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B EM ESTAR FÍSICO , MENTAL E PSICOLÓGICO

CAPÍTULO V. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

3. B EM ESTAR FÍSICO , MENTAL E PSICOLÓGICO

Como já constatado, uma das razões pelas quais os seniores se inscreveram no Atelier de Teatro foi a procura por melhores condições de saúde. A análise dos dados aponta para uma melhoria das dimensões psicológica e física.

Assim, na opinião dos participantes, este projeto de animação teatral permitiu melhorias em termos psicológicos, nomeadamente, permitindo o alívio de sentimentos negativos:

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- (…) No momento em que estava no Teatro, não estava a magicar, a pensar noutras coisas negativas. (…) E depois quando saía pensava nos bons bocados que a gente se divertia, que se ria, etc., tudo o que se passou de bom cá dentro (…) (Sr. José).

- (…) Pelo menos enquanto cá estávamos era ótimo (…) Porque libertava (…) Ou pensava nisto ou nas coisas que estão ali na rua (D Teresa).

- Enquanto estava aqui não pensava em mais nada. Gostava dos exercícios que a gente fazia. (…) Porque dava para a gente se rir (D. Helena).

- (…) levantou muito o meu astral. Acho que esqueci um pouco e convivi com outras pessoas que também me ajudaram (D. Laura).

Este alívio de sentimentos negativos foi, várias vezes, associado ao caráter lúdico dos exercícios:

- Fez-me rir. Fiquei satisfeito... (Sr. José) (Nota de campo nº 5).

- Gostei de me rir (D. Glória) (Nota de campo nº 6).

- Eu gosto muito de me rir. De dar umas gargalhadas grandes (…) A gente diverte-se. Passa um bocado de tempo bom (D. Celeste) (Nota de campo nº9).

- (…) Mas deu para divertir, para passar umas boas manhãs. (…) Os aspetos mais positivos foram tudo o que foi brincadeira (ri-se). As crianças querem é brincadeira. (risos) Os primeiros ensaios, as brincadeiras foi tudo uma maravilha (D. Teresa).

- (…) E tive muitos momentos alegres. Saímos daqui muitos Sábados todos contentes. (…) (D. Glória).

Portella e Ormezzano (2010) referem que autores como Filipetto (1999) e Acosta (1999) apontam a importância de revestir de ludicidade o trabalho com idosos no sentido de melhorar o seu bem-estar físico e mental. Para estes autores (Filipetto, 1999; Acosta, 1999 in Portella & Ormezzano, 2010), este caráter lúdico pode contribuir para, entre outros aspetos, melhorar a autoestima e autoconfiança das pessoas idosas.

Neste sentido, o caráter lúdico dos exercícios parece ter contribuído para aumentar o bem- estar mental das pessoas que participaram no projeto de animação teatral que desenvolvemos.

A análise dos dados aponta também para o aumento da autoconfiança e autoestima dos participantes, visível através de dois níveis distintos: a participação no Atelier de Teatro e a apresentação do seu resultado final.

Assim, o trabalho teatral desenvolvido ao longo do processo aponta para o seu contributo para o aumento da segurança, desinibição e confiança dos seniores:

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- Senti mais confiança. Tive mais livre (Sr. David)(Nota de campo nº 6).

- E vamos adquirindo estar mais à vontade. E isto até nos ajuda no dia a dia. Não é? (D. Celeste) (Nota nº 10).

- (…) Eu senti-me mais segura, a respeito de falar. Senti-me mais segura. Cheguei a pontos que já não me importava da figura que ia fazer (D. Glória).

- Eu sou muito reservado. Falo muito pouco. É o meu feitio é este. E isto obrigava-me a comunicar mais. Tinha de falar com pessoas. (…) Obrigou-me a falar. A estar mais à vontade (Sr. Casimiro).

- Para mim também foi uma forma de me desinibir mais um bocadinho. Eu gosto muito de falar com as pessoas. Mas fiquei mais segura (…) (D. Celeste).

