O editor de arte é o profissional responsável pela avaliação, organização e gerenciamento dos elementos visuais de uma página. Como explicado por Araújo (2008),
[...] No Brasil já se tornou corrente, por exemplo, designar profissionais de certos setores da editoração como “editor de arte” (responsável pela programação visual de uma publicação), “editor de texto” (encarregado do preparo e revisão literária dos originais) e assim por diante. (ARAÚJO, 2008, p. 50)
E é esse profissional, o editor de arte, muitas vezes um designer, produtor editorial ou comunicador, que fará a verificação da adequação do conteúdo diagramado e das imagens, considerando o projeto gráfico, o conteúdo textual e a adequação didática desses elementos no caso dos livros didáticos. Logicamente, há casos em que o editor de arte será auxiliado pelo revisor técnico (ou o editor da área de conhecimento) para que a adequação do conteúdo à didática se efetive. Além disso, ele também deverá fazer a verificação técnica do arquivo, quanto à qualidade e definição de imagem, para se certificar da legibilidade da imagem no produto final.
Quando está fazendo a verificação da adequação dos elementos (textos, imagens e até os “vazios”) na página em relação ao projeto gráfico, o editor de arte deve verificar as relações que cada um desses elementos, desde uma letra isolada até o caderno completo com todas as páginas, mantém as suas relações de modo coerente e de acordo com o projeto editorial e gráfico definido anteriormente. Samara (2007) descreve que
O espaço tipográfico é governado por uma série de relações das partes com o todo. A letra isolada é um grão, e faz parte de uma palavra. As palavras juntas formam uma linha [...]. Ao se colocar uma linha de tipos na paisagem nua da página, cria‐se instantaneamente uma estrutura. [...] Uma linha após a outra cria um parágrafo. [...] O limite sólido cria uma referência à página, e o parágrafo, conforme se alonga no comprimento, se converte numa coluna [...]. Os vazios entre os parágrafos, as colunas e as imagens ajudam a orientar o movimento dos olhos pelo conteúdo, tanto quanto a massa densa das palavras cercadas por esses vazios. (SAMARA, 2007, p. 23)
Assim como no pensamento complexo de Morin, a página de um livro também mostra certa complexidade na sua forma, onde as relações entre os elementos determinam também na sua significação, variando conforme a alteração de cada elemento em seu conteúdo e forma. É a multidimensionalidade de uma página, onde cada elemento tem a sua importância e seu significado.
Dentro dessa multidimensionalidade, há um conceito importante chamado de hierarquia dos elementos. Esta forma de organização visual é fundamental na significação da página e ela pode, se realizada de forma adequada, ajudar ao leitor a captar de forma mais eficaz o conteúdo da página. Na figura 4 podemos ver um bom exemplo de como a hierarquia dos elementos pode ajudar na compreensão de um conteúdo e na melhor organização das ideias para o leitor da página. Figura 4 – Comparação de duas páginas em relação à hierarquia visual. Na página da direita vemos uma organização hierárquica mais clara, utilizando cores, pesos e espaçamentos de linha de forma planejada, facilitando a leitura do conteúdo. Lupton (2008), explica que
A hierarquia se expressa por um sistema nominal: general, coronel, cabo e assim por diante. Mas ela também se exprime visualmente, através das variações em escala, tonalidade, cor, espacejamento ou posicionamento, além de outros sinais. Expressar uma ordem é tarefa primordial do designer. A hierarquia visual controla a transmissão e o impacto da mensagem. Sem hierarquia, a comunicação gráfica fica confusa e dificulta a navegação. (LUPTON, 2008, p. 115)
É importante dizer que não há o “certo” e o “errado” neste caso. A hierarquia deve ser realizada de forma que seja a mais adequada ao seu leitor, adaptando‐se o projeto conforme as suas necessidades. Conversando com as ideias de Morin, a página e a publicação editorial são objetos que têm relações complexas entre seus elementos e o leitor e, como afirma o autor, neste caso, “é necessário aceitar uma certa imprecisão e uma imprecisão certa”.
Também é importante ressaltar que a hierarquia não é neutra, pois a sua importância estética e ética revela que ela é uma condutora da leitura, direcionando a observação dos destaques na página. Seria o metadado do texto, uma “etiquetagem”, ordenando e hierarquizando realmente a importância e relevância de cada uma das informações apresentadas, mudando as suas conexões e influenciando diretamente na sua compreensão final.
Uma das teorias utilizadas para análise, distribuição e inter‐relação entre os elementos é a Gestalt. Gomes Filho (2003), apresenta os sete fundamentos básicos dessa teoria: a segregação, a semelhança, a unidade (ou unificação), a proximidade, a continuidade, o fechamento e a pregnância.
