• Nenhum resultado encontrado

Transcrição da 1ª improvisação “Quem com ferros mata com ferros morre”

Patrão – Sr. Casimiro Funcionário – Sr. José Funcionária – D. Helena Mulher – D. Glória Amigo – Sr. David

Patrão – Mandei-o envernizar isso rápido e isso está quase na mesma (dirigindo-se ao Sr. José). Funcionário – O Sr. como é que quer que eu ande depressa e perfeito. Não pode ser.

Patrão - Porque é que não pode ser?

Funcionário – Porque não pode ser. Porque tem que se fazer isto. Lixar, envernizar. Patrão – Oh Sr. Rodrigues isto está tudo lixadinho.

Funcionário – Não está ao meu agrado. Peço desculpa…

Patrão - O Sr. aqui não tem de ter isto ao seu agrado. Faz o que eu lhe mando e acabou. Quem é que

lhe paga?

Funcionário – Está certo. Eu faço….Mas… Patrão – Quem é que lhe paga ao fim do mês?

Funcionário – É o senhor. Mas eu também tenho a responsabilidade e a consciência de…

Patrão – A responsabilidade é minha. O Sr. só tem de envernizar e mais nada. Não diga mais nada. Funcionário – O Sr. pode falar também de outra maneira

Patrão – (Pondo-lhe a mão em cima do ombro) Não é de outra maneira….

Funcionário – Desculpe. Eu sou muito bom. Mas acabou o tempo da escravidão…

Patrão – (Pondo-lhe novamente a mão em cima do ombro) Sr. Rodrigues você aqui é pago para

trabalhar não é para discutir. Faça o seu trabalho se faz favor.

Funcionário – Mas o Sr. faz favor… Eu faço o meu trabalho. Mas não me toca, por favor. Patrão – Mas faça o seu trabalho se faz favor. Se não fizer o seu trabalho vai para a rua. Funcionário – Se quiser, pode me mandar para a rua…Mas eu faço o meu trabalho… Patrão – É? É isso que você quer?

Funcionário – É. Porque eu tenho os meus direitos. Os meus deveres e os meus direitos.

Patrão – Tem os seus direitos sim senhor. Mas o senhor está aqui para trabalhar. Eu mandei fazer

177

Funcionário – Sim senhora… Patrão – Faça o trabalho e acabou.

Funcionário – Não tem autoridade para me gritar. É meu patrão mas não tem autoridade para me

gritar.

Patrão – Tenho sim senhor. O Sr. aqui é meu empregado.

Funcionário – Eu sei que sou seu empregado, mas não sou seu escravo.

(…)

Funcionário – Obrigar alguém a fazer mais do que é possível…

Patrão – Mais? Há uma hora que o Sr. está de volta disto e está tudo na mesma.

(Dou indicações para acabar com a conversa)

Patrão – O Sr. faça o seu trabalhinho e mais nada. Funcionário – Sim senhor. Eu faço o meu trabalho.

(O Patrão dirige-se à outra funcionária)

Patrão – E a Sra. Manuela, como é que é?

Funcionária – Oh meu Sr. Eu… por acaso… as gavetas vieram metade e eu…

Patrão – As gavetas não chegaram sequer minha senhora. As gavetas…tem ele ali…Mas a ferragem?

Onde está? Você ainda nem tirou a ferragem do saco. Valha-me Deus!

Funcionária – Eu peço desculpa mas eu não sabia que ferragem era.

Patrão – Então eu não lhe disse que a punha aqui (dirigem-se para o local onde estão pousados as

malas e casacos de todos).

Funcionária – Eu vi aqui tantos sacos que não sabia qual era. Patrão – Não sabia, perguntava mulher. Então ficou ali sentada foi?

Funcionária – Foi. Mas olhe doíam-me as pernas. Tive um bocado sentada… Patrão – Ai você vem para o trabalho para descansar?

Funcionária – Oh meu senhor mas o Sr. também deve falar para mim com outra maneira, com outra

educação porque não é a berrar que nós vamos resolver as coisas.