- Estava mais à vontade em palco (Sr. Casimiro).

A triangulação dos dados recolhidos permitiu constatar que, de uma fase inicial em que se consideram incapazes, referindo a “falta de jeito”, os seniores compreenderam a sua capacidade para agir, para fazer, mais concretamente, através da apresentação do resultado final do projeto de animação teatral: o “Pedaços de Nós…” A sensação de pisar um palco, ser “um ator”, “uma atriz” parece ter dado ao grupo uma sensação de bem-estar e satisfação pessoal:

- Eu...de mim...Eu...de mim...Entrei no palco como que nada fosse (D. Helena).

- (…) eu tinha dito que não tinha jeito para ser patrão, que antes queria ser empregado. Não foi? Trocava aqui com o Sr. José. Mas acabei por me sair bem e gostei do que fiz. (Sr. Casimiro).

- Eu senti-me uma atriz. (risos) Senti-me bem. Senti-me ótima. (…) Um pouco nervosa porque era a primeira vez. Mas senti-me bem. (…) (D. Teresa).

- Mas felizmente correu bem e pronto, estou contente por isso...E ao fim já não me sentia tanto um ator de meia tigela, mas um actorzinho já. ... amador, amador...mais. (risos) (Sr. Roberto).

- Eu senti-me um pouco nervosa, ansiosa ... por ver o meu resultado. E o que vi gostei... (D. Glória).

- Fez-me sentir bem. Entrei em palco, nem olhei para as pessoas, não vi ninguém. Tentei dar o meu melhor. Não sei se consegui ou não. Mas estou satisfeita pelo resultado. (D. Celeste).

- Bom... eu entrei um bocado nervoso...um bocadinho...com medo que as coisas não corressem bem, que a gente bloqueasse (…) Depois aquilo começou-se a desenrolar e comecei a ganhar mais confiança (Sr. Casimiro).

A reação positiva do público durante e após a apresentação do “Pedaços de Nós…” parece ter contribuído para aumentar a confiança, segurança e satisfação dos participantes. Estes associam a satisfação do público à sua prestação, às “palmas”, ao “rirem-se”, ao “prestarem atenção”:

- Em alguns momentos sim. E dá-se conta quando o público ri espontaneamente ou quando bate palmas espontaneamente. Então está a ser-se ator ou atriz (D. Laura).

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- Acho que o público esteve atento. Acho que demonstrou que gostou do que estava em palco. Estiveram atentos (D. Celeste).

- Portanto, para mim, acho que eles gostaram. Bateram palmas (…) O público esteve atento, emocionou- se... bateram palmas... Sinal que gostaram (Sr. Casimiro).

- Sobre o público, eu acho que todos eles gostaram... da nossa representação. (…) Estavam com atenção... E estavam satisfeitos porque batiam palmas (…) (Sr. José).

- Mas quando ouvi aquelas palmas todas percebi que tínhamos público e do bom... (risos) Fiquei muito feliz, muito contente. (…) Quando ouvi aquelas palmas todas achei que o público ou por simpatia ou porque de facto gostou, senti um carinho enorme... (D. Teresa).

No fim da apresentação, as pessoas da sua comunidade felicitaram-nos, agradeceram-lhes e incentivaram-os a continuar com o trabalho ao nível teatral o que, a nosso ver, contribuiu para reforçar a sua segurança e confiança:

- (…) disseram "Ai que bom, ai que lindo, representou tão bem e não sei quê. (…) Eu senti-me bem. (…) Mas senti-me contente, alegre, feliz. Quando chegamos ao fim parece que aquilo era assim tudo cor-de-rosa, tudo diferente (…) E depois também parece que não mas no fim sentimo-nos mais valorizados...Eu fui capaz, eu fiz (…) (D. Laura).

