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E NTOAÇÃO : M ODELOS T EÓRICOS E

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 31-53)

REPRESENTAÇÕES

Este capítulo pretende caracterizar a entoação e seus modelos teóricos. Para isso, apresentamos em 1.1, as definições, os parâmetros e as funções da entoação. Em 1.2 e 1.3, delimitamos os modelos teóricos nos quais nos baseamos para análise dos nossos dados: a fonologia entonacional e a fonologia prosódica, respectivamente. Finalmente, na seção 1.4, apresentamos estudos entonacionais de enunciados interrogativos totais para as variedades que estudamos nesta dissertação: Buenos Aires e Santiago do Chile.

1.1- Prosódia e entoação: definições e funções

De acordo com Cortés (2000), a fonologia se divide em dois blocos de estudo: a fonemática e a prosódia. A primeira se dedica ao estudo dos fonemas de uma língua, ou seja, os sons (ou segmentos) que se produzem ou se identificam na comunicação oral. Diferentemente, a prosódia trata dos fenômenos prosódicos, em outras palavras, aqueles que afetam a unidades superiores ao fonema e que se superpõem a sua articulação para manifestar significado semântico ou pragmático. Por essa razão, é possível nomear a estes fenômenos de suprassegmentais, pois se estendem por mais de um segmento.

A palavra “prosódia” se deriva do grego antigo, onde era usada como “som produzido acompanhado de música instrumental”. Atualmente, o termo é usado para referir-se às propriedades da fala que não podem ser derivadas da sequência segmental de fonemas subjacentes à fala humana (NOOTEBOOM, 1997, p.640).

Segundo Fónagy (2003 apud Sá, inédito) a prosódia possui diferentes funções, a saber: (i) demarcar as unidades discursivas; (ii) segmentar a mensagem em partes; (iii) atrair a atenção do ouvinte para um ponto específico da mensagem; (iv) mostrar qual é o tipo gramatical do enunciado proferido; (v) retirar a ambiguidade de sentenças com dois (ou mais) sentidos; (vi) distinguir asserções de questões; (vii) preparar o que trará a frase seguinte; (viii) expressar a atitude, a emoção e/ou a intenção do locutor; (ix) auxiliar na identificação de quem fala e (x) contribuir para o reconhecimento de gêneros discursivos diferentes.

Hirschberg (2002) aponta que a prosódia tem um importante papel no processamento da linguagem. Para os sintaticistas e os semanticistas, a prosódia funciona

como um desambiguador estrutural; para os cientistas da pragmática e da análise do discurso, a prosódia mostra pistas para a transmissão e entendimento dos atos de fala diretivos e indiretos e também para a organização hierárquica do discurso.

Cortés (2000) considera como fenômenos prosódicos o ritmo, a acentuação e a entoação. Dentre esses fenômenos prosódicos, nos centraremos no fenômeno da entoação, definida por diversos autores, de distintas formas. Ladd (1996), por exemplo, afirma que o termo entoação se refere ao uso do caráter fonético suprassegmental que carrega significados pragmáticos no nível pós-lexical ou no nível da sentença de maneira linguisticamente estruturada. Seguindo a linha teórica de Ladd (1996), Prieto (2003) afirma que a entoação é um fenômeno linguístico, pertencente ao componente fonológico da linguagem.

Cantero (2002:18) define entoação como “as variações de frequência fundamental que cumprem uma função linguística ao longo da emissão de voz”. Bem como Cantero (2002), outros autores também se baseiam nas variações de frequência fundamental (doravante, F0) e outros parâmetros acústicos como a duração e a intensidade ao definir a entoação. Aguilar (2000:110), por exemplo, sugere que a entoação é “la sensación perceptiva de las variaciones de tono, duración e intensidad a lo largo del enunciado”.

Hirst e Di Cristo (1998 apud Pinho, inédito), por sua vez, afirmam que a entoação, do ponto de vista dos termos físicos, pode ser usada para referir-se às variações de apenas um ou de mais de um parâmetro acústico.

