O processo de seleção de imagens no livro didático, além de tudo, deve considerar a função de cada imagem no processo pedagógico do conteúdo didático. Sem essa função, a imagem pode virar uma dissonância, um “ruído” na informação. Não que a imagem não possa ter outras funções mais ilustrativas ou decorativas, porém, é necessário sempre avaliar se esse “ruído” não interferirá de algum modo indesejado na informação, atrapalhando o leitor desnecessariamente ou possibilitando o cruzamento de informações textuais e imagéticas de forma equivocada. Na figura 9, por exemplo, temos a reprodução de uma página de um portal de notícias sobre a regulamentação da Agência Metropolitana de Sorocaba. Podemos verificar que há uma imagem ilustrativa na matéria, uma reprodução de um quadro do material audiovisual veiculado na televisão, com a seguinte legenda: “Região Metropolitana de Sorocaba e composta por 26 cidades”. Porém, mesmo considerando que a imagem seja apenas ilustrativa (pois não é totalmente legível), ela mostra a Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
Norte, o que causa um “ruído” indesejado na informação veiculada, podendo até, em casos mais extremos, comprometer a informação textual que o acompannha. Figura 9 – Reprodução de notícia veiculada no portal G1. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao‐paulo/sorocaba‐jundiai/noticia/2015/10/geraldo‐alckmin‐ regulamenta‐agencia‐metropolitana‐de‐sorocaba.html>. Acesso em: 06 de junho de 2016. Dessa maneira, MAUAD (2015), pondera que As ilustrações podem ser imagens de tipos variados ‐ mapas, pinturas de época e fotografias. Cada qual deve ter seu uso associado a uma função no processo de aprendizagem, isso garante que não se perca no sentido habitual atribuído à ilustração, ou seja, uma imagem sem sentido, um tapa buraco no projeto gráfico do livro. (MAUAD, 2015, p. 84)
Outro ponto importante elencado pela mesma autora é a necessidade de se contextualizar as imagens com as informações básicas para o seu entendimento histórico e social, principalmente quando se trata de imagens de fotojornalismo e outros tipos de imagens históricas. Além disso, o conhecimento das técnicas e meios de criação
das imagens é ponto importante para que o leitor saiba ler criticamente a imagem e não fique apenas na superficialidade da informação imagética.
[...] Identificar os procedimentos técnicos, estéticos e ideológicos que fundamentam a produção histórica das imagens, reconhecer os circuitos e sujeitos que operam dispositivos de produção visual, relacionar as diferentes formas visuais com as demais modalidades de representação cultural são procedimentos que indicam um caminho para se ultrapassar a superfície visível da imagem e ir além do alcance do simples olhar. (MAUAD, 2015, p. 86)
Neste caso, além do conhecimento dos processos fundamentais de criação de imagens, informações contidas em legendas e os créditos podem também fornecer dados fundamentais para o leitor/aluno para ele conseguir “ultrapassar a superfície visível da imagem”.
As imagens são fontes ricas em conteúdos que são utilizadas com função educativa há muito tempo. Porém, a sua utilização no livro didático deve buscar a exploração das informações que estão dentro de sua própria caixa‐preta, nos detalhes e nos dados que muitas vezes não ficam evidentes e são de fundamental importância para sua compreensão contextualizada.
Em relação à capacidade da imagem visual instruir é importante enfatizar o seu aspecto indiciário. As imagens são pistas para se chegar a outro tempo, revelam aspectos da cultura material e imaterial das sociedades, compondo a relação entre o real e o imaginário social. Dessa forma, nos ensinam conteúdos sobre esse passado que só pode ser apreendido visualmente, numa nova forma de aprender, que implica num novo tipo de didática a qual valoriza a imagem visual como forma de conhecimento. Sem jamais esquecermos que o conhecimento não é neutro, sua produção implica na adoção de uma visão de mundo e de um sistema de valores. (MAUAD, 2015, p. 85‐86) Compreender o poder da imagem como informação é entender que, mais do que ilustrar e entreter, a imagem pode influenciar diretamente na compreensão de mundo do leitor/aluno. Grupioni (1995), destaca em seu texto que entende que, assim como a historiadora Norma Telles, que é na infância e na adolescência, que se recebe uma série de informações sobre diferentes culturas e povos e que, após este período, poucos terão a oportunidade de aprofundar no conhecimento dos “outros”, sendo por viagens, filmes, vídeos, documentários ou dando prosseguimento aos estudos. Dessa maneira, Groupioni, enfatiza a importância do livro didático, como autoridade em sala de aula, na formação da imagem do “outro”.
Essa cultura imagética que temos é resultado, dentre muitas outras coisas, também do contato que temos com as imagens que nos são apresentadas pelos livros
didáticos em nossa formação. Essa não seria a única referência, principalmente quando adicionamos as referências de imagens que o temos contato em nossa vida cotidiana por outras mídias, como pela televisão e pela internet. Veja o caso da imagem caricata e incoerente que vemos (mesmo na escola) sobre os índios e sua cultura. Nas figuras 10 e 11 vemos algumas imagens que apresentam parte da nossa cultura imagética sobre o índio e que, pelo “bombardeio” cultural, podemos constatar ainda referências claras ao índio americano. Figura 10 – Imagens com mensagem em comemoração ao dia do índio. Disponível em: <http://www.recadosonline.com/dia‐do‐indio.html>. Acesso em: 2 de maio de 2016. Figura 11 – Fotografia de crianças caracterizadas em comemoração ao dia do índio. Disponível em: <http://www.capeladoalto.sp.gov.br/noticias/dia‐do‐indio‐foi‐comemorado‐em‐grande‐estilo‐na‐ escola‐tereza‐quevedo/20120419192108_I_657>. Acesso em 2 de maio de 2016.
Note que isso está tão internalizado por nossa cultura que é pouco provável que alguma criança não reconheça todos esses “índios” da maneira que estão caracterizados, mesmo que a referência é de uma cultura estrangeira. O iconógrafo ou o profissional responsável pelas imagens do livro deve, com isso, perceber a sua responsabilidade quanto ao conteúdo que está veiculando. As imagens, mesmo as chamadas “ilustrativas”, devem ser bem escolhidas e, na medida do possível, além de buscar as referências mais adequadas ao conteúdo a ser trabalhado, também deve se responsabilizar pelo “letramento” visual do seu leitor. Apesar da necessidade de trabalharmos mais com a linguagem não‐verbal, temos que, ao mesmo tempo lembrar que
[...] Imagens têm o propósito de lhe representar o mundo. Mas, ao fazê‐lo, entrepõem‐se entre o mundo e o homem. Seu propósito é serem mapas do mundo, mas passam a ser biombos. O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função das imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas. Tal inversão da função das imagens é idolatria. (FLUSSER, 2011, p.23)
A ilusão da imagem como retrato da verdade ainda é muito forte em nossa cultura. Fotografias e vídeos são utilizados como provas irrefutáveis de atos das pessoas, mesmo ignorando‐se o contexto e a fonte dos conteúdos.
Por exemplo, em 2009, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama apareceu nos noticiários pela sua participação no encontro dos países do “Grupo dos 8” (G8) na Itália, mas não por questões políticas. Ele foi manchete dos principais meios de comunicação por “um olhar pouco discreto” para a estudante brasileira Mayara Tavares, que participava do “Júnior 8” da Unicef e estava no local para tirar a foto oficial dos eventos (Figura 12).