Patrão – Eu não estou a berrar à senhora. Eu dei umas ordens à senhora e a senhora não as

178

Funcionária – Eu peço desculpa mas o senhor está me a pôr a mão. O Sr. pode falar para a pessoa

sem lhe por a mão, nem berrar e com…

Patrão – Olhe eu não quero tretas. Eu quero é o trabalho feito. Está bem? Faz o seu trabalhinho e

depois conversamos. (Patrão dirige-se a casa)

Patrão – Eu “tou” farto disto. Eles não fazem nada. “Tou” farto disto. Mulher – Oh deixa lá os empregados.

Patrão – Deixa lá o quê? Mulher – Tem calma.

Patrão – Tem calma o quê? Estás agora a acudir por eles. Mulher – Tem calma, tem calma…

Patrão – És tu que lhes pagas?

Mulher – Olha não sou eu que te pago mas sou eu que te aturo. Patrão – Estou cheio disto.

Mulher – Não fales assim. Tem paciência.

(Mulher começa a chorar)

Mulher – Ele é impossível. Eu não o posso aturar.

(Patrão sai para ir ter com o amigo. Enquanto isso na fábrica, os funcionários planeiam uma greve)

Funcionário – Vamos fazer greve. Não trabalhamos. Há material que é preciso entregar aos clientes.

Nós não o vamos acabar. Nós estamos no nosso direito de fazer greve. O tempo da escravidão já acabou.

Funcionária – E hoje já é dia 8 e ele ainda não nos pagou.

Funcionário – E se ele vier dizemos: “Não saímos. Estamos presentes e não trabalhamos enquanto

não nos pagar”.

Funcionária – Não trabalhamos enquanto não nos pagar.

179

Funcionária – Como ele.

(Volta à cena entre patrão e amigo)

Amigo – A situação está a chegar a um ponto em que está muito complicada.

Patrão – Tenho a fábrica há tanto tempo. Nunca tive uma situação destas. Só querem é dinheiro. O

trabalho não conta. Isso é impossível.

Amigo – Temos de ter um espírito mais humano. Patrão – Mas não pode ser. Vou despedi-los.

(Dou indicações para que o Patrão fale com o amigo também da situação com a mulher)

Patrão - Esta situação na fábrica, estou a trazê-la para casa, para a minha mulher e para os filhos. Amigo – O nosso esforço deve ser no sentido de aproveitar os valores. Quando começamos a exigir

demasiado dos outros, a nossa …

Patrão – Eu não estou a exigir, valha-me Deus. Eu só quero é que façam o trabalho. Eu tenho os

meus encargos.

Amigo - Mas isso…

Patrão – Eu tenho de entregar a obra. Eles não fazem, não trabalham. Amigo – Não reconhece que houve qualquer injustiça perante esse pessoal? Patrão – Que eu saiba, acho que não. Tenho lhes pago sempre…

Amigo – Mas deve ter havido aí…

(…)

Patrão – Esta situação está tão complicada que um dia destes, a mulher põe-me fora de casa. (Mulher começa a chorar)

Mulher – Eu estou cheia desta vida.

(Funcionária sai do seu lugar na fábrica e vai até ao pé da Mulher)

180

Mulher – Eu não deixo nada. Eu estou farta disto. “Tou” farta de ser boazinha. Toda a gente tem pena de mim, mas eu quero dinheiro. Vocês não trabalham…

(Digo ao Sr. Casimiro que pode ir lá a casa. Nesta altura a Funcionária (D. Helena) sai)

Patrão – Estás agora a chorar? Choras por tudo e por nada. É assim que tu me ajudas. Mulher – Eu não aguento. Eu estou farta de ti. Traz dinheiro para casa.

Patrão – Eles não trabalham. Como é que eu te vou dar o dinheiro. Vou roubar. Não posso roubar. Mulher – Estou farta. Tenho nojo de ti. Vai-te embora. Rua (começa a empurrá-lo).

Patrão – Mas quem é que vai embora (empurra no sentido contrário). Mulher – Vai-te embora (continua a empurrá-lo).

Patrão – Quem manda aqui em casa sou eu. (volta a empurrá-la no sentido contrário) Mulher – Eu sou uma infeliz.

Patrão – Vai-te embora. Vai para a casa do teu pai (e empurra-o para fora de casa).

(Eu sugiro: Agora alguma coisa pode acontecer na fábrica). (Patrão dirige-se à fábrica)

Patrão - Continuam sentadinhos é?

Funcionário – Desculpe mas o Sr. patrão ainda não nos pagou. Patrão – Não paguei?

