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PRIMEIRA PARTE: Cultura e mercado nos territórios patrimonializados

1. Os reflexos da mercantilização da cultura no processo de valorização do patrimônio e dos centros urbanos antigos no mundo contemporâneo

1.1. A economia simbólica do patrimônio

O termo pós-modernidade é geralmente utilizado para evidenciar uma série de transformações ocorridas no modo capitalista de produção na segunda metade do século XX, mais especificamente entre as décadas de 1960 e 1970. Featherstone (1995, p. 20), ao analisar as diversas formas de utilização do termo por inúmeros cientistas sociais, afirma que a pós- modernidade é considerada uma “mudança de uma época para a outra ou a interrupção da modernidade, envolvendo a emergência de uma nova totalidade social, com seus princípios organizadores próprios e distintos”.

David Harvey (1992) pondera a questão ao afirmar que, apesar das inúmeras transformações ocorridas no âmbito do capitalismo após a década de 1960, estas não chegaram a promover uma ruptura com o período precedente, embora constituam em uma espécie de nova versão da modernidade dotada de determinadas especificidades que decorrem, principalmente, dos avanços tecnológicos. Tais avanços influenciam a estruturação de novas relações de produção e de consumo, as quais corroboram para eclosão de um novo regime de acumulação de capital, denominado “acumulação flexível”.

Tanto Harvey (1992) como Jameson (1985) focam suas análises nas importantes transformações na esfera das artes e da cultura vinculadas a toda uma economia simbólica que promove a expansão e a consolidação de um mercado cultural expressivo, resultando em novas formas de valorização cultural e econômica de parcelas do espaço e de fragmentos de tempo materializado em todo um sistema de objetos produzidos em períodos precedentes. Jameson (1985) especifica tal análise da esfera cultural no período denominado pelo autor de pós-modernismo, levando em consideração as especificidades das formas de produção, circulação e consumo dos bens culturais, bem como as matrizes ideológicas que viabilizam esse processo9.

9 Levando em consideração que os termos pós-modernismo e pós-modernidade são, muitas vezes, intercambiáveis em seus usos e

Para Jameson (1996, p. 16), “(...) o pós-modernismo não é a dominante cultural de uma ordem social totalmente nova (...), mas é apenas reflexo e aspecto concomitante de mais uma modificação sistêmica do próprio capitalismo”. Portanto,

Cabem aqui algumas palavras sobre o emprego apropriado deste conceito: ele não é apenas mais um termo para a descrição de determinado estilo. É também, pelo menos no emprego que faço dele, um conceito de periodização cuja principal função é correlacionar a emergência de novos traços formais na vida cultural com a emergência de um novo tipo de vida social e de uma nova ordem econômica — chamada, frequente e eufemisticamente, de modernização, sociedade pós-industrial ou sociedade de consumo, sociedade da mídia ou do espetáculo, ou capitalismo multinacional (JAMESON, 1985, p. 17).

Tais denominações advêm da exacerbação crescente do papel adquirido pela mídia e pela publicidade nos modos de produção, circulação, distribuição e consumo de mercadorias que marcam essa fase do capitalismo, caracterizada pela simbiose entre capital, tecnologia e cultura. Essa relação influencia tanto na transformação do sistema produtivo quanto a transmissão e a recepção de mensagens publicitárias canalizadas para o estímulo ao consumo. Nesse sentido, tanto Jameson (1985; 1996) quanto Featherstone (1995) enfatizam o papel da cultura como eixo estruturador da análise da pós-modernidade. O próprio título de uma das principais obras de Jameson sobre o assunto – “Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio” – evidencia a imbricada relação entre cultura e economia na sociedade contemporânea.

Ao estruturar sua explanação teórica nos dilemas relacionados à amplitude da produção cultural contemporânea, tais como a literatura, a arquitetura, o vídeo, o cinema, e a música, dentre outras manifestações, o autor busca encontrar os traços mais característicos da esfera cultural na sociedade atual, principalmente a partir de dois dos seus elementos constitutivos: a transformação da realidade em imagens e a fragmentação do tempo numa série de presentes perpétuos (JAMESON, 1996). Sobre o primeiro aspecto, o autor estabelece a relação da mídia e das novas tecnologias de comunicação com a produção de imagens associadas ao consumo de mercadorias. Nesse processo, a propaganda e a publicidade possibilitam a criação e a difusão de imagens presentes nas produções artísticas, nos anúncios publicitários, nos materiais audiovisuais, nas publicações impressas e em outros meios de comunicação, reforçando o consumo de imagens ligadas à mercadoria comercializada.

referência às características sociais, políticas, econômicas e culturais de um período distinto da história do capitalismo, mais especificamente da década de 60 aos dias atuais.

