banco de imagens Shutterstock. Acesso em: 11 de maio de 2016. O que explica isso, além do número ínfimo de colaboradores do Brasil, é que esses bancos são estrangeiros. Até temos alguns bancos de imagens nacionais, com destaque aos bancos de imagens vinculados às agências de notícias, como a Folhapress e a Agência Estado, com boa quantidade e variedade de conteúdos por oferecerem materiais exclusivos. Porém, não há bancos que ofereçam tanto quanto os bancos de imagens internacionais, e poucos no formato chamado de “Stock”, que oferecem assinaturas de
downloads de imagens, resultando em um preço baixo por fotografia comprada. Isso
influencia diretamente no tipo de conteúdo de imagem veiculado nos livros didáticos, limitando‐se, dessa maneira, as chances de se encontrar imagens que apresentem melhor representatividade étnica e cultural do Brasil, mostrando que os fatores logísticos e de disponibilidade são também grandes influenciadores da forma do conteúdo, devido às virtualidades que eles impõe ao aparelho editorial.
Araújo (2008) descreve que
Em sua prática, o iconógrafo defronta‐se com o duplo problema da seleção de ilustrações em relação ao texto e à expectativa do leitor. [...] Ele indaga também sobre a conveniência da escolha de certas ilustrações, no que respeita quer à sua qualidade técnica de confecção, quer à sua qualidade de reprodução impressa. E além dessas dificuldades, ainda existe o não pequeno problema das fontes, i.e., onde encontrar determinadas ilustrações adequadas, ou até vitais, a determinada obra. (ARAÚJO, 2008, p. 444).
Além de todos esses fatores já vistos, ainda podemos apontar um último que chamaremos de fator governamental. Este fator é, obviamente, extremamente ligado ao fator legal, e definiremos como ações governamentais que influenciam diretamente o setor de livros didáticos e paradidáticos, como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).
Silva (2012) mostra a atual dependência de boa parte do aparelho editorial em relação a esses programas:
Apesar de o volume de vendas de livros não didáticos ter crescido nos últimos anos e de as redes privadas de ensino representarem um bom mercado, a vitalidade do setor editorial no Brasil se deve à compra de grandes quantidades de exemplares pela Fundação de Assistência ao Educando (FAE), órgão do Ministério da Educação (MEC), através do PNLD. (SILVA, 2012, p. 810)
Segundo dados da pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro” da CBL, SNEL e FIPE, somente em 2014 foram vendidas mais de 155 milhões de livros para o governo federal, sendo um número impressionante mesmo sabendo que em 2013 foram mais de 190 milhões de livros comprados. Segundo o próprio governo federal, somente a editora Moderna foi responsável pela venda de 19,68% dos livros do PNLD em 2014, recebendo um valor de mais de 211 milhões de reais neste ano. Com isso, podemos constatar a importância do PNLD para as editoras.
É evidente que esses programas governamentais, que representam mais da metade do mercado de livros didáticos em faturamento – o que tornam o governo federal o maior comprador de livros do Brasil e um dos maiores do mundo –, influenciam diretamente na escolha do tipo de conteúdo dos livros que serão feitos especialmente para eles. Qualquer orientação que estiver presente no edital será determinante para a inserção ou exclusão de qualquer conteúdo que for pensado para esse material, muitas vezes, independente da sua importância pedagógica e editorial no
livro em questão. Além disso, outros aspectos que não estão presentes no edital também podem influenciar no sucesso do projeto, como afirma também Carmagnani (1999):
[...] A adoção de um livro didático depende, sobretudo, da influência da editora junto a órgão governamentais, de suas estratégias de marketing, dos acordos feitos junto às direções de escolas e de outros aspectos que independem das qualidades pedagógicas do material. (CARMAGNANI, 1999, p. 128)
Sem observarmos estas outras questões externas ao edital, ainda sim vemos que esses fatores governamentais influenciam em vários aspectos esses livros feitos especialmente visando os programas do governo. O conteúdo, por exemplo, poderá ser revisto ou até abandonado por algum tipo de mudança no tipo de avaliação que será feita pelo governo para a escolha dos livros que poderão fazer parte dos programas. Isso já ocorreu em 1995, quando, segundo Silva (2012),
[…] MEC iniciou um processo de avaliação mais criterioso e sistemático que vem analisando até hoje os livros didáticos adquiridos para distribuição às escolas de Ensino Fundamental da rede pública brasileira. A equipe de pareceristas passou a adotar critérios de avaliação que são públicos e aparecem descritos no Guia dos Livros Didáticos para o conhecimento de professores e interessados. Além disto, o modelo foi sendo aprimorado nos PNLD’s subsequentes. (SILVA, 2012, p. 812)
Dessa maneira, Souza (1999b), analisa que
Como resultado da política de controle do MEC [...], cria‐se um clima de efervescência no mercado de livros didáticos e entre professores. Editoras que tiveram seus livros inseridos na categoria de excluídos buscam dar uma nova “roupagem” aos livros, a fim de readaptá‐los às novas exigências dos Catálogos do MEC. (SOUZA, 1999b, p. 63)
Com este breve levantamento, fica evidente a influência que o governo tem em relação às editoras que projetam materiais didáticos para esses programas, muito devido ao fator financeiro intrínseco. Até o formato, o papel, e o número de páginas são determinados por esses programas, criando‐se barreiras para inovações de design do livro e de estilos de diagramação, pois prioriza‐se sempre o aproveitamento máximo da página por textos em detrimento das imagens por questões de limite no número de páginas já estipulado do material, como podemos ver na figura 29.