Funcionário – Hoje é dia 8.

Patrão – Por acaso, o Sr. já foi à sua conta do banco. Funcionário – Fui…

Patrão – Então, faça o favor de ir lá ver, como o dinheiro está lá. Funcionário – Então eu vou lhe mostrar o recibo…

Patrão – O dinheiro está lá a partir de hoje. Funcionário – Ainda não entrou.

Patrão – O dinheiro está lá a partir de hoje. O Sr. ainda não foi lá. Funcionário – O Sr. faz de nós escravos. Nós decidimos fazer greve.

181

Funcionário – Fazemos.

Patrão – Muito bem. Mas no fim do mês pegue nas suas coisinhas e rua. E a Sra. também. Funcionário – Manda-me uma justificação?

Patrão – Mando tudo direitinho, sim senhor.

Patrão - Não tenho dinheiro. A minha mulher já me pôs fora da porta. Já viu a minha situação. Funcionária - O Sr. tem de ser humilde para os funcionários.

Patrão – Eu sou humilde. Se sou assim a culpa é vossa.

Funcionário – Os empregados são de carne e osso como o senhor. Lá por o senhor ser o meu patrão

é de carne e osso como eu.

Patrão – Eu sei disso.

Funcionário – E pode falar com calma e com educação. Mas quando uma pessoa berra com um empregado isso não faz parte de uma boa educação.

Patrão – A senhora é que entende isso como berrar, eu não estou a berrar. Isto é a minha maneira

de falar.

(Dou 2 min para resolverem a situação)

Funcionário – O nosso salário ainda não chegou.

Funcionária – Para nos irmos embora, o Sr. tem de nos dar uma indemnização do tempo que nós

aqui trabalhamos.

Patrão – Há leis para o patrão, há leis para os empregados. A Sra. tem as suas leis. Eu ponho tudo

legal. Mas a partir do próximo mês já não trabalham mais aqui.

Funcionária – A indemnização é de mês e meio.

Patrão – Não interessa. Eu sei quais são os meus deveres.

Funcionária – Não é mês e meio que este senhor tem de nos dar? (dirigindo-se ao outro funcionário) Funcionário – Depende. Porque nós temos muitos anos de casa. Há muitos anos que trabalhamos

para o senhor, como seus escravos. E enquanto se fizermos greve, o senhor tem direito de nos mandar embora. A fábrica pertence-nos. Somos homens de lhes fechar a porta.

Patrão – A fábrica pertence-vos?

Funcionário – Sim.

Patrão – Os senhores estão em greve. Quando terminarem vão para a rua, que eu mando-vos uma

182

Funcionários – Não. Não

(Dou 1 min para terminar a situação)

Funcionário – O senhor não nos pode mandar para casa e depois mandar-nos uma carta de

despedimento.

Patrão – Quem é que lhe disse que não posso?

Funcionária – Porque nós pegamos nessa cartinha e vamos ao tribunal do trabalho saber quais são

os nossos direitos.

Patrão – E vão. Eu quero lá saber.

Funcionária – Desculpe. Mas eu estou ao corrente das leis e eu ocupo-me disso. Não é necessário. E

ele tem de perceber que, durante o tempo de greve que nós estivermos sem trabalhar, tem de nos pagar a presença. E nós começamos à nossa hora e acabamos à hora.

Funcionária – E se sairmos mais tarde que as 5H, o tempo que nós estivermos aqui a mais, o Sr.

tem de nos pagar.

Patrão – A mais a quê? Aqui sentados? Que é que vocês fizeram?

(Volto a dizer que a situação tem de ficar resolvida)

Funcionária – Olhe vai ter de vender a fábrica para nos pagar. E quando manda o pessoal embora

precisa ter motivos.

Patrão – (Ri-se ironicamente) E eu não tenho motivos?

Funcionário – Nós daqui a bocado incendiamos a fábrica. Patrão – Façam o que vocês quiserem.

Funcionário – Incendiamos a fábrica.

Patrão – E pronto. Depois logo se vê. Incendeie. Depois logo se vê.

Funcionário – Quando você não estiver presente. Logo se verá. Pronto vá à sua vida. Nós estamos

em greve, sentamo-nos e não temos mais nada a discutir.

Patrão – Eu já lhe disse que vou tratar dos papéis.

(…)

183