Para entender um pouco sobre o funcionamento dessa teoria, podemos buscar alguns exemplos de como essas forças podem influenciar na informação e interpretação em um material gráfico. Não é raro encontrarmos materiais disponíveis na internet ou em qualquer meio impresso que mostram como a inobservância em relação a esses conceitos básicos do Design podem aumentar a dissonância na comunicação e, por isso, baixar a sua pregnância, definido por Gomes Filho (2003) como um princípio em que
[...] as forças de organização da forma tendem a se dirigir tanto quanto o permitem as condições dadas no sentido de clareza, da unidade, do equilíbrio, da Boa Gestalt, enfim. (GOMES FILHO, p. 24, 2003)
Como exemplo, vemos na figura 5, duas páginas de uma publicação (a chamada “dupla”), onde podemos ver que há duas colunas de texto em cada uma das páginas. Veja que na primeira página há apenas texto e na segunda, texto e imagem. Porém, veja que a imagem separa as duas colunas de texto da segunda página ao meio, criando quatro módulos de texto. Este tipo de diagramação, geralmente não recomendada, pode gerar grande confusão para o leitor, pois ele ficaria em dúvida sobre qual a direção de leitura
seguir. Isso, para um livro didático, quando, em geral, estamos lidando com um leitor aprendiz e com pouca experiência, as consequências podem ser ainda mais desastrosas. Figura 5 – Imagem de um exemplo de página dupla de revista. O elemento no meio do texto da segunda página dificulta a leitura pois o leitor fica em dúvida em relação a ordem de leitura.
Há casos em que o leitor, mesmo lendo o texto pelas duas opções de ordem de leitura, não saberá ao certo qual foi a opção do designer, podendo causar erros de interpretação do texto. Essa confusão se explica, pois em cada uma das ordens de leitura há, pelo menos, um fundamento da Gestalt influenciando o olhar e a interpretação desse leitor. Um deles, a proximidade, que direciona o nosso olhar para a coluna da direita, por ser a mais próxima visualmente do primeiro trecho. O outro, a continuidade, nos direciona para o módulo inferior primeiro seguindo a lógica de leitura da página anterior. Com isso, a página diminuiu a sua pregnância seguindo a sua organização visual e facilidade de leitura.
Além de se ater a essas ligações entre os elemento, sua hierarquização e pregnância, o editor de arte é responsável por analisar as linguagens não‐verbais que estarão contidas no livro didático e sua coerência com as linguagens verbais presentes.
[...] estamos diante de duas linguagens. Uma é objetiva, definidora, cerebral, lógica e analítica, voltada para a razão, a ciência, a interpretação e a explicação. A outra é muito mais difícil de definir, porque é a linguagens das imagens, das metáforas, dos símbolos, expressa sempre em totalidades que não se decompõe analiticamente. No primeiro caso, estão as palavras escritas e faladas; no segundo, os gestos, a música, as cores, as formas, que se dão de modo global. (AGUIAR, 2004, p. 28)
Utilizando de forma consciente ou inconsciente, quando nos referimos às linguagens não‐verbais, fazemos escolhas que comunicam além do texto. A simples escolha de fontes (tipos gráficos), cores, posicionamento do texto dentro de um slide, pode comunicar desde a importância daquela informação, até, por exemplo, questões culturais que não estão presentes no texto.
O problema é que, muitas vezes, ignorando‐se essa importância da comunicação não‐verbal na produção de um material, pode‐se criar dissonâncias indesejadas no processo, como afirma Bringhurst (2005), em sua obra Elementos do Estilo Tipográfico, uma das obras fundamentais sobre os estudos sobre a tipografia:
A tipografia é a arte e o ofício de lidar com essas unidades de informação de duplo significado. O bom tipógrafo trabalha com elas de modo inteligente, coerente, sensível. Quando o tipo é mal escolhido, aquilo que as palavras dizem linguisticamente e aquilo que as letras inferem visualmente ficam dissonantes, desonestos, desafinados. (BRINGHURST, 2005)
Imagine, por exemplo, se este texto fosse inteiramente formatado com o tipo “Comic Sans”, fonte muito popular e inspirada nas letras de revistas em quadrinhos, criada por Vincent Connare em 1994. Ou com um tipo de formas góticas ou manuscritas. Além de influenciar diretamente na legibilidade do trabalho, a própria forma e história desses tipos seria, mesmo que não intencionalmente, somado ao significado final da pesquisa. Esta interferência pode ser controlada e proposital (se fosse uma pesquisa sobre o uso de fontes em histórias em quadrinhos ou sobre a linguagem do cartoon no cinema) ou descontrolada e, possivelmente, dissonante ao conteúdo, atrapalhando ou, até, invertendo o seu entendimento. Na figura 6 podemos verificar um exemplo de como o título de um texto poderia ficar extremamente dissonante em relação ao desenho da tipografia.