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FATORES INTRA E EXTRA‐EDITORIAIS Em um trabalho de edição de arte e, mais especificamente, de iconografia em um 

livro didático, sabemos que é necessário que o profissional responsável avalie todas as  características já apontadas no capítulo anterior, como o seu conteúdo visual, adequação  ao contexto, consonância com os outros elementos, informações básicas de identificação  (quando for o caso), qualidade técnica e função didática. Além disso, vimos que, apesar  de  contribuírem  para  o  aumento  do  repertório  de  referências  imagéticas  de  seus  leitores,  é  necessário  também  que  haja  uma  ação  para  “alfabetizar”  os  alunos  e,  até  mesmo,  os  professores  na  linguagem  não‐verbal,  o  que  facilitaria  a  leitura  crítica  de  qualquer imagem. 

O  maior  problema  é  que  esses  não  são  os  únicos  fatores  que  determinam  a  escolha  e  uma  imagem  ou  de  qualquer  outro  conteúdo  de  um  livro  didático.  Podemos  classificar esses fatores em dois tipos básicos: os fatores  intra‐editoriais, aqueles que  são internos à produção de uma publicação e à instituição, como os fatores pedagógicos,  técnicos,  estilísticos/estéticos,  financeiros  e  organizacionais;  e  os  fatores  extra‐

editoriais, que são externos e mais ligados ao mercado e à sociedade, como os fatores 

logísticos, mercadológicos, governamentais e legais. Bittencourt (2006) descreve bem o  problema  das  relações  internas  no  processo  de  produção  do  livro  didático  (ou  de  qualquer outro livro): 

O  livro  didático  é,  antes  de  tudo,  uma  mercadoria,  um  produto  do  mundo  da  edição  que  obedece  à  evolução  das  técnicas  de  fabricação  e  comercialização  pertencentes  à  lógica  do  mercado.  Como  mercadoria  ele  sofre  interferências  variadas em seu processo de fabricação e comercialização. Em sua construção  interferem  vários  personagens,  iniciando  pela  figura  do  editor,  passando  pelo  autor  e  pelos  técnicos  especializados  dos  processos  gráficos,  como  programadores visuais, ilustradores. (BITTENCOURT, 2006, p.71) 

Podemos  notar  que  os  fatores  intra‐editoriais  remetem,  em  grande  parte,  às  escolhas  editoriais,  ou  seja,  aquelas  em  que  foram  realmente  selecionadas  conforme  uma lógica interna da editora. As características para a seleção da imagem apresentadas  no capítulo anterior, basicamente, são intra‐editoriais, e compõe os fatores pedagógicos,  técnicos e estilísticos/estéticos, que são os mais adaptativos e maleáveis. Nessa etapa, o  editor e os profissionais têm maior autonomia para fazerem alterações e desenvolverem  novos projetos. É o momento onde esses profissionais tem maior poder, ou seja, também  são os programadores nesta parte do aparelho editorial. 

Os fatores pedagógicos são aqueles determinados pela adequação do conteúdo do  livro a uma linha de pensamento pedagógica previamente definida para o projeto. Esta  linha pode ter interferência direta dos fatores organizacionais, dependendo do perfil da  instituição em que o aparelho editorial está “envelopado”.   Fatores estilísticos/estéticos são os fatores relacionados com tudo que está ligado  a forma do livro didático. Os tipos utilizados, cores, imagens, figuras, estilo de ilustração,  o projeto gráfico. Tudo deve ser condizente com os fatores intra‐editoriais previamente  definidos,  resolvendo  problemas  de  organização  e  ampliando  a  sua  eficiência  de  comunicação. 

Todo  trabalho  de  design  envolve  a  solução  de  problemas  em  níveis  visuais  e  organizativos. Figuras e símbolos, campos de texto, títulos, tabelas: todos esses  elementos  devem  se  reunir  para  transmitir  a  informação.  (SAMARA,  2007,  p.  22) 

Há  outros  fatores  intra‐editoriais  que,  apesar  de  serem  de  competência  interna  da  instituição,  não  são  programados  pelos  sujeitos  do  processo  editorial.  São  os  casos  dos fatores financeiros e organizacionais. 