- A mim disseram-me que gostaram muito, que estivemos muito bem. Eu gostei muito por ele (meu pai) me ter vindo cumprimentar e agradecer (…) (D. Celeste).

- Eu quando acabei fui para a plateia e o primeiro foi logo o pai da Carlinha que me deu os parabéns e

disse: "Então está aqui um ator. Humm? Não sabia!" Portanto, saí-me muito bem (Sr. Casimiro).

- Felicitaram-me sim... Até vieram duas senhoras... fãs... que lhe dei 2 autógrafos (…) E claro apanharam-me logo ali. Estava a ver que me entalavam ali. Vi-me à rasca porque iam a felicitar-me (…) Beijinhos... algumas..."Quer um autógrafo?" "Quero, quero" (risos) E eu dei… (Sr. Roberto).

- Eu cheguei cá fora e diz a minha cunhada: “Ah eu gostei tanto do teu papel. Ri-me tanto contigo. Eu tive alguma graça? Tiveste sim…” (…) depois perguntei ao Nene (referindo-se ao filho): “Ai fiz lá uma figura triste. .”E diz ele: “Não fizeste não”. “Então está bem. Pronto.” Eu estava morta por sair dali e que me dissessem se eu fiz figura triste (D. Glória).

- A minha irmã e minha sobrinha vieram cá, viram. A minha sobrinha é uma pessoa com estudos. Gostou (…)Disseram-me que eu…que me portei bem (D. Helena).

- (…)que foi muito interessante como amadores que representávamos como profissionais e senti-me muito feliz..(…) senti-me feliz quando vi que o público estava feliz (…) (Sr. José).

De facto todo o trabalho desenvolvido ao nível das técnicas teatrais, como temos vindo a constatar, permitiu aos seniores uma progressiva desinibição, aumento da confiança, segurança, satisfação e bem-estar. Porém, a apresentação do seu resultado final e o consequente feedback do

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outro, do que viu, sentiu, “analisou” e “avaliou” parece ter sido a confirmação de que, na realidade, eram capazes. É neste sentido que concordamos, pois, com Muniz (2010: 4) que dá conta da “importância que, para o público de terceira idade, tem apresentar-se diante dos demais (…)” dado que não “há teatro sem público”.

A participação no Atelier de Teatro parece ter contribuído, em alguns casos, para o aumento da capacidade de resiliência, manifesta na capacidade de resistir a feedbacks menos positivos:

- Eu também cheguei a comentar com casais (…) E então diziam que eu era uma pessoa que me metia em tudo. Como é que eu conseguia. Digo assim: "tento dar o meu melhor para chegar ao fim" que era isso o meu objetivo, era dar o meu melhor (D. Celeste).

- Eu também falei a certas pessoas que andava nestas atividades. E agora por fim que também me tinha metido no teatro. "Teatro?" (…) "Oh isso não vale a pena que não vais conseguir decorar" (...) Mas não era por isso que eu não vinha. E consegui (Sr. Casimiro).

- Falei falei com muitas amigas, casais amigos. E que uns diziam: "Mas para que é que vais? Vais te levantar tão cedo? Já não tens idade para isso, deixa-te lá de histórias (…) Mas lá vim…E tentei fazer o melhor (D. Laura).

De facto, apesar de se terem visto confrontados com algumas opiniões menos positivas relativamente à frequência do Atelier de Teatro, continuaram a participar e a anunciar a sua participação perante os demais.

A frequência do Atelier de Teatro parece ter contribuído ainda para a melhoria da relação conjugal de dois participantes:

- Nós já temos brincado em casa à conta da Joaquina (…) eu nunca ouvi, tantas vezes, ele a chamar-me de querida. (gargalhada geral) (…) E brincávamos mais. Nós não brincávamos muito em casa. Só quando é preciso. (risos) Somos muito certinhos. Não brincamos muito. E nesta altura foi um pretexto para puder brincar mais (…) (D. Glória).

