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2.2 ARTICULAÇÕES DAS INSTÂNCIAS DA ECONOMIA MORAL

2.2.2 Economia, capitalismo e mercados



Para Aristóteles (2000), a noção de economia está diretamente relacionada com as questões éticas e humanísticas. Do ponto de vista da natureza humana, o filósofo diz que os homens devem ser dotados de sentimentos e acrescenta que "[...] um instinto social é implantado pela natureza em todos os homens [...]" (ARISTÓTELES, op cit, p. 147).

Assim, os homens com uma natureza humana essencialmente social e generosa, apesar do fato de que ter bens lhes traz tanto prazer, "[...] há um grande prazer de praticar a bondade ou fornecer ajuda a amigos, convidados ou companheiros [...]" (op cit, p. 177). Esse ponto de vista traz os valores praticados e reconhecidos pela sociedade que valoriza o bem-estar do próximo mais do que a compra de bens.

Em relação aos valores praticados e socialmente reconhecidos, podemos ver que, para o filósofo citado, "[...] as pessoas são muito mais importantes do que bens materiais e são mais consideradas do que os produtos que fazem as famílias ricas" (op cit, p. 165).

Assim, no entendimento de Aristóteles, ao passo que a economia é uma casa administrativa e fenômeno social que proporciona bem-estar familiar, cumprindo as necessidades e cuidados materiais da casa, a economia tal como a entendemos hoje em dia recebe outra nomenclatura e definição.

A última noção de economia a que Aristóteles se refere é chamada de Crematística e diz respeito à aquisição de bens ou riqueza por meio de atividades comerciais (ibidem). Aristóteles (op cit) condenou as três maneiras pelas quais a riqueza pode ser adquirida, citadas a seguir, por pertencerem à dimensão da ganância, a saber: comércio, empréstimos a juros e trabalho assalariado.

Apesar de não ter feito uma análise detalhada dos problemas econômicos, o pensamento econômico de Aristóteles contribuiu para os primeiros passos da economia em uma perspectiva ética e humanista. Entre suas contribuições para a área econômica, além das citadas acima, o pensador abordou temas como valor, dinheiro e interesse que posteriormente ainda serviriam de parâmetros para a compreensão das áreas de economia e comércio.

No século XVIII, o comércio era considerado um elemento moralizador das sociedades, o que sugere que os sentimentos morais desempenharam um papel muito importante nas relações comerciais. É nesse contexto que, seguindo uma perspectiva moralista e humanista, a teoria de Smith (1984) sustenta a necessidade de uma economia ética para desenvolver sentimentos dos seres humanos, a fim de

adquirir a virtude e a moralidade como meios para um tratamento igual e justo de todos os membros da sociedade pelo mercado.

Para Smith (op cit), o mercado é o resultado das trocas de produção dos diferentes setores da sociedade, como o comércio e as indústrias; e o livre comércio requer bases de justiça recíprocas ou comutativas, mostrando organização em suas leis e práticas.

Segundo o autor, a concepção de liberdade natural é uma aplicação da lei natural e da justiça natural ao fenômeno da troca. Aproveitamos essa noção para tentar entender as implicações do uso do termo "liberdade" em propagandas de bancos como um elemento simbólico importante em sua mensagem discursiva da publicidade, no contexto capitalista.

Sua noção moralista de economia envolve os sentimentos morais, ética e moral nos processos econômicos que envolvem o mercado. No entanto, em oposição ao ponto de vista moralista, o liberalismo acredita que o mercado deve ser livre de determinações de concepções morais de solidariedade, justiça ou costumes.

Assim, as forças de mercado impõem barreiras poderosas que deslocam as normas morais e tradicionais na estruturação da sociedade e Sayer (1995) argumenta que isso é devido à existência de mercado de troca e à concorrência capitalista.

Considerando-se que o "Capitalismo" é frequentemente identificado com uma economia de mercado de propriedade privada, por capitalismo se entende a produção organizada na base da relação empregador-empregado (ELLERMAN, 1992).

O referido autor tenta justificar a existência do capitalismo com um argumento injustificável, afirmando que, no mundo capitalista, os trabalhadores têm o direito de propriedade do que produzem, porque o capital utilizado já teve deduções (ibid.). Nesse contexto, os indivíduos são livres para aspirar ao consumo, desejar bens e encontrar o uso mais rentável do seu capital.