Os  fatores  financeiros  são  aqueles  que  são  determinados  pela  administração  da  instituição,  por  meio  de  controles  orçamentários  e  metas  a  alcançar  (estipulada  pelo  projeto geral como prazo, vendas, tiragem, distribuição e aprovações em concorrências  do governo). Com isso, toda publicação acaba tendo o seu custo limite que o editor deve  ter o máximo de cuidado para não ultrapassar.  

O  aparato  editorial  presta  atenção  a  todos  esses  elementos,  estabelecendo  certos  padrões  a  serem  seguidos  pelos  autores  dos  livros  didáticos.  Esses  padrões são motivados também por razões financeiras. (SOUZA, 1999a, p. 30)  Os gastos devem ser otimizados para que se possa concluir o projeto da melhor  forma possível, mesmo que não seja da maneira ideal. É a pressão do mercado para que  o  produto  livro  didático  fique  pronto  e  seja  entregue  aos  seu  consumidor  final,  alunos/leitores.  Tudo  isso  tem  um  preço,  será  pago,  uma  parte,  financeiramente,  e  a  outra,  pela  diminuição  na  qualidade  do  produto  final.  É,  em  certa  parte,  o  equilíbrio  dessa  conta  que  determina  o  tipo  de  produto  a  ser  publicado,  ou  seja,  sua  qualidade  editorial e didática. 

Isso afeta mais diretamente na definição do formato e tipo de material que será  utilizado  para  o  livro  didático,  determinando  e  limitando  parte  do  projeto  gráfico.  Hendel (2003) afirma que 

[...] No momento de tomar decisões sobre o design, deve‐se levar em conta de  que  modo  os  custos  de  edição  se  ajustam  ao  orçamento,  que  normalmente  é  determinado muito antes de iniciar o design. (HENDEL, 2003, p.33) 

Esse fator financeiro, por exemplo, é um dos grandes responsáveis pela falta de  inovação  nos  formatos  e  no  uso  de  diferentes  materiais  para  o  livro  didático,  tanto  impresso  como  digital.  Tanto  que  Bittencourt  (2006)  mostra‐se  incomodada  com  a  questão da qualidade do material utilizado na impressão dos livros didáticos: 

[...] Os cuidados das editoras em relação à qualidade da impressão nem sempre  são  satisfatórios  e  se  escudam  na  alegação  dos  preços.  Dessa  forma,  existem  ilustrações  em  tamanho  minúsculo,  ou  ilegíveis  pela  má  qualidade  de  impressão e de papel ou ainda pela profusão delas em uma única página, que  pouco  auxiliam  como  material  de  apoio  ao  próprio  texto  escrito.  (BITTENCOURT, 2006, p.86) 

Assim como o fator financeiro interfere diretamente no material e no formato a  ser  utilizado,  ele  vai  impactar  também  em  outros  aspectos  visuais  internos  do  livro,  como na qualidade e quantidade de ilustrações. 

O caráter mercadológico e as questões técnicas de fabricação da obra didática  interferem  no  processo  de  seleção  e  organização  das  imagens  e  delimitam  os  critérios de escolha, na maioria das vezes, ilustrações. Há condicionamentos e  limitações  impostas  pela  técnica  e  pelos  custos  que  devem  se  associar  às  necessidades pedagógicas. (BITTENCOURT, 2006, p.76) 

Outro  fator  é  o  organizacional,  que  são  as  influências  e  determinações  das  organizações  empresariais,  educacionais,  religiosas  e  até  familiares  que  detém  o  controle  financeiro  e  administrativo  do  aparelho  editorial.  Essas  organizações  influenciam e até determinam o que será publicado pelo seu aparelho editorial, pois será  publicado com a sua assinatura, com o logotipo e a marca, utilizando os seus recursos  humanos,  financeiros  e  materiais.  Então,  nada  sai  sem  a  sua  chancela  que,  obrigatoriamente, terá sintonia ideológica com a organização. 