Nesse contexto, não se consome apenas a mercadoria em si, mas a imagem que se tem dela e a publicidade é um importante vetor do seu processo de produção e divulgação. Para Jameson (1996, p. 161), “a cultura da imagem do pós-moderno é pós-perceptual e gira em torno do consumo imaginário mais do que em torno do consumo material”. Portanto, as imagens divulgam um ideário a respeito da mercadoria, criam pseudoconsensos, fomentam o imaginário, estimulam o desejo e induzem ao consumo. Quanto mais positiva é a imagem divulgada a respeito de determinada mercadoria maior é o seu poder de atração e sedução. Esse tipo de estratégia se consubstancia na comercialização de uma gama variada de mercadorias, dentre as quais a própria cidade. Na gestão urbana contemporânea, a disputa pela atração de investimentos e capital acarreta a busca incessante, por parte dos gestores urbanos e dos agentes de mercado, da criação e da divulgação de imagens positivas das cidades com o intuito de torná-las mais competitivas e atrativas para investidores e potenciais consumidores.

Vainer (2009), ao discutir as estratégias de venda da cidade enquanto mercadoria, reforça a ênfase dos planejadores urbanos em selecionar e divulgar seus atributos diferenciais que atendam mais os interesses dos investidores do que de seus próprios habitantes. Dentre os atributos existentes em uma cidade que reforçam o teor de atração de pessoas e do capital, destacam-se a oferta de infraestrutura de transporte e comunicação, de equipamentos comerciais e de serviços diversificados e especializados (como restauração e hotelaria) e de equipamentos culturais e de lazer, além de amenidades que evidenciam as qualidades do lugar, como segurança, fluidez, ar puro entre outros.

A divulgação de tais elementos reforça a positividade de sua imagem e aumenta o teor de convencimento da população quanto à importância da captação de investimentos destinados ao fomento de setores estratégicos da economia urbana, como o turismo. Nesse sentido, são canalizados investimentos públicos e privados para parcelas do território urbano em que essa atividade tenha melhores condições de se realizar.

A valorização dos atributos estéticos do espaço urbano também é uma forma de elevar a captação de investimentos e de atração de turistas. Esse processo se dá a partir da realização de projetos paisagísticos e da criação, exibição e exaltação de marcos significativos na paisagem, como obras de arte, edificações esteticamente arrojadas, monumentos, parques públicos e equipamentos culturais, tais como museus, teatros, galerias de arte entre outros.

A patrimonialização dos bens materiais de relevância histórica e cultural, a restauração daqueles mais expressivos e o incentivo à produção e à promoção de eventos e

espetáculos culturais fortalece a relação entre cidade e cultura. Essa correlação é comumente utilizada para a criação de imagens sobre tais cidades colocando em evidência aspectos relativos aos domínios da arte, da história, da cultura e do lazer, elementos que propiciam melhores condições concorrenciais para a atração de investimentos e pessoas.

Isabela Casales10, chefe do Departamento de marketing da Bahiatursa11, ressalta a importância da cultura para reforçar a imagem positiva da Bahia e, por conseguinte, de Salvador, para promover o Estado e a cidade como alguns dos principais destinos do turismo nacional e internacional do Brasil.

Você não tem turismo se não tem cultura. As pessoas não se interessam simplesmente pelo espaço geográfico, elas querem vir aqui vivenciar a cultura baiana. (...) A gente não quer vender sol e praia apenas, mas também o patrimônio arquitetônico do pelourinho, a gastronomia, a cultura afro e as festas, principalmente, o carnaval. A manipulação simbólica de elementos da cultura material e imaterial viabiliza a divulgação de seus atributos singulares, constituindo-se em uma fórmula de sucesso do planejamento urbano no período contemporâneo. Segundo Arantes (2000, p. 33),

o “ visual” de uma cidade bem como a maneira pela qual ela se deixa, por assim dizer, manusear, seu aspecto “ tátil”, podemos acrescentar, refletem decisões sobre o que, e quem pode estar visível ou não, decisões em suma sobre ordem e desordem, o que acarreta algo como uma estetização do poder, da qual o desenho arquitetônico é um dos instrumentos mais aparatosos.