Figura 29 – Reprodução da tabela presente no edital do PNLD 2015 (Ensino Médio) com o número de páginas limite de cada disciplina.
Vemos que as virtualidades criadas pelos fatores governamentais influenciam em todos os processos presentes num aparelho editorial, desde o projeto inicial do livro pelo conselho editorial, até a sua impressão e distribuição para as escolas, passando por todas as partes “invisíveis” do processo editorial. É um fator complexo que, pelos valores astronômicos que movimenta e por sua importância na Educação pelo número de exemplares distribuídos para o todo o país, é um dos mais estudados por pesquisas sobre o livro didático, diferentemente de outros fatores mais invisíveis no processo editorial.
Dentro desses fatores governamentais, além de ações mais mercadológicas como o PNLD e o PNAD, também poderíamos inserir ações de controle governamental como já ocorreram em nosso país, como a censura dos meios de comunicação e das publicações editoriais na ditadura militar, o que foi certamente nesta época um dos principais fatores a serem analisados para uma produção de um livro didático, limitando acirradamente as possibilidades do aparelho editorial.
Com isso, temos um bom panorama de como é complexo esse aparelho editorial, com vários fatores que influenciam diretamente na forma do produto final, o livro didático. Também vimos como suas virtualidades podem variar de acordo com a influência e a hierarquização dos fatores intra‐editoriais e extra‐editoriais na produção
do livro didático, considerando sempre que esses fatores, apesar de divididos aqui didaticamente, não podem ser considerados independentes, e devem sempre ser considerados em qualquer estudo sobre livros didáticos e suas aplicações.
CONCLUSÃO
Como vimos, o livro didático é um objeto complexo, que é elaborado geralmente por uma grande equipe multidisciplinar. Como objeto complexo, ele é determinado por vários fatores que dirigem e limitam o aparelho editorial alterando as suas virtualidades. Definimos, assim, alguns fatores como intra‐editoriais, fatores pedagógicos, estilísticos e estéticos, financeiros e organizacionais, que são de maior controle dos programadores desse aparelho. Outros fatores os extra‐editoriais, legais, governamentais e logísticos ou de disponibilidade, determinados por aparelhos superiores, que “envelopam” o aparelho editorial de certo modo.
Analisando cada um desses fatores vimos que a utilização de uma imagem específica pode não ser tão simples quanto parece e pode não ser determinada apenas por decisões editoriais, ou seja, por decisões pedagógicas/organizacionais, mas por questões externas, como de legislação ou de disponibilidade da imagem. As imagens que são publicadas nos livros didáticos passaram, de alguma maneira, por análise relativa a cada um dos fatores citados por diversos profissionais, sendo aprovadas para publicação quando essa equipe editorial entende que este conteúdo visual está dentro das virtualidades previamente apresentadas.
A quebra dessas virtualidades é possível, porém, pode trazer consequências positivas (inovações) ou negativas (sanções e prejuízos) para os profissionais envolvidos e para a instituição responsável pelo livro didático. Por isso, sempre haverá a necessidade, pelos sujeitos envolvidos, da constante análise dos fatores apontados e as alternativas para se seguir as virtualidades ou, então, de se “jogar contra o aparelho”, seja ele editorial, organizacional ou governamental, para que seja possível surgir inovações no desenvolvimento de novas soluções nesta área. Utilizando‐se uma expressão popular: primeiro é necessário conhecer as regras – virtualidades, para depois quebrá‐las.
O reconhecimento desses fatores também é imprescindível para qualquer tipo de análise de livro didático ou, até mesmo, de qualquer produto editorial. Vimos que análises dos livros didáticos apenas pelo seu output, pelo livro final impresso, ou até digital, sem considerar esse elementos presentes em sua produção pode levar a discussões vazias, onde poderão apontar problemas e soluções que não estão sob
controle dos processos editoriais e pedagógicos do livro, mas de fatores onde os responsáveis pela produção do livro podem não ter controle algum, como são os casos de alguns fatores organizacionais, financeiros, legais, governamentais e logísticos.