Resumidamente, assumimos que a entonação abrange distintos parâmetros prosódicos que empregam os falantes de uma língua com finalidade comunicativa. Mas, quais seriam esses parâmetros prosódicos? Entre eles, é importante destacar o tom, cujo correlato acústico é a F0, isto é, a frequência que corresponde à vibração das cordas vocais durante a emissão do continuum sonoro. Além do tom, assinalamos a duração, que mantém relação com o tempo gasto para produzir a fala e a intensidade, que se relaciona à energia usada para a produção do som.

Como mencionamos anteriormente, a entonação manifesta traços prosódicos que empregam os falantes de uma língua com finalidade comunicativa. Em vista disso, a entoação se converte em um importante fenômeno para a comunicação, pois por ela, percebemos as variações melódicas usadas para manifestar diferentes sentidos pragmáticos. Nesse sentido, segundo o contexto situacional em que se insere, o falante utiliza a entoação para distinguir entre o conteúdo da mensagem e o que se pretende comunicar. Uma frase não possui sentido concreto enquanto não adquire entoação, (NAVARRO TOMÁS, 1948

apud AGUILAR, 2000), o que significa que o que se diz deve ser completado com o

conteúdo suprassegmental, indicando assim, se um enunciado é assertivo ou interrogativo, dito com raiva ou alegria, por exemplo.

O que foi indicado no parágrafo acima constitui algumas das funções da entoação. Assim como a pluralidade de definições para o termo entoação, também existem distintos estudos que descrevem as funções da entoação. Aguilar (2000) propõe duas funções básicas para a entonação: uma fonológica e outra pragmática. A função fonológica, conforme afirma Aguilar (2000), é a capaz de distinguir enunciados, isto é, indica uma modalidade oracional ou a estrutura sintática do mesmo e equivale ao que Navarro Tomás (1948 apud Aguilar, 2000) denomina de função lógica da entoação. Por sua vez, a função pragmática interfere na expressão de determinados estados psíquicos e sentimentos, de certas intenções ou atitudes. Esta função possui grande importância na comunicação oral, uma vez que a interpretação da mensagem não passa despercebida pelo ouvinte e, por essa razão, com frequência escutamos algo como “Não fale comigo com esse tom de voz”.

Dessa forma, não é difícil que a função da entoação apareça integrada ao discurso comunicativo oral. É o que Quilis (1993) apud Cortés (2000) denomina função integradora- delimitadora, dado que a entoação contribui para a estruturação da fala, mais especificamente de cada turno de fala, em porções discursivas significativas e de fácil compreensão tanto para o ouvinte como para o falante.

Pinho (inédito), a partir de trabalhos de diferentes autores, sintetiza as funções da entoação em seis categorias: (i) função pragmática, (ii) função discursiva, (iii) função sintática, (iv) função semântica, (v) função expressiva e (vi) função sociolinguística. A função pragmática se relaciona à força intencional no modo de falar, ou seja, à atitude do locutor em relação ao interlocutor na interação. A função discursiva se caracteriza pela variação entonacional em função do estilo de fala (leitura, fala atuada ou fala espontânea).

A função sintática, por sua vez, diz respeito à contribuição dada pela entoação na articulação, segmentação ou integração das unidades linguísticas. Semanticamente, a entoação é capaz de distinguir entre enunciados assertivos, interrogativos e imperativos. Do ponto de vista expressivo, a entoação se relaciona à expressão do estado emocional do falante. E, finalmente, do ponto de vista sociolinguístico, segundo Pinho (inédito), a entoação carrega marcas da identidade do falante, tanto de sua caracterização individual quanto das marcas do grupo ao qual pertence.

Em síntese, podemos concluir que a entoação é um fenômeno prosódico, percebido através das variações de F0, duração e intensidade. Por um lado possui

características linguísticas, tais como o fato de distinguir modalidades oracionais e transformar unidades linguísticas em conversacionais. Por outro, compreende características que não são puramente linguísticas, mas expressivas, emocionais, atitudinais, ou seja, pragmáticas.

