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E STRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DAS DIFICULDADES ENCONTRADAS

CAPÍTULO V. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

8. E STRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DAS DIFICULDADES ENCONTRADAS

As notas recolhidas ao longo de todo o projeto de investigação e a análise à entrevista semiestruturada de grupo revelam que a animação teatral se constitui como um espaço para as pessoas idosas, por um lado, se confrontarem com as suas próprias limitações e dificuldades e, por outro, encontrarem estratégias eficazes, no seio do grupo e da família, para as ultrapassarem e/ou resolverem.

Como já demos conta, estas dificuldades emergiram principalmente na fase criativa quando os seniores se viram confrontados com a necessidade de decorarem um texto e/ou improvisarem perante a desorientação do colega/ator, com a frustração de sentirem que a memória já lhes falhava. O sentir do peso da responsabilidade da apresentação do resultado final tornou o processo cansativo, provocou alterações na própria estrutura do grupo e um certo sentimento de desânimo e impotência:

- Tornou-se cansativo (D. Celeste).

- É como num exame ou como qualquer outra coisa na vida, quando temos de prestar contas, enervamo-nos connosco e o outro sofre também (…) (D. Laura).

- (…) quando as coisas começaram a ser mais a sério, pois claro que já pesava a responsabilidade de...já

havia mais que estudar (D. Teresa).

No entanto, no grupo teatral e, em casa, com o apoio dos familiares, os seniores refletiram, debateram, propuseram, inventaram, descobriram formas de resolverem as dificuldades e problemas com que se foram defrontando.

Assim, uma das estratégias convocadas para decorar o texto foi implicar os familiares (cônjuge, neto, filha (o)) que os apoiaram a reescrever o guião e a contracenar:

- Houve uma altura o meu neto ajudou-me. Ele fazia-me perguntas e dizia: “Oh vó não sabes nada.” Eu não respondia nada certo, está visto. Ele tem 7 anos, lê muitíssimo bem e escreve muito bem. E dizia: “Não sabes nada”.(…)Eu dizia ao meu neto: "Ajuda-me aqui. E ele lia e eu lia (…) (D. Teresa).

- Agora para ler o texto do Sr. Meireles...a minha filha é que me dizia: "Oh mãe tu não podes ler isso tudo". (…) E a minha filha assim: "Tu vais escrever só aquelas partes que te toca a ti, que tu tens de falar, que é quando é a D. Manuela. Isto vais escrever num papel, para encaixares isso na cabeça. Eu digo-te e tu vais escrever. E depois ela perguntava-me qual era a minha parte que eu tinha de falarQuando era as coisas da Manuela, ela ditava-me e eu escrevia. E depois ela mandava-me eu ler. Para eu... (não se percebe) senão nunca mais eu encaixava aquilo na cabeça (D. Helena).

- Escrevi muito...ia para casa...comecei a pôr o papel à minha frente. Cartões, por exemplo, aqueles cartões que vem na “Corn Flakes”, do leite, aqueles cartões que vem nas embalagens. Comecei a pô-los todos lá na cozinha. Eu escrevi aquilo tudo. Escrevi o texto todo, mas mais aquela parte que me tocava a mim. Então aquilo era "tumba", "tumba", "tumba". Até que eu ao fim sabia tudo. E então pus o meu marido a fazer-me

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perguntas no fim de jantar. Às vezes eram 11 horas da noite e eu: "Oh Joaquim pega-me nisso e ajuda-me" "Oh, oh tu já sabes isso de cor", "Oh Joaquim faz esse favor: faz-me essa pergunta e esta" E eu até que depois eu via algumas perguntas que ainda não estava bem certinha, perguntava-as no outro dia sempre que tinha bocados e então depois pegava no texto e andava por casa a falar alto. (risos) (…) Foi um exercício...Aquilo foi portanto a forma que eu encontrei para ultrapassar essa dificuldade (D. Celeste).

Referem-se ainda estratégias convocadas durante a realização de tarefas do quotidiano, como ler e repetir várias vezes o guião e fazer gravações deste e ouvi-las repetidamente:

- Andava sempre a dizer a mesma coisa: "Eu estou farto disto, eles não fazem nada. Tenho a obra para entregar e eles não fazem nada."Portanto, essa foi uma das razões positivas (Sr. Casimiro).

- Embora arranjei estratagemas. Gravei a minha voz no mp3. Li e gravei : "rebeu beu beu, beu beu beu".

Depois quando andava não tinha que fazer à noite ou ao Sábado e ao Domingo que ia andar metia aquilo nos ouvidos e ouvia-me a mim próprio. E foi assim. Foi por isso que eu fiquei chateado de mim próprio, porque eu sabia aquilo de cor e salteado. Não de ler muito, mas de ouvir, de me ouvir a mim próprio (Sr. Roberto).

Já durante a apresentação do “Pedaços de Nós…” quando confrontados com as reações do público, com o nervosismo natural que uma apresentação em público implica, com as suas “brancas” e a dos colegas, a estratégia tantas vezes vista como impossível de pôr em prática durante as sessões do Atelier de Teatro, foi convocada, ou seja, improvisar:

- Na apresentação foi a improvisar (D. Teresa).

- Houve uma altura que eu tive de improvisar, porque fiquei ali à rasca (…) (Sr. Casimiro)

- Olha como acabei de dizer: "Oh eu já sei como é. Depois digo (D. Laura).

- Olha deixei-me ir. Não disse o que estava no texto. Deixei-me ir. Tentei rir-me e deixei-me ir. E deixei-me a disfarçar com as chaves. Foi a minha muleta, foi a chaves....e as minhas perninhas a abanar. Foi aí que eu pronto, entretive-me. Não olhava muito para as pessoas. (…) Só que eu sabia se não respondesse de uma maneira da outra dava igual pronto aí estava tranquila. E pronto desenrasquei-me bem, acho eu (D. Glória).

Consideramos, assim, que o facto dos seniores se terem visto confrontados com uma série de dificuldades, incitou cada um deles e o próprio grupo a desenvolverem formas de as ultrapassar o que, a nosso ver, contribuiu para reforçar a coesão grupal, para aumentar a autoconfiança de cada um dos participantes, reforçar a sua participação ativa, melhorar as relações familiares (ao implicar os familiares na resolução das dificuldades) e operacionalizar conhecimentos adquiridos no Atelier de Teatro (algumas estratégias para decorar o texto). Neste sentido, a participação do Atelier de Teatro

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poderá ter contribuído para que estes seniores tenham aprendido estratégias benéficas para usufruírem de um processo de envelhecimento ativo.