Como vimos, por exemplo, temos os fatores legais que interferem diretamente na seleção do conteúdo visual do livro, limitando as suas possibilidades devido a leis como Direito Autoral e do Direito de Imagem e Personalidade. É importante notar o quanto esses fatores impactam na qualidade e diversidade de conteúdos publicados nos livros didáticos, chegando a impedir que grande parte das informações visuais de nossa história e cultura sejam publicados na maior parte dos livros.
Até, por essa razão, houve em 2010 uma consulta pública para a modernização da lei de Direito Autoral17, onde haveria um parágrafo específico para legalização do uso
“para fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo”, o que proporcionaria, a princípio, a publicação de qualquer tipo de informação sem a necessidade de autorização e remuneração18, significando um grande aumento
nas possibilidades de publicação de conteúdos visuais nos livros didáticos, resultando em uma maior disseminação de obras e documentos históricos que estão ainda guardados sob a tutela de órgãos governamentais e, muitas vezes, “engavetados” por suas restrições de uso apesar de sua importância histórica e potencial pedagógico que este conteúdo poderia ter. Essa reforma da lei ainda está em discussão, porém, o projeto de reforma daquela consulta feita em 2010 já foi engavetado pela constante mudança no Ministério da Cultura19. Pelo site da câmara dos deputados, consultando o projeto de lei que trata dessa modernização, no mesmo ano de 2015 o projeto foi desarquivado, mas ainda não mostra qualquer avanço desde então20. Vemos que este fator legal influenciará diretamente em como será a produção do livro didático no futuro, possibilitando um aumento considerável de conteúdos que poderão ser utilizados nos livros didáticos. É uma clara questão de políticas públicas que 17 Consulta pública para a modernização da lei do Direito Autoral. Disponível em: <http://www2.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/lei‐961098‐consolidada/>. Acesso em: 08 de junho de 2016. 18 Projeto propõe reforma na Lei de Direito Autoral. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/EDUCACAO‐E‐CULTURA/409666‐PROJETO‐PROPOE‐REFORMA‐NA‐LEI‐DE‐ DIREITO‐AUTORAL.html>. Acesso em: 08 de junho de 2016. 19 Entenda a Consulta Pública do Governo sobre Direito Autoral no ambiente digital. Disponível em: <http://www.internetlab.org.br/pt/internetlab‐reporta/entenda‐a‐consulta‐publica‐do‐governo‐sobre‐direito‐autoral‐no‐ ambiente‐digital/>. Acesso em: 14 de junho de 2016. 20 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=534039>. Acesso em: 15 de junho de 2016.
não avançam por questões de interesses econômicos e pouco entendimento de quem legisla.
Devemos nos atentar também ao impacto dos processos digitais, da Internet, do e‐book em relação a esses fatores. É importante afirmar que o uso das novas mídias digitais influenciaram e, ainda, influenciarão muito mais nas virtualidades apresentadas para a produção do livro didático e nas relações “envelopantes” dos aparelhos da sociedade, mudando diretamente o ambiente onde o livro didático é produzido e, consequentemente, o seu resultado. Vale arriscar que a disseminação do e‐book no mercado editorial de livro didático será um gatilho às inovações na legislação pendente, como podemos perceber em alguns movimentos recentes de discussão das questões de direito digital.
Não por acaso, Flusser (2011) afirma que “liberdade é jogar contra o aparelho”. Porém, como foi dito inicialmente, para jogar contra o aparelho, é necessário que se conheça as suas peculiaridades e, seguindo as ideias de Morin (2005), se produza um pensamento “ecologizante”, inserindo o aparelho editorial e o livro didático em seu meio ambiente, entendendo a inseparabilidade dos objetos de estudo. O próprio autor completava que esse pensamento ecologizante não só o contextualiza, mas também pode “modifica‐lo ou explicá‐lo de outra maneira”, assim como vimos que ocorre quando espiamos a caixa‐preta e descobrimos que alguns dos maiores problemas encontrados nos livros didáticos não serão resolvidos apenas com uma “revisão mais criteriosa” dos conteúdos do livro, mas atacando problemas centrais e ainda maiores que influenciam e determinam diretamente seu output.
Considerar os fatores para qualquer estudo ou crítica sobre o livro didático é, antes de tudo, reconhecer esse objeto como algo complexo, e considerar os sistemas complexos em que ele se encontra ainda em sua produção. É também enxergar mais claramente, um raio de luz dentro da caixa‐preta editorial, mostrando aspectos até então desconhecidos pela maior parte dos pesquisadores e sujeitos da educação, possibilitando melhor visualização dos reais problemas do livro didático e dos fatores que estão determinando o seu conteúdo final.