1.2- Modelos teóricos da entoação

Os estudos linguísticos da entoação começam a desenvolver-se a princípios do século XX (PRIETO, 2003). Nesse contexto, surgem os primeiros modelos de análise para a língua inglesa: o modelo da escola britânica, que busca analisar os contornos melódicos como uma sequência de configurações expressas pelos movimentos tonais e o modelo da escola americana, que analisa os contornos melódicos mediante uma série de tons estáticos. Por isso, as propostas dessas escolas se denominam, respectivamente, análise por configurações e análise por níveis.

Posteriormente a essas duas escolas, surgem outros modelos de análise mais atuais, mas que mantêm uma base nas tradições anteriores. Com inspiração na escola britânica, surge a escola holandesa (modelo IPO), que emprega como unidades mínimas de análise configurações e movimentos tonais. Segundo o modelo IPO, as unidades de análise tonal se configuram a partir de dez diferentes tipos de movimentos, sendo cinco do tipo ascendente e cinco do tipo descendente, que constituem as unidades básicas da análise melódica.

Por outro lado, inspirados na escola americana, temos como modelos atuais de análise da entoação o modelo Aix-en-Provence. Este modelo considera como unidades básicas de um contorno os níveis T (top), ou altura tonal máxima do locutor; B (bottom), ou altura tonal mínima do locutor e M (mid), valor médio do locutor. Também inspirado na escola americana, encontra-se o modelo métrico-autossegmental. Segundo Prieto (2003), esses modelos atuais da entoação incluem, diferentemente das escolas tradicionais (britânica e americana), um componente fonético em suas análises, ou seja, verificam a relação entre o continuum melódico e a representação fonológica.

A Fonologia Entonacional considera que a entoação apresenta uma organização fonológica própria (LADD, 1996). O objetivo do modelo é identificar os elementos contrastivos do sistema entonacional que produzem os contornos melódicos dos possíveis enunciados de uma língua e se situa dentro dos princípios do modelo métrico-

autossegmental (doravante, AM), proposto, inicialmente, por Pierrehumbert (1980) para a análise das características fonológicas da entoação do inglês.

Este modelo entende os contornos melódicos como uma concatenação linear de dois tipos de elementos fonológicos que se associam com pontos prosodicamente marcados do enunciado, que estão associados a determinadas sílabas, ou seja, o modelo considera que há um vínculo entre a acentuação e a entoação, e do papel da estrutura métrica como coluna vertebral dos movimentos melódicos. Do ponto de vista fonológico, os tons podem se associar às sílabas acentuadas (acentos tonais) ou ao final dos enunciados (tons de fronteira).

As distintas melodias que integram um enunciado são descritas a partir de uma sequência de dois tons: um tom alto (H, do inglês high) e um tom baixo (L, do inglês low). Os movimentos associados ao redor das sílabas tônicas dos enunciados são denominados acentos tonais (pitch accents), que podem ser monotonais (apenas um tom) ou bitonais (dois tons). Para o inglês, Pierrehumbert (1980 apud HUALDE, 2003) apresenta o seguinte repertório de acentos tonais H* e L* (monotonais) e L*+H, L+H*, H+L*, H*+H (bitonais).

Os tons de fronteira (boundary tones), por sua vez, são os tons que se alinham aos limites de uma frase (L% ou H%). Beckman & Pierrehumbert (1986 apud HUALDE, 2003) sinalizam em seu trabalho, para a entoação do inglês, a existência de um acento de frase (ou tons de fronteiras intermediárias), que pode não ser de valia para outras línguas (SOSA, 1999).

É interessante ressaltar que o número de acentos tonais e de tons de fronteira pode variar de língua para língua (HUALDE, 2003). Como cada língua possui contornos entonacionais particulares, é possível ampliar o repertório de combinações de tons, o que possibilita o uso de um tom de fronteira bitonal como LH% ou HL%.