Enquanto obras de arte e referência cultural, os edifícios arquitetônicos são os que mais se sobressaem na paisagem em termos de visibilidade. Portanto, são importantes meios de expressão e representação do poder, da riqueza e da pujança do período em que foram produzidos. Como exemplo pode-se destacar o conjunto arquitetônico do Convento de São Francisco, em Olinda (figura 1), que representa, em meio à paisagem natural, a expressão do poder da Igreja Católica; e a Casa de Câmara e Cadeia, de Mariana (figura 2), representativa do poder político da coroa portuguesa no período colonial. Por isso, servem de referenciais materiais e simbólicos no processo de produção e promoção das campanhas de desenvolvimento turístico das cidades onde se localizam.

10 Entrevista concedida em 19 de dezembro de 2013.

Figura 1: Conjunto do Convento de São Francisco - Olinda (PE). Este compreende ainda a igreja de Nossa Senhora das Neves e as capelas de Sant´Ana e de São Roque.

Fonte: Christian Knepper (Embratur), disponível em:http://jzbrasil.com/wp- content/uploads/2012/12/pe3.jpg

Figura 2: Casa de Câmara e Cadeia de Mariana (MG)

Em Ouro Preto, o patrimônio arquitetônico composto pelo casario do século XVIII e pelas igrejas consiste na principal referência visual da paisagem da cidade, caracterizada por uma disposição harmoniosa do conjunto arquitetônico em meio ao relevo montanhoso. Segundo Jarbas Avelar12, Secretário do Turismo, Indústria e Comércio, no ano de 2013, o patrimônio cultural é o principal destaque nas campanhas de promoção turística de Ouro Preto.

O carro chefe é o conjunto arquitetônico barroco e neste estão incluídos diversos detalhes. E temos as igrejas e capelas que compõe este cenário único que constitui o maior conjunto barroco do mundo do século XVIII. E fora isso nós temos até mesmo o próprio desenho das ruas de Ouro Preto associadas ao casario que constitui uma beleza ímpar.

Nas análises sobre a indústria cultural na pós-modernidade, Jameson (1996) discorre sobre a ênfase na produção de mercadorias que incorporem traços de um passado recontextualizado e, muitas vezes, reinventado, em um sentido alegórico. Nesse aspecto, a produção cinematográfica, literária, teatral, musical e arquitetônica e a própria indústria do vestuário incorporam elementos figurativos, reais ou fictícios, que pretendem ser representativos de outros tempos, mas que, na verdade, oferecem uma imagem estereotipada de épocas anteriores, não apenas em termos materiais, mas também no nível das mentalidades.

Segundo Jameson (1985, p. 21), nos vemos condenados a buscar o passado histórico através de nossas imagens pop e de nossos estereótipos a seu respeito, sendo que o próprio passado permanece, para sempre, fora de alcance. A própria sensação de perda dos vínculos com o passado e com a tradição diante da intensidade e a rapidez das transformações ocorridas no espaço e na própria vida social aguçam o sentimento de apego aos fragmentos materiais representativos de um passado imaginário que se faz presente por meio da mercadoria. “Precisamos de um passado visível, um continuum visível, um mito visível da origem, que nos tranquilize sobre os nossos fins. É que no fundo nunca acreditamos nisso” (BAUDRILLARD, 1991, p. 18). É nesse aspecto que a manipulação simbólica dos valores e significados atribuídos aos objetos pelo poder público, muitas vezes em consonância com os agentes de mercado, influencia a seleção de períodos, formas e estilos que ressurgem já transcodificados para conferir um teor de novidade e inovação às mercadorias.

