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1.2.6 – E DUCAÇÃO ÉTICO MORAL : EXPRESSÃO DA RAZÃO AFETIVA

1.2 – CIRCUNSTANCIANDO O OLHAR

1.2.6 – E DUCAÇÃO ÉTICO MORAL : EXPRESSÃO DA RAZÃO AFETIVA

Precisamos deixar de pensar que somos a imagem idealizada do que desejamos ser. Temos que entrar em contato com o que somos, de fato, para vislumbrar a possibilidade de vir a ser o que desejamos. Nossa negatividade é fortemente reprimida pelos padrões morais vigentes. Tal processo, de uma maneira geral, exacerba o medo e a culpa, graças ao desconforto que esse sentimento traz. Assim, transferimos para outrem, ou para alguma coisa, a causa daquilo que temos dificuldades em assumir (PIERRAKOS, 1998).

O desejo de aprimorar-se passa pela consciência de que existe um estado de ser e estar pleno e mais adequado. A sociedade ocidental tem concebido a vida e o viver de forma dual: o certo e o errado; o bem e o mal, etc. Os extremos desses pares de significação conduzem, inevitavelmente, ao erro, dada a sua natureza parcial. Diante disso, constatamos que não há como operar mudanças profundas no cotidiano escolar a partir dos famosos “cursos de reciclagem”, pois, tais mudanças, implicam radicalidade atitudinal, ou seja, num mergulho profundo no cotidiano, com todas as dores e prazeres que pudermos experimentar.

Os seres humanos geralmente passam por períodos de aprendizagem que fazem parte de sua formação, e tudo o que aprendem do meio em que vivem resumem-se em que cada um deve lutar por si mesmo e contra o outro, seja qual for o número de opostos (Ibid, p. 75).

Temos padrões e parâmetros dualistas devido à educação a que fomos submetidos. Os padrões de perfeição, com os quais julgamos os outros, encontram

gênese em razões meramente egocêntricas e é esse mesmo egocentrismo que inviabiliza nossa autoconfiança.

“É fato que mente e corpo não são duas ‘coisas’ separadas, mas dois aspectos diferentes da mesma realidade” (p. 121) Entretanto, teimamos em agir de forma dual. Urge buscar a conexão entre sensação e emoção, razão e ação, a fim de estabelecer novos fluxos energéticos e encontrar a saída para a superação desses maniqueísmos (BASSO, 2002). Coerente com esses pressupostos Goleman sugere, aos professores, que:

[...] considerem [...] a possibilidade de ensinar as crianças o alfabeto emocional, aptidões básicas do coração [...] e o ensino [...] poderá se beneficiar com a introdução, no currículo escolar, de uma programação de aprendizagem que, além das disciplinas tradicionais, inclua ensinamentos para uma aptidão pessoal fundamental – a alfabetização emocional. Há crescentes indícios de que posturas éticas fundamentais na vida vêm de aptidões emocionais subjacentes. Por exemplo, o impulso é o veículo da emoção; a semente de todo impulso é um sentimento explodindo para expressar-se em ação. Os que estão à mercê dos impulsos – os que não têm autocontrole – sofrem de uma deficiência moral. A capacidade de controlar os impulsos é a base da força de vontade e do caráter (1995, p.9).

Urge, por conseguinte, que levemos inteligência à emoção e vice-versa. Assim fazendo poderemos agir com autocontrole e piedade. Inteligência emocional refere-se à capacidade de conter o impulso emocional, interpretar os sentimentos de outrem, lidar adequadamente com os relacionamentos. Quando constatamos que a relação interpessoal apresenta centralidade, no contexto da ação docente, o desenvolvimento da Inteligência Emocional passa a figurar como um dos importantes objetivos da formação desse profissional.

Pensando na formação que se desenvolve, ou deveria se desenvolver no contexto escolar, perguntamo-nos: como incorporar à prática educativa um conjunto de procedimentos, intervenções e vivências que viabilizem tais construções? Estariam os professores e, ou a instituição escolar, preparados para fazê-lo? Em caso afirmativo, como avaliar objetivamente tais aptidões?

De um modo ou de outro, promovemos, ao educar, algum tipo de efeito sobre a expressividade emocional dos educandos. Entretanto, quando tomamos consciência disso, podemos optar por fazê-lo nessa ou naquela direção. Tirar do acaso a responsabilidade por desenvolver, ou não, certas habilidades emocionais, pode contribuir para que os efeitos destrutivos ou danosos sejam dirimidos.