Cabe destacar também a inclusão dos diacríticos de upstep (¡) e downstep (!) no tom H, marcando uma ampliação ou redução da altura tonal. No entanto, ainda é controversa a utilização destes símbolos, visto que é necessária uma investigação mais detalhada a fim de verificar se o acento com escalonamento ascendente e descendente constitui unidades fonológicas ou se são variantes alofônicas de um mesmo acento (ESTEBAS-VILAPLANA & PRIETO, 2008).

A seguir, descrevemos o sistema ToBI que é um modelo de notação prosódica, em nível fonológico, baseado no modelo AM.

1.2.1- Representando a entoação: o Sp_ToBI

O sistema ToBI – Tones and Break Indices – é um sistema de notação prosódica, com raízes no modelo métrico-autossegmental (Pierrehumbert, 1980; Beckman & Pierrehumbert, 1986; Ladd, 1996 e outros). Considerando as características do modelo AM (já explicitadas na seção 1.2.1 deste capítulo), o sistema ToBI foi concebido como um tipo estandarizado de etiquetagem prosódica para transcrição entonativa do inglês norteamericano. Nos últimos anos, tem sido utilizado para a descrição prosódica de distintas línguas, incluindo a língua espanhola. Por essa razão, recebe o prefixo denotador “Sp” (Spanish).

Inicialmente, o Sp_ToBI foi pensado como um modelo capaz de transcrever e notar fonologicamente a entoação de diversas variedades do espanhol (SOSA, 2003). Assim como Pinho (inédito), reconhecemos que, devido a sua amplitude inicial, algumas unidades propostas podem refletir não mais do que um nível bastante superficial, podendo ser interpretadas como alofônicas por falantes de outros dialetos.

Tal sistema diferencia quatro níveis de análise (ESTEBAS-VILAPLANA & PRIETO, 2008): (i) nível ortográfico, em que se transcrevem ortograficamente as palavras ou sílabas dos enunciados; (ii) nível de disjunção1 ou separação prosódica, em que se marca

a presença ou ausência de domínios prosódicos que vão desde a palavra ortográfica à frase entonacional; (iii) nível tonal, em que se transcrevem os acentos tonais e tons de fronteira e (iv) nível miscelâneo, em que é possível anotar fenômenos paralinguísticos, como ruídos, risadas, etc.

No que se refere aos acentos tonais, a primeira proposta do Sp_ToBI (BECKMAN

et alii, 2002) propôs quatro acentos tonais para a língua espanhola L*+H, L+H*, H+L* e

H*. A proposta mais recente do Sp_ToBI (AGUILAR et alii, 2009) propõe sete tipos de acentos tonais, a saber, dois monotonais: H* (F0 alta sem vale anterior) e L* (F0 baixa derivada de um descida progressiva da F0) e cinco bitonais: H+L* (acento descendente com queda na sílaba tônica), L*+H (tom baixo na sílaba tônica e subida na pós-tônica),

L+H* (acento ascendente com pico alinhado à sílaba tônica), L+¡H* (acento ascendente

com pico alinhado à sílaba tônica, com registro mais alto que o L+H*) e L+>H* (acento

1 O sistema Sp_ToBI prevê cinco níveis de disjunção ou separação prosódica, a saber: (i) nível 0, que marca a

fronteira de palavras ortográficas; (ii) nível 1, marca a fronteira de palavras prosódicas; (iii) nível 2, marca uma quebra sem efeito entonacional ou uma aparente fronteira entonacional, porém sem alongamentos ou outras pistas de pausa (marca a fronteira de uma frase fonológica, o nível inferior à frase intermediária – a existência da frase fonológica ainda não está comprovada em espanhol); (iv) nível 3, marca a fronteira de uma frase

ascendente com pico deslocado à sílaba pós-tônica). Na figura 1, abaixo, apresentamos esses acentos tonais juntamente com suas respectivas representações esquemáticas: a caixa sombreada representa os limites das sílabas acentuadas e a caixa branca, os limites das sílabas adjacentes a acentuada.

