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O EAP como resposta da Línguística Aplicada a exigências do contexto acadêmico

2 REVISÃO DA LITERATURA

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.2.2 O EAP como resposta da Línguística Aplicada a exigências do contexto acadêmico

O EAP, tendo em vista o crescimento do uso global da língua inglesa nas últimas duas décadas, surgiu da área mais ampla do ESP, almejando pesquisar e ensinar o inglês necessário para aqueles que usam o idioma para realizar tarefas acadêmicas (CHARLES, 2013). Três focos principais de trabalho embasam o EAP: a linguística de corpus; a análise de gêneros e a

baseados em análise de gêneros e em análise do contexto social (MILLER, 1984; 2015; BAZERMAN, 1988; PENNYCOOK, 2001, p. ex.), o que nos auxilia a explicar escolhas e decisões que tomamos ao longo deste trabalho.

Antes disso, gostaríamos de ilustrar algumas das demandas do contexto acadêmico brasileiro que ratificam o empenho da área de Linguística Aplicada em encontrar meios para o ensino de inglês para fins acadêmicos. A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) é o órgão que rege a pesquisa científica brasileira atrelada a programas de pós-graduação em todo o país. Em 2017, a CAPES lançou o Programa Institucional de Internacionalização (CAPES – PrInt), que objetiva melhorar a qualidade dos cursos de pós- graduação brasileiros, conferindo maior visibilidade internacional à pesquisa científica realizada no Brasil (CAPES, 2017). Para tanto, prioriza-se a implementação e consolidação de planos estratégicos de internacionalização, estimulando a rede de pesquisas internacionais para impulsionar a qualidade da produção acadêmica brasileira de pós-graduação, promovendo a mobilidade de docentes e discentes para o exterior e do exterior para o Brasil, transformando as instituições participantes em um ambiente internacional (CAPES, 2017).

A CAPES (2017, grifos nossos) deixa bem claro que fomenta “a construção, a implementação e a consolidação de planos estratégicos de internacionalização das instituições contempladas nas áreas do conhecimento por elas priorizadas”. Fiorin (2007) indica o crescimento da produção científica brasileira internacionalmente, mas, ao se considerar o peso da economia nacional e o número de habitantes do país, verifica-se que essa produção ainda é baixa. Além disso, a distribuição das publicações brasileiras por domínios do conhecimento “se concentra nas áreas, segundo classificação adotada pela base [CAPES], de Medicina, Física, Química, Botânica e Zoologia, Biologia e Bioquímica e Engenharia” (FIORIN, 2007, p. 265). Existem explicações consistentes para a saliência dessas áreas em comparação com as Ciências Sociais: geralmente os assuntos das Ciências Sociais estão voltados a questões e realidades mais “locais”, além disso, a cultura de publicação da área prefere modos de publicação distintos, como livros, e há, ainda, questões metodológicas que impossibilitam publicações em grandes grupos de autores e, portanto, em grande escala (FIORIN, 2007).

Nesse contexto, a exigência contextual latente de internacionalização depende diretamente de meios linguísticos que permitam a comunicação globalizada da ciência, de modo especial e pelos motivos indicados há pouco, em áreas como Química e Engenharia, selecionadas para este estudo. O inglês, atualmente, é língua franca da ciência, encarado como a “língua da globalização”, que leva governos de diversos países a canalizar esforços para

aumentar o nível de conhecimento das suas populações, principalmente de participantes do contexto acadêmico de nível de gradução e de pós-gradução (ÁLVARES, 2016).

Cientistas aplicados da linguagem vem há muitos anos trabalhando para que o acesso ao inglês ocorra de maneira sólida, com base em pesquisas científicas que legitimem métodos de ensino adotados no campo. A corrente defendida é de que a pesquisa precede o ensino. Nesse sentido, estudos sobre gêneros discursivos têm se demonstrado válidos por abordaderem a natureza dinâmica dos gêneros e focarem nas particularidades contextuais de produção, lançando mão de entrelaçamentos teóricos que, inclusive e/ou principalmente, atravessam as fronteiras da Linguística Aplicada (CHARLES, 2013).

