dinâmica de trabalho, o próprio grupo pôde confrontar os nossos posicionamentos com aqueles produzidos pelos seus integrantes. Muitas mudanças foram verificadas, comportamentos de resistência foram evidenciados, mas, considerados importantes, independente da manutenção ou mudança nas relações estabelecidas. Assim, a instalação de uma prática de reflexão sobre o vivido, tendo a negociação grupal e a comunicação assertiva como estratégias de ação, impediu que fôssemos os mesmos, após tais vivências.

A intervenção, que pretendíamos, visou uma perspectiva transformadora, onde as pessoas, que participaram dos processos grupais, fossem vistas como sujeitos que pudessem decidir o seu destino, tendo claros as suas possibilidades e os limites de suas ações individuais e grupais. Nossa tarefa implicou em reunir as condições necessárias à captação dos emergentes dessas vivências e significá-los à luz de uma reflexão-crítica e do quadro teórico de referência.

Acrescentamos que a utilização complementar de vários instrumentos de coleta de dados teve a função de permitir o conhecimento mais aprofundado da

realidade, através do método de triangulação12, como forma de potencializar a fidedignidade descritiva em relação à realidade estudada (LUDKE e ANDRÉ, 1986).

2.2.1A

ESCOLHA DOS INSTRUMENTOS

Nas mais diversas situações do dia-a-dia, somos pegos envolvidos em relações eminentemente grupais. Estas sejam espontâneas ou naturais, organizadas, com finalidades específicas, coordenadas pelos próprios participantes ou por outros, representam uma necessidade da vida em sociedade. Tais relações representam formas de organização social e refletem o que acontece no seio social. Esses grupos podem tanto estar a serviço da transformação social quanto da sua manutenção. Na verdade, estamos participando ou nos negando a participar de grupos que se nos apresentam o tempo todo.

Há uma tradição, no estudo e na intervenção com pequenos grupos, que está ligada do trabalho junto às escolas e às fábricas que privilegiam o treinamento em busca da produtividade. Os especialistas em grupos se atêm à aplicação de técnicas grupais que desenvolvem a cooperação entre os participantes e não levam o grupo a se auto-criticar e buscar o seu caminho para o funcionamento. Pois uma das possibilidades é não se constituir enquanto grupo. Neste caso, a constituição do grupo está a serviço da instituição e é utilizada como um dos instrumentos de controle que a mesma exerce sobre o indivíduo (CARLOS, 1999, p. 200 – 1).

É importante ressaltar que, no trato com os pequenos grupos, o contato entre as pessoas e a busca de um objetivo comum, a interdependência, entre seus membros, varia em um contínuo que vai da dispersão até a unidade.

Um meio de progredir no entendimento acerca dos aspectos vinculados á construção do juízo moral, no espaço escolar, seria através de um mergulho profundo na dinâmica institucional, ou seja, conhecê-la a partir do seu cotidiano. Tal processo se faz necessário em função do fato de que a prática educativa se constitui a partir de quadros referenciais de cunhos ideológicos, morais e sociais dos sujeitos envolvidos no processo: educadores, educandos, diretores, pais, funcionários, etc.. Tais repertórios se transversalizam, formando o somatório das contribuições individuais, visto que se transformam mutuamente, dando um sentido peculiar às atitudes e comportamentos, no âmbito institucional.

Diante do exposto, o fazer educativo, numa dada instituição, é estruturado a partir do cruzamento de vários aspectos e de diversos repertórios experienciais. Assim, as concepções epistemológicas, axiológicas e pedagógicas dos envolvidos na experiência de educar, necessitam serem analisadas, principalmente quando se avalia a qualidade das relações como precursora de um dado agir ético. Os estudos sobre o cotidiano apontam alternativa para esta compreensão. Ao tomar o cotidiano como foco de análise, pode-se percorrer um trajeto teórico que não fragmente os fenômenos, mas que revele a gênese e a natureza do processo educativo.

No nosso caso, interpretar o cotidiano escolar a partir de uma “hermenêutica densa”13, implica significá-lo de “dentro”; compreendendo a ação dos sujeitos, pelo viés dos próprios sujeitos e um alto nível de implicação, o que favorece a descrição/explicação e enseja a transformação, pelo movimento reflexivo de que fazem parte os participantes da pesquisa. Assim, significar a vida cotidiana como categoria teórica, amplia o sentido da observação do que acontece no cotidiano, porque o foco está nas intervenções possíveis e no potencial dinamizador de um refletir sobre esta categoria.