Figura 1: Esquemas dos acentos tonais (AGUILAR et alii, 2009).

O sistema de notação Sp_ToBI propõe também sete tons de fronteira de frases entonacionais associados ao limite de um enunciado. São estes: dois monotonais, L% (queda de F0 de um acento alto anterior ou F0 baixa desde um acento baixo anterior) e

M% (subida a uma F0 média desde um acento nuclear baixo, tom médio sustentado desde

um acento nuclear alto ou queda a uma F0 média desde um acento nuclear alto); quatro bitonais, HH% (subida de F0 desde um acento baixo ou alto anterior), HL% (subida- descida de F0 depois de um acento nuclear baixo ou F0 alta com queda posterior se o tom anterior é alto), LH% (descida-subida de F0 depois de um acento nuclear alto ou F0 baixa com subida posterior se o tono anterior é baixo) e LM% (descida de F0 seguida de uma

subida até um tom médio de F0) e um tom de fronteira tritonal, LHL% (descida-subida- descida de F0 depois de um acento nuclear alto).

Além dos tons de fronteira de frases entonacionais, o modelo propõe sete tons de fronteira de frases intermediárias. Há uma grande discussão se de fato pode-se considerar a existência de frases intermediárias na língua espanhola, mas Aguilar et alli (2009) apresentam dois argumentos para a existência deste nível em espanhol: a sua percepção auditiva e marcação tonal, que apresentaria níveis diferentes da frase entonacional.

Figura 2: Esquemas dos tons de fronteiras (break índice of level 4) e tons de frases intermediárias (break

índice of level 3) (AGUILAR et alii, 2009).

Na figura 2, acima, apresentamos os tons de fronteira e os tons de frases intermediárias de forma esquemática. A caixa sombreada corresponde às sílabas pós- tônicas.

Seguindo as propostas do sistema Sp_ToBI, pretendemos, nesta dissertação, elaborar uma lista de representações tonais para os enunciados interrogativos totais, visto que através deste modelo é possível representar de forma abstrata os diferentes tipos de contornos melódicos.

1.3- Fonologia Prosódica

Como um dos objetivos desta dissertação é descrever os contornos entonacionais do tag question “¿no?” nas variedades do espanhol de Buenos Aires e de Santiago do Chile e verificar se dito marcador pertence a um mesmo sintagma entonacional ou se constitui um sintagma distinto, cabe-nos discutir os pressupostos da fonologia prosódica (NESPOR & VOGEL, 1994; SERRA, 2009), teoria na qual nos baseamos para a análise de tais dados.

A teoria da fonologia prosódica sugere que a representação mental da fala está dividida em fragmentos hierarquicamente organizados (NESPOR & VOGEL, 1994, p.13). De acordo com esta teoria, a fonologia interage com outras estruturas da gramática, como a morfologia, a semântica e, principalmente, a sintaxe.

Desde a perspectiva da hierarquia prosódica, assume-se a existência de constituintes, ou seja, uma unidade linguística formada por dois ou mais membros que estabelecem entre si uma relação de dominante e dominado (BISOL, 2005). É interessante destacar que o constituinte prosódico não é, necessariamente, isomórfico dos demais constituintes gramaticais.

Nespor & Vogel (1994) propõem a existência de sete níveis estruturados hierarquicamente, a saber, em ordem crescente: sílaba (σ), pé (Σ), palavra fonológica (ω), grupo clítico (C), sintagma fonológico (Φ), sintagma entonacional (I) e enunciado (U). Muitos processos fonológicos (segmentais ou prosódicos) podem ser aplicados ou bloqueados nos limites desses domínios, o que justifica a distribuição hierárquica dos mesmos. Podemos representar a hierarquia entre os constituintes prosódicos através de um esquema arbóreo (BISOL, 2005, p. 244), como mostra a figura 3.