Nesse cenário, uma questão se desenha essencial, conceber que os gêneros acadêmicos no cenário do EAP não se restringem a realizações linguísticas verbais escritas em inglês, mas englobam uma série de configurações de sentidos, realizados por meio de linguagem verbal e outras modalidades concomitantes de produção de sentido (MARTIN; ROSE, 2008). É nesse sentido, por exemplo, que pesquisas como a de Liu e Dwi-Nugroho (2012) estudam a tabela periódica em Química como uma prática sociossemiótica e multimodal. Na mesma linha, O’Halloran (2005) demonstra a centralidade da linguagem e de outros modos semióticos na exposição de ideias e ordenação do pensamento humano, inclusive o matemático, foco de seu estudo.

Pesquisas em EAP também costumam trabalhar com a etnografia, pois ela permite enfocar os participantes do processo de produção, distribuição e consumo dos gêneros, buscando a observação direta e pessoal, o mais próximo possível, do modo como os membros de grupos sociais veem o universo e organizam seus comportamentos nele (GEERTZ, 1973, 1983). Assim, os pesquisadores se afastam do texto estritamente e o examinam pelas lentes da etnografia crítica, abordando-o como incorporado em um contexto sociocultural específico (CHARLES, 2013). Estudos nesse sentido problematizam como as práticas sociais afetam a produção escrita e são denominados letramentos acadêmicos: em suma, buscam transformar a abordagem de ensino para que o aluno problematize as práticas linguísticas, compreendendo o contexto que serve como pano de fundo para elas, desviando-se de tendências normativas de ensino que induzem os alunos a “modelos”, sem nenhuma problematização (CHARLES, 2013). Um exemplo interessante é a análise comparativa realizada por Koutsantoni (2006) entre artigos acadêmicos e teses de Engenharia, demonstrando que mesmo que os dois gêneros sejam escritos em estágios acadêmicos avançados, retoricamente refletem diferenças quanto ao status de seus autores nas comunidades de discurso acadêmico e as assimetrias de poder entre eles são reveladas, por exemplo, pelo fato de que os estudantes se protegem mais do que os autores

especialistas e praticamente se abstêm de assumir responsabilidade pessoal por afirmações em seus textos.

Um profissional interessado em trabalhar com o EAP frequentemente se embasa em investigações de currículos, materiais didáticos e análise de necessidades. Em certo sentido, esta tese indica a necessidade da língua inglesa no âmbito mais abrangente do processo de internacionalização requerido pelo órgão regulador dos programas de pós-graduação brasileiros e mapeia um gênero emergente em áreas em íntima relação com a internacionalização. Não nos comprometemos a propor ao final deste trabalho um curso em EAP, entretanto, acreditamos que nosso estudo poderá auxiliar profissionais nesse sentido. Mas, como dito, anteriormente, a pesquisa precede o ensino.

Para tanto, precisamos recorrer a um aparato teórico-metodológico que dê conta de forma e função, exigência e propósito, estrutura e ação, material e simbólico, produto e meio, individualidade e coletividade do RAG. Em suma, um aparato teórico-metodológico que dê conta do texto (verbal escrito e visual estático) e do contexto (acadêmico). Além disso, entendemos que um estudo dessa amplitude demanda uma averiguação crítica de tal texto e contexto. Averiguar um gênero criticamente, como indicado nos estudos sobre letramentos acadêmicos, implica adentrar o nível discursivo, investigando relações de poder e aspectos ideológico que definem o texto e o contexto. Na atualidade, dispomos de várias teorias de cunho sociossemiótico que nos possibilitam estudar esses diversos polos, e, uma em especial, que aproxima essas teorias com foco no estudo crítico de gêneros discursivos: a ACG (MEURER, 2002; BHATIA, 2004; MOTTA-ROTH, 2006a; 2008; MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2015).

Na seção que segue, apresentamos a ACG e as teorias que a fundamentam em termos conceituais e de categorias de análise.