- A mim alterou muita coisa. Comecei a tratar a minha mulher por "amor" e "querida". Estava sempre com essa palavra na boca. E agora habituei-me e vou lhe começar a chamar sempre. (risos de todos) (…) (Sr.

Casimiro).

Temos conhecimento que, atualmente, passados 11 meses do término deste projeto, o Sr. Casimiro continua a tratar a sua esposa por “querida”.

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Segundo Najman e Levine (1981 in Ferraz & Peixoto (1997: -331) “numerosos estudos têm demonstrado que uma descrição positiva do casamento e a situação familiar são bons, senão os melhores, indicadores de felicidade e satisfação com a vida”. Estes, segundo Ferraz e Peixoto (1997), são indicadores subjetivos de qualidade de vida. Assim, a frequência do Atelier de Teatro ao levar dois dos seus participantes a descreverem uma melhoria na sua relação conjugal, poderá ter contribuído para a melhoria da qualidade de vida deste casal, bem como para o seu processo de envelhecimento ativo.

A triangulação dos dados permite também referir que a realização de determinados exercícios teatrais parece ter contribuído para o exercício da memória:

A avaliação dos participantes a este exercício foi positiva, referindo que permitiu “exercitar a memória” (Sr. David) (Nota de campo nº1).

- O objetivo aqui é a nossa cabeça trabalhar (D. Celeste)(Nota de campo nº9).

- (…) Faz bem à mente. Porque se lê, exercita a mente (D. Celeste).

- Em termos psicológicos... bom... espevitou um bocado a memória. Não haja dúvidas. Acho que fortaleceu um bocado a memória. Ficamos um bocado mais fortes. Espero... (Sr. Roberto).

- Psicológicos também porque obrigou-nos a puxar pela mente porque está muito esquecida. De vez em quando é preciso levar assim umas coisinhas... umas picadelas para ela arrebitar. Portanto, fez-me muito bem (Sr. Casimiro).

No que diz respeito aos possíveis contributos do Atelier de Teatro para a saúde física dos participantes, a análise de dados evidenciou que o trabalho teatral desenvolvido lhes permitiu a prática de algum exercício físico:

- (…) mas gostei de tudo. Da parte de ginástica. (…) "Eu na piscina já fazia exercícios. Mas agora acho que

faço mais (…) (D. Helena).

- Em termos físicos acho que era ótimo. Só que agora já estou outra vez toda enferrujada. (…) (D. Teresa). - Eu...os exercícios eu gostei imenso porque o nosso corpo é muito malandro. E nós em casa não fazíamos... não fazíamos exercício. Portanto, eu fiz coisas aqui que nem me passava pela cabeça fazê-las. E pronto, uma pessoa sente-se mais leve, sente-se melhor (Sr. Casimiro).

Em síntese, como temos vindo a constatar da análise da literatura, após a saída do mundo laboral, o idoso vê-se confrontado com o abandono de papéis sociais significativos. Muitas vezes sente- se só e excluído. A análise dos dados recolhidos parece corroborar a análise da literatura, que dá conta da importância do contributo das atividades de animação teatral para este idoso que se isola, que está

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só, proporcionando o alívio de sentimentos negativos. Revestir de ludicidade este trabalho parece contribuir para aumentar o bem-estar mental dos seniores.

A participação no Atelier de Teatro bem como a apresentação do seu resultado final parece ter contribuído para elevar a autoestima e a autoconfiança dos participantes. Após se verem confrontados com uma série de dificuldades, os seniores compreenderam que eram capazes de ainda exercerem papéis com significado. O feedback positivo da comunidade em que se inseriam foi relevante para terem esta consciência.

Por fim, como constatado, o trabalho com as técnicas e exercícios teatrais foi um contributo para aumentar a sua capacidade de resiliência, fazerem exercício físico, exercitarem a memória e, num caso muito específico mas não menos importante, melhorar a relação conjugal de dois participantes.