Constituintes Prosódicos

Para esta investigação, mais especificamente, nos centraremos na análise dos sintagmas entonacionaias, ou seja, um conjunto de sintagmas fonológicos ou apenas um sintagma fonológico que porte um contorno de entoação identificável (BISOL, 2005). O limite de um I pode ser identificado por uma pausa, um alongamento silábico pré-fronteira ou um movimento tonal.

Segundo a teoria da fonologia prosódica, a boa formação de I segue as seguintes regras:

Toda sequência não estruturalmente anexada à oração raiz ou todas as sequências de Φs em uma oração raiz são mapeadas dentro de I (Nespor & Vogel 1986, Frota 2000). A formação de I está sujeita a condições de tamanho prosódico: sintagmas longos (em número de sílabas e de palavras prosódicas) tendem a ser divididos, da mesma forma que sintagmas pequenos tendem a formar um único I com um I adjacente, o que leva à formação de sintagmas com tamanhos equilibrados.

(SERRA, 2009, p. 70)

De acordo com o algoritmo de construção de um I, citado anteriormente, o tag

question “¿no?” deve ser prosodizado separadamente, uma vez que foi gerado fora da oração

raiz. Observa-se em (1), um exemplo de prosodização prevista para um enunciado do nosso corpus.

(1) [Es lo que hacés vos]I [pero tiene un nombre formal]I [digamos]I [¿no?]I

No entanto, o sintagma entonacional pode sofrer um processo de restruturação em razão do seu tamanho, da velocidade de fala, do estilo de fala e também da proeminência contrastiva (NESPOR & VOGEL, 1994, p. 224). No que se refere ao tamanho de I, em alguns casos quando o material de I é muito longo, há reestruturação para criar constituintes menores por razões fisiológicas bem como por razões relacionadas ao processamento linguístico. Vale destacar também que há uma tendência a evitar sequências de Is muito pequenas e Is de diferentes tamanhos.

Frota (2000 apud SERRA, 2009, p.130) corrobora tal ideia ao constatar, para o Português Europeu, que um I pequeno, como é o caso do “¿no?”, tende a constituir um domínio composto com um I adjacente. Nesse sentido nos perguntamos se, de fato, os

Is+¿no? ou a variante Is+¿ah?, na variedade de Santiago do Chile, são realizados como um mesmo I ou se realizam em Is diferentes.

1.4- Estudos entonacionais de enunciados interrogativos totais: Buenos Aires e Santiago do Chile

O objeto de nossa investigação são os enunciados interrogativos totais, portanto, cabe-nos refletir sobre este tipo de enunciado. Escandell Vidal (1999) distingue entre oração interrogativa e perguntas, uma vez que estas objetivam obter uma informação do destinatário e as orações fazem referência a aspectos estritamente gramaticais, tanto sintáticos quanto semânticos. Observemos o exemplo (1).

(1) ¿Acaso no cumplimos con nuestro deber? (ESCANDELL VIDAL, 1999, p.3931)

No exemplo (1) acima, temos um exemplo de oração interrogativa, desde o ponto vista sintático. No entanto, tal oração não constitui um exemplo de pergunta, visto que não espera nenhuma resposta por parte do destinatário. Concluímos, com base em Escandell Vidal (1999), que uma pergunta é o protótipo de uma oração interrogativa.

Pensando em termos pragmáticos, todas as perguntas se apresentam como uma estrutura proposicional aberta que possui, pelo menos, uma incógnita. No caso da interrogativa parcial, a incógnita corresponde ao pronome, adjetivo ou advérbio interrogativo. A interrogativa do tipo disjuntiva se caracteriza por restringir de maneira expressa e por meios lexicais, as possíveis respostas, já que a formulação da pergunta propõe uma alternativa. Já, a interrogativa total corresponde ao caráter afirmativo ou negativo da predicação.

Ainda com base na autora, dividimos os enunciados interrogativos em duas classes: os neutros e os orientados. A primeira classe (perguntas, petições, oferecimentos) corresponde aos enunciados com ausência de marcas de orientação ao passo que a segunda

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 31-53)