Levando isso em conta, Giannotti (1976) afirma que o capitalismo é fundado em uma relação social entre pessoas com diferentes posições, em relação aos

meios de produção e da capacidade de trabalho. Segundo o autor, essa relação se dá por uma "colaboração ilusória, mas não menos real" dos trabalhadores assalariados, capitalistas e proprietários de terras42(ibidem, p. 164).

Assim, sendo o capitalismo uma forma de organização econômica baseada na troca de mercadorias por dinheiro e como motivador de práticas individualistas e egoístas, por outro lado, tem algumas responsabilidades para com os indivíduos na sociedade43. Isto é, de alguma forma, de acordo com as crenças de Smith (1984) e

Thompson (1998), a economia é um processo colaborativo e de compensação de ajuda mútua.

Contudo, mesmo que as noções de economia e mercado dos quatro autores supracitados se refiram a pensá-los como base de um conjunto de aspectos de moralidade, normas e responsabilidades, elas não justificam o modelo econômico baseado em exploração e opressão. Por isso, elas não se coadunam com o pensamento de Marx (1973) sobre o modelo imposto pelo capitalismo, ao defender que essas noções não correspondem à realidade das práticas adotadas por esse sistema.

É relevante dizer que uma sociedade com altos índices de concorrência e desigualdades está mais perto de ser governado por práticas de consumo, em vez de valores morais e éticos. É nessa perspectiva que nosso trabalho se coaduna com o pensamento revolucionário de Karl Marx.

O pensamento de Marx (1973) consiste em criticar a exploração do homem pelo capitalismo. Sua crítica se baseia no materialismo histórico, fundamentado na observação da realidade a partir de fatos econômicos e técnicos, tendo como tônica as lutas de classes que se protagonizam nas sociedades, nas quais ocorrem mudanças políticas e sociais através dos modos de produção e pela evolução tecnológica. O seu foco era no modo de organização social dos homens para a produção dos seus bens na sociedade industrial moderna, onde se instauravam desigualdades sociais e lutas de classes.

 42

“colaboração ilusória, mas não menos real, das três classes básicas, os assalariados, os capitalistas e os proprietáriosfundiários.”(ibidem:164).

43

Asitwassaidbefore,intheintroductionofthethesis,Idon’tintendtomakeananalysisofthecapitalism, claimingifitisgoodorbadforsociety,butspecificallytakingitasahistoricalcontextdimension.

[...] na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (MARX, 1973, p. 28).

As lutas eram bilaterais, tendo, nas relações de produção, de um lado a burguesia, ou seja, os capitalistas que tinham os meios de produção, e do outro o proletariado, os trabalhadores e sua força de trabalho que era vendida aos capitalistas para garantir a sua sobrevivência no sistema. Esse processo constituía- se em uma constante exploração, uma vez que a força de trabalho empregada pelos trabalhadores era maior que a remuneração recebida. Assim, o sistema capitalista atingia seu objetivo que era o acúmulo constante de capital.

No pensamento de Marx, a burguesia teve papel fundamental no fim do feudalismo ao desenvolver o comércio e as atividades de manufatura, pois, à medida que o capital cresce, desenvolve-se também o proletariado, a classe operária moderna que só pode viver sob a condição de encontrar trabalho e que só o encontra quando o seu trabalho aumenta o capital.

Então, na dialética de Marx, a burguesia teria sido a antítese do feudalismo, e após a Revolução Francesa conquistou o poder político. Em sua visão, a situação social dos trabalhadores evidenciava que a ideologia das revoluções burguesas de que todos os homens teriam os mesmos direitos à justiça e à liberdade apenas mascarava uma relação de dominação do proletariado pela burguesia.

Já no século XIX, o proletariado assumiu o papel da antítese, sendo ao mesmo tempo alienado e potencialmente revolucionário. Então, a superação daquela realidade de exploração se daria através da revolução proletária, tendo como fim a implantação do comunismo que viria a ser a síntese.

Na dialética44 marxista, a matéria é a realidade45 e as ideias são o produto do processo evolutivo materialista, determinados pela superação de contradições.



44

 Platão foi o primeiro a usar a dialética, conceituandoͲlhe como diálogo no qual a verdade estaria no confrontoesuperaçãodecontradiçõesentreproposiçõesopostas.