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2 REVISÃO DA LITERATURA

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1.4 Formas de resumir o relato da pesquisa científica

O resumo (verbal escrito) do artigo acadêmico tem o propósito de “sumarizar, indicar e predizer, em um parágrafo curto, o conteúdo e a estrutura do texto integral que segue (MOTTA- ROTH; HENDGES, 2010, p. 152), projetando “a pesquisa para os olhos do público” (SANTOS, 1996, p. 482). Conforme Motta-Roth e Hendges (2010, p. 152), os resumos ajudam o pesquisador a acessar rapidamente o montante de publicações científicas e persuadem o leitor a continuar a ler o texto integral.

Assim como o artigo acadêmico, o resumo acadêmico é amplamente praticado no ecossistema retórico da ciência e tem sido estudado, notadamente, em Linguística Aplicada, com vistas ao ensino desse gênero. Em geral, os estudos sobre o resumo acadêmico têm delineado a organização retórica do gênero em termos dos movimentos e passos retóricos recorrentes que o constituem (SWALES, 1990) e descrito suas características léxico- gramaticais, considerando as especificidades de cada campo do conhecimento. Hendges (2008, p. 103) explica que a organização retórica informa sobre o padrão de organização das informações em um texto, o qual é formado por movimentos, unidades discursivas ou retóricas de caráter funcional e responsáveis pela sistematização das informações de um gênero em um todo coerente. Pelas aproximações funcionais que o resumo acadêmico apresenta com o RAG (FLOREK, 2015), observar suas mudanças e reconfigurações ao longo do tempo pode informar sobre questões importantes para este estudo.

A organização retórica prototípica do resumo acadêmico se assemelha à do artigo acadêmico11, composta por Introdução-Metodologia-Resultados-Discussão (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010). Alguns estudos (SAMRAJ, 2005; AYERS, 2008; GOLEBIOWSKY, 2009), contudo, indicam um processo de sintetização da organização retórica prototípica do resumo acadêmico com tendência à sumarização dos resultados, destacando a novidade da pesquisa, e apresentação de outros movimentos em que o autor pode se expressar mais subjetivamente (discussão/conclusão/introdução).

Samraj (2005), por exemplo, investigou resumos acadêmicos e introduções de artigos acadêmicos de duas subáreas da Biologia e encontrou que os movimentos retóricos predominantes são objetivos, resultados e conclusões do artigo acadêmico, com ênfase para os resultados. Além disso, Samraj (2005) observou que os resumos acadêmicos de Biologia apresentam propósitos comunicativos similares aos da Introdução do artigo acadêmico, abrindo mão da descrição da metodologia em prol de reivindicações de centralidade do estudo.

Ayers (2008) investigou resumos acadêmicos publicados no periódico científico Nature entre 1991 e 2005. Os resultados revelaram que, ao longo do tempo, a organização retórica dos resumos acadêmicos desse periódico científico se modificou ao ponto de apresentar somente os resultados e a conclusão da pesquisa científica (AYERS, 2008).

11 Para mais informações sobre a organização retórica prototípica do artigo acadêmico, sugerimos os estudos de

Bhatia (1993), que define o artigo como um gênero composto por Objetivo-Método-Resultados-Discussão, e Swales e Feak (2004), que definem a organização retórica do artigo acadêmico como Introdução-Objetivo- Método-Resultados-Discussão.

Golebiowski (2009) investigou resumos acadêmicos de Linguística Aplicada e de Educação, áreas consideradas de natureza filosófica e metodológica diferente das estudadas por Samraj (2005), por exemplo. No entanto, os resultados do estudo de Golebiowski (2009) mostram uma tendência geral ao processo de sintetização das informações do resumo acadêmico em prol de um maior impacto persuasivo, pois, em geral, os resumos acadêmicos de Linguística Aplicada e de Educação apresentam dois movimentos retóricos principais: salientar os pontos principais da pesquisa e promover pontos de interesse da pesquisa.

Assim, vemos que mesmo em áreas bastante diversas, passa a existir uma tendência apelativa no resumo acadêmico, que deixa de ser uma versão resumida do artigo acadêmico para tornar-se uma forma de “publicidade” do artigo e de suas inovações. Conforme Ayers (2008, p. 22), em função do volume de publicações científicas, existe uma “preocupação muito maior com a ‘explicação’, ou seja, tornar claro para o leitor a importância de um estudo particular”, lançando mão de um estilo de escrita orientado para a notícia, semelhante ao que fazem os gêneros jornalísticos. Esses resultados de Ayers (2008) reafirmam os resultados de Bhatia (1993; 1997), que observou a presença de conteúdo promocional em resumos acadêmicos e em seções introdutórias de livros, expressos por itens lexicais persuasivos, emprego predominante do tempo presente e de adjetivos descritivos que buscam promover e divulgar o gênero acadêmico em questão.

