Louvre em março de 2015. Crédito: Adriano Aguina. Não é de se estranhar então que, mesmo no Brasil, tenhamos livros didáticos em que as obras de arte estrangeiras têm maior destaque e profundidade na sua análise do que as obras nacionais, pois, diferentemente do que ocorre no Brasil, o acesso é muito facilitado. Podemos confirmar essa política de maior acesso à informação como estratégia de disseminação cultural e propaganda governamental no exemplo retratado por Mauad (2015) sobre o governo americano:
O trabalho de fotógrafos comissionados pelo governo dos EUA para produzir registro das condições de vida nas cidades, obras públicas e ação social do governo, permite avaliar as estratégias para dar visibilidade à ação governamental segundo os códigos que organizam a cultura visual das sociedades burguesas ocidentais desde fins do século 19. [...] Paralelamente, o circuito social da fotografia pública prescrevia que, para que ela existisse de fato, deveria ter garantida a sua publicação em revistas e jornais, ou ainda em álbuns e exposições oficiais, como forma de ritualizar o processo de apropriação coletiva das representações visuais. (MAUAD, 2015, p. 87‐88) Até hoje percebemos alguns dos resultados do impacto dessa disseminação da cultura visual americana no Brasil e no mundo. Mesmo sem nunca ter se deslocado para os Estados Unidos, seria raro encontrar pessoas que não reconhecem símbolos como a Estátua da Liberdade. Muitas também reconheceriam facilmente o Monte Rushmore
(Figura 18) e o prédio Empire State (Figura 19) mesmo sem saber o nome pois trata‐se de uma memória visual. Figura 18 – Monte Rushmore – Keystone , Dakota do Sul, Estados Unidos da América. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Dean_Franklin_‐ _06.04.03_Mount_Rushmore_Monument_(by‐sa)‐3_new.jpg>. Acesso em: 9 de junho de 2016. Figura 19 – Prédio Empire State – Nova Iorque – Estados Unidos da América. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Empire_State_Building_from_the_Top_of_the_Rock.jpg >. Acesso em: 9 de junho de 2016.
Notaremos também que dentro dessa cultura de representações visuais que temos há muitas formas que, apesar de facilmente reconhecidas, não são representações de elementos de nosso país. O cacto, como representado na figura 20, apesar de presente em inúmeras publicações brasileiras, não apresenta formas dos cactos mais comuns no Brasil. Ele é uma representação mais próxima do cacto americano Saguaro, espécie sempre presente nos filmes e desenhos americanos de faroeste, o que também explica a presença dessa forma de cacto em nosso imaginário. Figura 20 – Exemplo de representação visual da cultura americana internalizados na nossa cultura visual. Disponível em: <http://www.tumtumkids.com.br/pintar‐e‐colorir/wp‐ content/uploads/2014/04/doki‐deserto‐cacto_imprimir.jpg>. Acesso em: 8 de maio de 2016. Vemos que isso também é resultado de falta de política pública adequada para a real disseminação de nossa cultura e dos nossos costumes. Ao contrário, os problemas criados pelos fatores legais parecem seguir um caminho sinuoso, aparentando ser mais
uma busca por fontes de renda – que, a propósito, também são fundamentais para a manutenção do acervo – do que realmente priorizar um dos propósitos de sua existência, que é resguardar a nossa cultura e disseminá‐la.