O passado, enquanto representação, é presentificado por meio dos seus fragmentos e incorporado, como aspecto distintivo, à produção artística e cultural

contemporânea e aos objetos criados pela indústria cultural. As narrativas históricas se apresentam, em geral, de forma banal ao público, por meio dos filmes de nostalgia, da moda retrô, da representação de fatos históricos por meio de estratégias de animação cultural e da própria arquitetura, que adota, com certa frequência, a imitação de formas e estilos pretéritos em edificações erguidas ou reformadas em épocas recentes.

A perda do sentido de historicidade que resulta na criação de estereótipos e idealizações imaginárias sobre o passado desprovidas de uma conexão temporal caracteriza o pós-modernismo, sendo considerada uma importante ferramenta de análise da questão patrimonial no que se refere, principalmente, aos centros antigos patrimonializados e dotados de significativo fluxo turístico. Em tais lugares é comum identificar traços relevantes da experiência do espaço e do tempo na pós-modernidade que Jameson (1985) denomina de pastiche. Para o autor (1985, p. 18), o pastiche envolve a “imitação ou, melhor ainda, o mimetismo de outros estilos, particularmente dos maneirismos e tiques estilísticos de outros estilos”. Muito utilizado em vários ramos da produção artística, este tipo de prática se evidencia de forma mais contundente no século XX, com a melhoria das técnicas de reprodução. Porém, é principalmente nas décadas de 1980 e 1990 que o pastiche se torna um dos traços mais característicos da pós-modernidade. Vaskes (2011), ao analisar as especificidades que envolvem a utilização do termo na obra de Jameson, discute que o pastiche pode elencar a mescla de estilos presentes em uma obra e até mesmo a cópia e a imitação de estilos.

No âmbito da arquitetura, a dificuldade em manter uma pureza formal e estilística das edificações e conjuntos arquitetônicos faz com que o pastiche seja comumente utilizado. A sobreposição de temporalidades diversas representadas em edificações construídas recentemente a partir da mescla de estilos passados e as réplicas de edifícios icônicos mundialmente conhecidos que se reproduzem em todo o mundo em parques temáticos, centros comerciais, hotéis e nos lugares turísticos, tendem a reforçar a dimensão imagética dos lugares, a partir da utilização de algum elemento visual que remeta, de alguma forma, o espectador às lembranças de outras épocas e lugares.

Sobre o patrimônio arquitetônico, cabe ressaltar que, apesar de ser ostentado como representativo de determinado período histórico, em muitos casos, pouco resta de suas características originais. Com as sucessivas transformações na sua dimensão estrutural e nas suas formas de uso, torna-se cada vez mais difícil manter os padrões construtivos, as técnicas e a utilização de materiais originais das edificações, restando, muitas vezes, apenas traços de

sua dimensão formal que se remete ao período histórico em que foram edificadas. Neste caso, procura-se preservar as características próximas das originais em sua dimensão estética e fachadista. Contudo, a manutenção da pureza estilística torna-se mais complicada, principalmente, quando se trata de cidades e centros antigos patrimonializados, diante das transformações ocorridas em seu tecido urbano.

Ao analisar as intervenções urbanas relacionadas à preservação patrimonial, constata-se que o pastiche vem sendo utilizado com certa frequência nos processos de construção de novas edificações em áreas patrimonializadas, reconstruções e nas obras de restauro, como se observa nas diversas intervenções ocorridas em Ouro Preto ao longo do século XX. Apesar da pureza estilística ser evidenciada como um dos elementos singulares de cidades como Ouro Preto, representada pelo conjunto arquitetônico barroco setecentista, Salgueiro (1996), atesta que parte considerável da arquitetura doméstica do núcleo tombado sofreu acréscimos ao longo do século XIX e até no século XX, com traços estilísticos diversos em suas fachadas. “A cidade hoje mostra poucos traços da arquitetura doméstica extremamente simples, da época da corrida do ouro. São os períodos posteriores que permitiram o ‘acabamento’ ou o ‘refinamento rústico’ da sua arquitetura ‘barroca colonial’” (SALGUEIRO, 1996, p. 127).

As ações preservacionistas realizadas na cidade ao longo do século XX demonstram que o pastiche foi utilizado em muitas edificações para manter uma certa harmonia do conjunto arquitetônico. Motta (1987), retrata o dilema dos arquitetos em permitirem ou não intervenções nas edificações pré-existentes que levassem à imitação do estilo colonial. Entre as décadas de 1940 e 1950, como eram poucos os projetos de intervenção, “muitas vezes, o respeito à vizinhança levava à imitação da arquitetura tradicional” (MOTTA, 1987, p. 112). Outro debate travado na época entre os arquitetos referia-se ao estilo das novas construções edificadas no perímetro de tombamento a partir dos anos 1950, com o crescimento populacional.