Com tal entendimento não estamos negando as relações entre as realidades micro e macro sociais, tão pouco, privilegiando o micro em detrimento do macro. Entendemos que impregnar-se da ambiência escolar pode viabilizar uma compreensão menos distorcida da dinâmica cotidiana, vez que permite um exercício sistemático de descentração, indispensável a uma pesquisa sobre ética, coerente com os seus pressupostos.

O nosso processo de investigação pretendeu superar o modelo tradicional desagregador e dicotômico, pois enxergar a escola, a partir de recorrências e de níveis de significância estatística, pode implicar em deixar de fora fragmentos e acontecimentos aparentemente isolados, mas que, numa visão de conjunto, apontam para significações muito mais ricas e esclarecedoras.

As abordagens etnográficas, embora, tradicionalmente, empregadas, como instrumento metodológico, na descrição de culturas, apresentam ampla

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Nela, o pesquisador busca obter, por parte dos sujeitos da pesquisa, os significados que conformam e dão corpo aos seus comportamentos, fundamentando a análise dos fatos observados num referencial teórico-conceitual que suporte a interpretação de dados (GEERTZ, 1998).

aplicabilidade na investigação do cotidiano escolar, com o foco no processo educativo.

Em nossa trajetória investigativa empregamos as técnicas de observação participante; registro e análise de atividades grupais, próprias do ambiente escolar; observação com registro cursivo de diversos momentos da vida escolar (festas, reuniões, conselho de classe, reunião com pais, prática em sala de aula, momentos de chegada e saída, etc); análise de documentos institucionais; análise do “diário de bordo” das professoras e etc.

Os estudos etnográficos voltados para a prática cotidiana das escolas, [...] enquanto procedimento e abordagem da realidade concreta [...] permite reconstruir os processos e relações que configuram a experiência escolar diária. Isto significa que quanto mais perto estivermos do dia-a-dia da prática escolar (observando e entrevistando, sempre com a intenção de documentar o não documentado, ou seja, desvelar os encontros e desencontros do cotidiano e descrever ações e representações dos envolvidos reconstruindo linguagens, formas de comunicação que são criadas e recriadas nesse cotidiano), mais estaremos nos aproximando da etnografia (GEERTZ, 1998, p. 125).

Assim, a investigação de tipologia etnográfica pode ensejar a construção de novos saberes acerca do ethos escolar, quando analisamos as relações configuradoras do território institucional. Neste fazer, as situações experimentadas no cotidiano vão constituindo uma tessitura de significados e sentidos únicos e mutantes graças ao constante entrecruzamento das diversas singularidades.

Tomando-se o processo de constituição do ethos institucional numa escola construtivista, como questão central, buscou-se conferir ao processo de coleta e análise de dados uma maleabilidade capaz de captar o novo, o inusitado, por meio de uma maior sensibilidade às representações e interpretações dos indivíduos que fazem parte da “constelação” escolar. Outrossim, pretendeu-se partir de um referencial teórico-metodológico coerente com o nosso olhar e com o objeto do olhar, sem, contudo desconsiderar insuficiência necessária deste e, por conseguinte, a necessidade de ampliá-lo, ao longo da pesquisa.

O estudo sobre a educação moral promovida pelo ethos escolar envolveu a reflexão sobre múltiplos aspectos, tais como: a estrutura de poder na escola; as concepções expressas no discurso, nas relações e na prática pedagógica, pelos professores; a articulação entre o que expressam os documentos institucionais e as práticas levadas a efeito no cotidiano; os mecanismos de reflexão e de transformação adotados pela comunidade escolar; a compatibilidade entre os

pressupostos teórico-metodológicos preconizados e o agir-refletir institucional; o nível de consciência sobre a natureza moralizadora da ação escolar e suas materializações, etc. Por conseguinte, nosso esforço foi o de compreender, diante da constatação de uma realidade que não interessava perpetuar, como a comunidade vem empreendendo sua trajetória de transformação.