As habilidades emocionais não podem ser desenvolvidas fora do contato direto com experiências, onde o sujeito cognoscente seja convidado a reconhecer suas emoções e a controlar sua exteriorização comportamental. Assim, as relações no espaço escolar, podem e devem ensejar situações onde as técnicas comunicativas e de controle sejam construídas e exercidas entre todos. Muito mais que discursos preconizadores do que é certo ou errado, precisa-se, efetivamente, oportunizar que os sujeitos, de forma autônoma (segundo suas possibilidades estruturais), possam realizar escolhas e responsabilizem-se pelas conseqüências advindas destas.

Situações de tomada de consciência sobre o conteúdo da ação e suas motivações, o exercício do controle emocional, a prática da escuta cuidadosa (aquela que acolhe a possibilidade da existência e convivência de diversos pontos de vistas); a exposição a eventos que envolvam o equacionamento de conflitos e a capacidade de cooperar, num dado contexto relacional; podem viabilizar as condições necessárias à constituição das habilidades e competências indispensáveis à vida emocionalmente equilibrada.

Seriam, os códigos de ética, tentativas de conter, ou controlar, as manifestações emocionais?

Como observa Aristóteles “o problema não está na emocionalidade, mas na adequação entre a emoção e sua manifestação” (apud GOLEMAN, 1995, p. 14). A questão é: como podemos criar, no espaço escolar, as condições para a constituição de um ethos compatível com a formação de sujeitos autônomos, do ponto de vista cognitivo e emocional?

Os comportamentos disparados pela emoção são rápidos e irrefletidos. A emoção nos mobiliza para agir rapidamente numa situação de emergência. Para que as emoções tenham um efeito prolongado é preciso que o sentimento disparador seja mantido. Quando os sentimentos são mantidos, por muito tempo, transformam-se em estados de espírito, numa “forma contida”.

Existem as emoções provocadas por pensamentos que, normalmente têm um transcurso mais lento, e suas manifestações são relativamente controláveis. “A mente emocional possui uma lógica associativa” (GOLEMAN, 1995, p.308). Assim, tem a tendência de tomar o que simboliza, uma dada realidade, como a própria

realidade, ou o todo pode ser representado por suas partes. “A lembrança evocada pela percepção da coisa pode ser mais importante do que a própria coisa” (idem).

Subjaz à emoção uma estruturação lógica compatível com a dos primeiros anos de vida humana, logo particular. Enquanto a mente racional faz conexões entre causa e efeito, a emocional não estabelece qualquer relação necessária. Pode responder a uma lógica transdutiva, onde os princípios reguladores correspondem a uma estrutura subjetiva, portanto, não generalizável. A mente emocional cria verdades próprias e desconsidera tudo que se mostre contrário. Por isso, sob o efeito de fortes emoções, o sujeito é incapaz de considerar argumentos por mais lógicos que pareçam. Só ouve aquilo que reforça a sua verdade. A mente racional, usualmente, não controla a emoção que devemos ter, quando muito pode exercer alguma interferência no curso de nossa reação.

Através da mente emocional tendemos a reagir, no presente, de forma igual às reações emocionais vivenciadas no passado. Entretanto, tais reações não consideram sua adequação às condições atuais, ou seja, generalizamos esquemas reativos sem nenhuma espécie de adaptação. Muitas vezes, tais reações não são percebidas, em termos da presentificação de emoções passadas. Entretanto, Goleman chama-nos à atenção para o fato de que toda “emoção tem sua assinatura biológica” (1995, p. 310).

Dados de pesquisas dos anos 80, com base na avaliação de pais e professores, apontam aspectos emocionais onde as crianças não estavam bem desenvolvidas (idem): retraimento ou problemas de relacionamento social; ansiedade e depressão; problemas de atenção e de raciocínio (dificuldade e concentração, impulsividade, baixo desempenho escolar); delinqüência e agressividade (destruir coisas, provocar os outros, ter pavio curto). Tais aspectos parecem estar apontando para uma baixa competência emocional. Outro fator merecedor de destaque é que nenhum grupo de criança, qualquer que seja o critério de agrupamento, parece estar imune a esses problemas. Nota-se, entretanto, entre as classes economicamente privilegiadas, um maior acesso a um atendimento especializado.

O que a agressividade na infância lega para o resto da vida de garotos (agressivos) [...] consta de muitos estudos. Como vimos a vida em família, dessas crianças agressivas, inclui, normalmente, pais que alternam abandono com castigo severos e arbitrários, um comportamento que,

talvez, compreensivelmente, torna a criança meio paranóica ou belicosa (GOLEMAN, 1995, p. 249).

Assim, precisamos envidar esforços no sentido de promover intervenções capazes de ajudar as crianças a construir a competência para lidar com as sua emoções e sentimentos, manejando melhor com os mesmos nos seus contextos vivenciais. É importante ajudar as crianças a aprender como utilizar, adequadamente, a linguagem (corporal e verbal), para melhor lidar com as emoções.