De acordo com a autora, visando evitar a descaracterização do conjunto arquitetônico colonial, as novas construções deveriam seguir um certo padrão estético nas fachadas que os moradores da cidade convencionaram denominar de “estilo patrimônio”, padrão este que compreende a inserção de detalhes coloniais nas fachadas em prol da manutenção das características estéticas e estilísticas do período colonial.

O “estilo-patrimônio” é uma forma de pastiche que foi recentemente adotado na reconstrução de uma edificação incendiada, localizada na Praça Tiradentes, considerada o

“coração” da cidade. A sua aprovação se deu a partiu dos pressupostos da Carta de Burra, de 1980, a qual afirma que “a reconstrução deve ser efetivada quando possibilite restabelecer ao conjunto de um bem uma significância cultural perdida”. A recomposição do edifício (figura 3), com materiais e técnicas recentes, mas com características de estilo semelhantes à arquitetura colonial, teve como objetivo evitar a descaracterização estética e a unidade estilística do conjunto e manter a relevância simbólica deste bem para a população. A obra deixa visível o que restou do edifício original e o que foi recentemente edificado, conforme recomendado pelas normas recentes de restauro, evitando, dessa forma, que seus observadores sejam enganados.

Figura 3: Edifício do antigo Hotel Pilão reconstruído – Ouro Preto (2013)

Fonte: portal do Turismo de Ouro Preto.

http://www.ouropreto.mg.gov.br/uploads/portal_turismo_op_2014/prefeitura/distritos/atrativo s/tn/375_375_proporcional_df56dc554545902f20ab369b15c0e32e0f931b37.jpg

A encenação do passado, por meio das intervenções urbanas de caráter fachadista que procuram resgatar e evidenciar nas edificações os traços de outros tempos, busca enfatizar suas singularidades exploradas nas estratégias de marketing urbano sem se ater à complexidade de relações sociais e culturais que contribuíram para a própria produção e organização do território citadino. Para Castriota (2010, s/n), o caráter estetizante de tais intervenções, que abrangem desde a fachada das edificações até réplicas do mobiliário urbano e do calçamento antigo, realça a dimensão aparente de tais localidades e omitem sua essência,

levando a “(...) uma redução de sua diversidade, a uma ‘domesticação’ da complexidade e ao afastamento de qualquer ‘negatividade’, com a finalidade de moldar melhor os cenários a um consumo global por parte dos cidadãos-turistas”.

Harvey (1992, p. 64) atesta que este processo de comercialização da história por meio de seus objetos e paisagens teve início no começo dos anos setenta com a profusão de uma verdadeira “indústria da herança”, destinada a uma suposta afirmação das diferenças monetariamente captalizadas em contraposição à suposta homogeneização de mercadorias e dos lugares em sua conexão com o mundo. A proliferação de museus e paisagens urbanas reabilitadas que assegurem uma identidade distintiva para as cidades são consideradas por Harvey (1992) e por Jeudy (2005) como marcas desse processo.

Para Jeudy (2005, p. 71), “a fascinação pelo que ‘serve de signo’ dispensa-se de agora em diante de qualquer reverência obsequiosa em relação à autenticidade original do objeto”. Muitas vezes, o primor da reprodução, devido aos avanços no ramo das técnicas de restauro e dos materiais construtivos, dificulta a própria identificação entre o objeto autêntico e sua cópia, facilitando a produção de réplicas de castelos, palácios, cidades medievais, centros antigos e outras edificações construídas recentemente com a função de signos representativos do passado, porém, com escassa conexão a este mesmo passado que se pretende simular por meio dessas referências materiais.

A China está investindo, atualmente, na criação de réplicas de cidades europeias de valor histórico e cultural como lócus de moradia, lazer, turismo e consumo. Um dos principais exemplos deste processo ocorre na cidade de Boluo, que desde 2012 possui uma réplica da cidade austríaca de Hallstatt, considerada pela UNESCO como Patrimônio da