Em um ecossistema retórico, é normal que gêneros reconhecidos e com certa aceitabilidade sofram alterações ao longo do tempo, como vimos acontecer com o artigo acadêmico e com o resumo acadêmico. Mas, também é comum que, como propõe Todorov (1976, p. 161), surjam novos gêneros como “transformação de um ou mais gêneros precedentes: por inversão, por deslocamento, por combinação”.

Nesse sentido, gostaríamos de tratar de um gênero emergente no contexto acadêmico, ou part-genre como vem sendo denominado (BREEZE, 2016), e que parece ter algum grau de familiaridade com o RAG, trata-se do resumo do autor (author summary)12. O resumo do autor, conforme Breeze (2016), é um gênero recente, cuja extensão é de 150 a 200 palavras, requerido por alguns periódicos científicos, como os gerenciados pela editora PLOS (Public Library of Science). O resumo do autor, assim como o RAG, não suplanta o tradicional resumo acadêmico (verbal escrito), mas possibilita aos autores a apresentação dos principais pontos da pesquisa de

12 Breeze (2016), com base em Dudley-Evans (2000), denomina o resumo do autor de part-genre (parte de gênero)

por entender que ele integra um todo maior. Na nossa concepção, só uma análise de gênero que investigue os aspectos léxico-gramaticais, semânticos, retóricos, contextuais e discursivos poderia definir se se trata de um novo gênero ou de um part-genre.

maneira inovadora e voltada para o público não especialista (BREEZE, 2016). Conforme Breeze (2016), de modo especial na última década, tem havido um esforço muito grande para que as inovações em torno dos modos de sumarizar a pesquisa científica sejam, também, destinadas para o público não especialista, ainda que não se saiba a validade de tal esforço a longo prazo.

Breeze (2016, p. 51) cita outros exemplos que seguem mais ou menos a mesma linha do resumo do autor, como o resumo para o leigo (lay summary), proposto em 2011 pelo periódico científico Functional Ecology, a fim de ajudar os autores a contextualizar suas pesquisas para uma comunidade científica mais ampla e para não especialistas. O resumo para o leigo do periódico científico Functional Ecology conta com algo em torno de 350 palavras e frequentemente apresenta ilustrações. O periódico científico Behavioural Ecology também propôs um resumo para o leigo, o qual teria a função de oferecer para o não-especialista informações sobre o contexto e uma intepretação sobre a importância da pesquisa realizada, sem ultrapassar 75 palavras (BREEZE, 2016, p. 51). Ainda nesse sentido, o periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences lançou uma nova proposta de resumo, Declarações de importância (Significance statements), de no máximo 120 palavras, destinada a graduados de outros campos de especialidade (BREEZE, 2016, p. 51).

Essas mudanças, normalmente iniciadas em periódicos científicos de Fator de Impacto relevante (SWALES, 2004), indicam, segundo Ayers (2008), uma forma de democratização do conhecimento científico e um maior respeito pelo leitor não-especialista. Castiel e Sanz-Valero (2007) apontam outro possível motivo para essas modificações. Diante da ampliação do número de periódicos científicos e de artigos acadêmicos, “é cada vez mais laborioso ler-se o que é publicado nos correspondentes âmbitos de interesse [...], assim, existem e (existirão) muitos artigos que jamais serão lidos” (CASTIEL; SANS-VALERO, 2007, p. 3042). Andersen (2016) atribui essas modificações e inovações à tensão existente na prática científica contemporânea entre especialização e inter/multidisciplinaridade. Por um lado, o encaminhamento da ciência para a resolução de problemas cada vez mais complexos tem exigido colaborações dentro e através das disciplinas; por outro lado, a busca pela investigação detalhada da natureza exige do cientista um alto grau de especialização e o domínio de uma larga gama de literatura (ANDERSEN, 2016, p. 1). Isso requer que as publicações científicas sejam sintéticas, para aqueles que precisam se atualizar continuamente em meio a uma enxurrada diária de publicações, e claras, para aqueles que não são especialistas de uma área específica.

Outro ponto a ser considerado no complexo ecossistema retórico da ciência é a ascensão de periódicos científicos de livre acesso, pois eles representam um desafio para o modelo

econômico seguido por periódicos científicos e editoras tradicionais (BREEZE, 2016). Nesse sentido, talvez como uma provável resposta para o aumento da competição na indústria da comunicação científica, “editoras e editores estejam cada vez mais buscando maneiras de explorar o potencial criativo proporcionado pelos meios digitais para produzir periódicos científicos mais inteligentes e interativos em formatos mais flexíveis” (BREEZE, 2016, p. 50).

A seguir, damos especial atenção aos meandros do surgimento, expansão e características linguísticas conhecidas do RAG, gênero que já não é tão jovem, como vimos na Introdução, mas que recentemente tem se propagado com mais vigor no meio acadêmico (PÉREZ-LLANTADA, 2013; FLOREK, 2015).