Não por acaso, todos esses fatores legais que apresentamos afetam diretamente um outro fator extra‐editorial que vamos nomear como fator logístico ou de disponibilidade. Podemos definir os fatores logísticos como aqueles que são relacionados com a disponibilidade de um conteúdo e a facilidade de aquisição para o seu uso em um livro didático, com a garantia de qualidade técnica e segurança legal de uso. Como já vimos, há alguns tipos de conteúdos de imagens que estão, por fatores legais, restritos aos museus e seu uso em livro didático é raro. Mas esse não é o único exemplo em que o fator legal afeta diretamente o fator logístico. Dentre outros, vamos apresentar um que é discutido há anos nas pesquisas relacionadas aos livros didáticos, que é como o índio é retratado nos meios de comunicação, incluindo, em especial, nos meios editoriais. Em relação a isso, Bittencourt (2006) também evidencia como esse tema é recorrente em discussões sobre inclusão étnica e racial no Brasil:
No Brasil, embora não se possa encontrar pesquisa especialmente dedicada à produção iconográfica na área de História, existem trabalhos que buscam analisar como determinados segmentos sociais têm sido representados, especialmente os indígenas e a população negra, nos diversos livros escolares. (BITTENCOURT, 2006, p.75)
Em relação aos indígenas, vemos que quando há uma certa inclusão, geralmente ela é estereotipada e reducionista demais, levando‐nos a ideia de que as comunidades indígenas são homogêneas, formando uma única cultura.
A imagem de um índio genérico, estereotipado, que vive nu na mata, mora em ocas e tabas, cultua Tupã e Jaci e que fala tupi permanece predominante, tanto na escola como nos meios de comunicação. (GRUPIONI, 1995, p.483)
Talvez, o que explique essa criação da imagem de um índio genérico (muitas vezes até norte‐americanizado, como vimos nas figuras 10 e 11) são as questões que são enfrentadas para a obtenção de conteúdos sobre as tribos indígenas. Por exemplo, há muitas restrições em relação à publicação de fotografias para representação de etnias indígenas, como a necessidade de autorização da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para a entrada em terras indígenas e para o registro de imagens das tribos. Além disso, é necessário que um representante da tribo, quando este tiver consciência e
conhecimentos plenos dos atos praticados e da extensão dos seus efeitos, autorize por escrito o uso das imagens captadas, para os devidos fins, geralmente estipulando uma contrapartida financeira para a tribo, como determinado na portaria nº 177/PRES, de 16 de fevereiro de 2006 12.
Tudo isso, além da própria insegurança na validação do termo de autorização de uso da imagem – por questões que vão desde da constatação da consciência do índio que autorizou o uso até a falta de adequação da lei e das portarias da FUNAI quanto à disponibilização das imagens em bancos de imagens, onde a imagem ainda não tem um veículo definido – encarece muito esse tipo de conteúdo, chegando a dobrar o valor pago por imagem.
Como o valor é mais alto, algumas editoras preferem não utilizar as imagens do índio “genuíno”, optando‐se, por fatores financeiros e práticos, o uso de imagens de índios “genéricos” – de coleções royalty free13, que são mais baratas e com autorização de modelos – e de ilustrações, o que empobrece o conteúdo de imagem, além de criar, em alguns casos, um imaginário visual deturpado do índio, como nos casos que já vimos anteriormente. Isso ainda é mais deturpado quando constatamos também que, por haver uma exceção no uso justo quando a informação é de interesse público, há nas agências de notícias muitas fotos de índios – sem as autorizações citadas – realizando protestos e expressando atitudes hostis que foram amplamente divulgados na mídia diária e, por vezes, reproduzidas também nos livros didáticos (Figura 21). 12 Disponível em: <http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cogedi/pdf/LEGISLACAO_INDIGENISTA/Cultura/portariadireitoautoral.PDF>. Acesso em: 9 de maio de 2016. 13 Como definido no site de um dos maiores bancos de imagens Royalty Free (que não exige royalties), “a licença que não exige royalties é aplicada para propriedades intelectuais protegidas por direitos autorais, como imagens e vídeos. Esta permite o uso do conteúdo para diversas aplicações em vários tipos de mídia, sem o pagamento de royalties a cada vez que você usa; somente é necessário pagar uma vez para usar uma imagem ou vídeo em particular”. Essa imagens são vendidas por conta anual com limite de downloads, o que torna o uso dessas imagens extremamente rentáveis em relação ao uso de imagens de direito controlado.