O processo de alfabetização emocional preconiza a necessidade de ensinar as crianças a serem inteligentes, também, no que se refere às emoções. Tal procedimento, segundo o autor supracitado, poderia atuar como uma espécie de medida profilática contra as emoções aflitivas e suas conseqüências (violência, o uso de drogas, suicídio, estados depressivos e etc.).

Pesquisas11 vêm demonstrando que as primeiras relações sociais, que a criança estabelece, têm forte influência sobre o desenvolvimento da sua personalidade. Daí a preocupação de que a criança, desde a mais tenra idade, comece a ser estimulada a desenvolver uma série de habilidades para a vida. Isso implica, naturalmente, o reconhecimento e manejo das emoções. Nesse particular, podemos destacar a importância de se aprender a lidar com emoções destrutivas e evitar situações desastrosas, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo.

Constata-se que é possível aprender a fazer coisas, que permitam o autocontrole, quando estamos no calor das emoções, criando uma espécie de imunidade emocional. Existem fatores produtivos e de risco que influenciam diretamente sobre o bem-estar emocional das crianças. Por exemplo: o apego pode ser necessário e até produtivo em certos estágios do desenvolvimento infantil.

Entrar em contato com as emoções, reconhecê-las e assumi-las são práticas bastante produtivas. Assim, pesquisas vêm apontando que quando os pais reconhecem as emoções dos filhos, as acolhem e ajudam-nos a tomar consciência sobre as mesmas, estes, gradativamente, vão se tornando mais aptos no seu manejo e passam e a exibir comportamentos mais equilibrados. Por outro lado, quando os genitores as reprimem ou negam, ou seja, imputam-lhes uma incongruência intrínseca, as crianças tendem a sufocá-las, gerando uma pressão

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fisiológica e psicológica exacerbada, que a acaba por embotar seu desenvolvimento emocional-sadio.

A agressividade comportamental provém, em parte, da incapacidade de planejar, combinada à ausência de controle dos impulsos emocionais. “Os lobos pré- frontais são áreas fundamentais para integração razão/emoção” (GOLEMAN, 2003, p. 265). É sabido que o cérebro é o órgão do corpo a se tornar maduro mais tardiamente e as áreas pré-frontais são as últimas partes deste, a fazê-lo, chegando a crescer até, aproximadamente, 25 anos de idade. Assim, quanto mais precocemente se desenvolvem mecanismos de reconhecimento e manejo das emoções, menores serão os riscos de se exibir distúrbios de agressividade e ansiedade no futuro. Embora tal processo seja necessário, no entanto, não é suficiente, ou seja, não é garantia de ocorrências positivas, graças a outros aspectos intervenientes. “A criança agressiva quase sempre reagirá depressa com agressão, e assim começa a briga” (idem). Adultos com histórico de agressividade impulsiva na infância, tendem a manter-se sempre em guarda, estão sempre dispostos a achar que alguém intenta lhe prejudicar.

Ajudar as crianças a se acalmarem (reduzir o período de recuperação da excitação emocional); aguçar a percepção sobre o estado emocional dos outros; usar a discussão aberta dos sentimentos, como meio de resolver dificuldades interpessoais; planejar e pensar, com antecipação, para evitar situações difíceis e; analisar como nosso comportamento atinge aos outros, são medidas eficazes na operacionalização de uma proposta político-pedagógica conseqüente, que busque o desenvolvimento integral dos sujeitos, num contexto ético-solidário.

Os anos pré-escolares são marcados por múltiplos aprendizados e pela alta modelagem cerebral. Começam a se desenvolver habilidades sociais importantíssimas entre os três e aos sete anos de idade. Dentre elas destaca-se a capacidade de autocontrole: de parar e se acalmar quando está irritado e a capacidade de sustentar a atenção. Além do crescimento da percepção emocional, registra-se, também, nesse período, um impressionante avanço na capacidade de comunicar suas emoções por meio da fala. Começam a serem capazes de fazer projeções futuras, pensando sobre situações que lhes sejam sugeridas, por exemplo: se isso acontecer o que você faria? A criança a partir de 4 a 5 anos de idade já pode responder perguntas como essa, com as habilidades de que dispõe.

Tais ações são suportadas pela combinação entre dados de nossas emoções e nossas habilidades cognitivas, construídas em níveis endógeno e exógeno.

Existem alguns pressupostos que sustentam a necessidade do investimento atitudinal da escola em torno de uma educação emocional: 1) os sentimentos são sinais importantes que pode surgir dentro do corpo, ou vir de fora; 2) os sentimentos são informações que não podem ser ignoradas e sim investigadas; 3) devemos usar a razão, não para impor emoções, mas para analisá- las e tomar decisões com relação a elas; 4) é preciso oferecer instrumentos, às crianças, para que possam lidar com as emoções (elas precisam entender que sentimentos diferem de comportamentos).

As emoções e os sentimentos não podem ser chamados de certos ou errados, eles são sempre certos. Já os comportamentos, deles derivados, podem ser assim avaliados. Assim, diante de uma expressão de raiva, precisamos ajudar a criança a separar o sentimento “raiva” do comportamento evidenciador desse sentimento. Entretanto, para ter uma maior clareza acerca da situação, necessitamos, antes, nos acalmar para depois agir de forma equilibrada. Feito isso, podemos decidir, embora, na maioria das vezes, com grande dificuldade, o comportamento que se mostra mais acertado. Tal etapa do processo mostra-se tão mais complexa, quanto menos evoluída for a estrutura de pensamento do sujeito, dada a impossibilidade de operar por reciprocidade. Nesse sentido, quanto maior o egocentrismo, maior a dificuldade de discernir sobre o que se mostra mais oportuno, em termos de comportamento, numa dada situação de conflito.

Quando nos acalmamos, não estamos negando a essência da emoção? Acreditamos que a redução no estado de excitação facilita o processo de discernimento. Continuamos a sentir, por exemplo, raiva, porém numa intensidade bastante atenuada, que nos permite reconhecer os sentimentos e controlar os comportamentos, que passam a ser menos impulsivos.

Também Piaget (1994) vincula os sentimentos à gênese das construções intelectuais e morais da criança. O sentimento de medo está fortemente vinculado aos comportamentos de obediência e conformismo. E, finalmente, o sentimento de respeito, derivado da afeição e do temor, onde o outro deixa de ser a fonte imanente das emoções e o sujeito passa a se auto-regular.

As relações das crianças com os indivíduos dos quais defende serão pois [...] formadoras e não se haverão de restringir, como geralmente se acredita, a exercer influências mais ou menos profundas, mas de qualquer forma acidentais relativamente à própria construção das realidades morais elementares (PIAGET, 1998c, p. 65).

Para Piaget o sentimento de respeito, fundado no afeto e no medo, explica apenas o caráter unilateral, onde não existe reciprocidade relacional. Esse tipo de respeito é normalmente observado nos pares relacionais: adulto/criança, docentes/discentes, ou seja, onde prepondera a relação de subordinação. Nesses casos, o que prepondera é o sentimento de medo.

Outrossim, se não houver um mínimo de afeto, não se poderá falar em respeito e sim em obediência. Suspeita-se que, em grande, parte dos problemas disciplinares observados nas instituições escolares reside, no fato de que se busca a obediência e não o respeito. Já a partir da cooperação e da reciprocidade, instalam- se as condições para a emergência do respeito mútuo. O medo de perder o afeto se substitui pelo medo de decair aos olhos do individuo respeitado. Assim, a necessidade de respeitar se equipara à necessidade de ser respeitado. Nesse tipo de respeito, na relação temor-amor prevalece o último. O medo presente neste tipo de relação é completamente diferente, decair perante os olhos de quem se gosta é característico do sujeito autônomo, que regula suas relações pela reciprocidade e pela consideração das outras pessoas. Araújo (1999) defende a idéia, com a qual concordamos, de que a admiração que permite a construção de uma vinculação dialética entre o temor e o amor, presentes no sentimento de respeito, seja ele unilateral ou mútuo.

A construção de consciências autônomas, capazes de se autoconhecer e, em razão disso, de auto-regular-se é condição para a reflexão sobre o agir no mundo e sua transformação, nessa ou naquela direção. Tal processo passa pela aquisição e sensibilidade para perceber e nomear os sentimentos e emoções morais, em si e no outro. Desta forma, poderemos construir a competência de convivência polilógica e democraticamente, com as diferenças de idéias, interesses e valores.

Outro aspecto complicador é o fato de que encontramo-nos em meio a um ambiente de desestabilização dos valores tradicionais, transcendentais e fixos, que eram transmitidos às novas gerações pela educação. Vivemos num mundo plural em que não há mais consensos em torno daquilo que devemos entender por educação

moral. Esta desestabilização tem como contrapartida às manifestações cada vez mais recorrentes, que constatam a necessidade de um novo incremento da formação moral do indivíduo, diante da situação de crise de sentido e dos riscos da sociedade contemporânea. Se a volta ao passado não é possível, é necessário encontrar um caminho a partir do presente, das ambivalências, dos múltiplos sentidos e das contingências. É nesse contexto que a educação moral deve acontecer.

CAPÍTULO

II

METODOLOGIA

DESCREVENDO A TRAJETÓRIA DE PESQUISA