Até por isso, este é um dos fatores mais óbvios, que são comumente citados em  várias pesquisas sobre os livros didáticos, como por exemplo por Choppin (2004): 

Não é suficiente, no entanto, deter‐se nas questões que se referem aos autores e  ao  que  eles  escrevem;  é  necessário  também  prestar  atenção  àquilo  que  eles  silenciam,  pois  se  o  livro  didático  é  um  espelho,  pode  ser  também  uma  tela.  (CHOPPIN, 2004, p. 557) 

Neste  caso,  podemos  deixar  mais  claro  que,  talvez,  deveríamos  deixar  uma  ressalva em relação à responsabilidade do autor numa obra como o livro didático. Assim  como ele é destituído em boa parte de sua liberdade, como já comentamos, ele também  não pode ser totalmente culpado do que pode ser silenciado. Podemos entender como  uma consequência das virtualidades do aparelho que o autor se encontra, virtualidades  essas,  criadas  pelos  fatores  organizacionais.  Isso  não  é  novo  e  nem  exclusividade  do  aparelho editorial de livros didáticos, ficando mais evidente nos aparelhos editoriais das  revistas semanais. Não é difícil de imaginarmos exemplos onde é impossível uma capa  numa  revista  “A”  fazer  elogios  a  um  partido  político  “B”.  Ou  a  revista  “B”,  tecer  reverências a um partido político “A”. 

Em uma de suas pesquisas, Bittencourt (2006) reconhece esses fatores e diz que  [...]  o  livro  didático  é  limitado  e  condicionado  por  razões  econômicas,  ideológicas e técnicas. (BITTENCOURT, 2006, p.73) 

Souza  (1999a)  também  reconhece  esses  mesmos  fatores,  incluindo  um  fator  extra‐editorial (mercadológico) dentro de sua descrição: 

É nesse contexto essencialmente institucional que o livro didático se constitui.  O  autor  do  livro  didático  passará  sempre  pelo  crivo  editorial.  O  aparato  editorial  funciona,  de  forma  drástica,  para  manter  determinados  padrões  em  termos de livros didáticos, motivados por uma combinação de razões de ordem  ideológica e por razões econômicas – o livro que fará mais sucesso será aquele  que venderá mais exemplares. (SOUZA, 1999a, p. 28) 

Da  mesma  maneira,  Choppin  (2004)  descreve  em  seu  trabalho  as  limitações  do  livro  didático,  influenciado  pelas  virtualidades  criadas  pelo  aparelho  editorial  e  influenciado por alguns fatores extra‐editoriais: 

Conclui‐se  que  a  imagem  da  sociedade  apresentada  pelos  livros  didáticos  corresponde a uma reconstrução que obedece a motivações diversas, segundo  época e local, e possui como característica comum apresentar a sociedade mais  do modo como aqueles que, em seu sentido amplo, conceberam o livro didático  gostariam  de  que  ela  fosse,  do  que  como  ela  realmente  é.  (CHOPPIN, 2004, p. 557) 

Apesar  de,  didaticamente,  tentarmos  separar  alguns  exemplos  de  fatores  intra‐ editoriais  e  extra‐editoriais,  note  que  eles  estarão  sempre  presentes  em  qualquer  publicação,  didática  ou  não,  e  que  cada  fator  influenciará  direta  ou  indiretamente  em  outro, alterando a composição de várias partes de um material produzido. 

Dos  fatores  extra‐editoriais,  temos  um  que  se  destaca  pela  sua  onipresença  em  diversos  aparelhos  do  país  e,  até,  do  mundo.  Este  fator,  diretamente  ligado  ao  fator  governamental  (que  separamos  apenas  por  poucos  detalhes),  é  o  que  chamaremos  de  fator legal. 

O fator legal é um dos menos percebidos pelos pesquisadores e pelos professores  que  utilizam  os  livros  didáticos  em  relação  a  sua  importância  na  determinação  do  conteúdo  final  do  livro.  E,  ao  contrário,  é  o  responsável  por  grandes  problemas  enfrentados pelos profissionais da produção editorial por causa de suas virtualidades. 

Sem  contar  os  entraves  burocráticos  e  administrativos  para  se  gerenciar  uma  empresa  e  se  adequar  a  esses  fatores  legais,  há  leis  específicas  que  determinam  e  influenciam  diretamente  na  publicação  ou  não  de  alguns  conteúdos  no  livro  didático.  Uma dessas leis é a do direito autoral. 

Em breve noção, pode‐se assentar que o Direito de Autor ou Direito Autoral é o  ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e  da  utilização  econômica  de  obras  intelectuais  estéticas  e  compreendidas  na  literatura, nas artes e nas ciências. (BITTAR, 2013, p. 27) 

É muito claro para qualquer professor e pesquisador que é de total direito utilizar  uma  imagem  ou  um  texto  de  terceiro  para  análise  e  para  uso  educacional  em  sala  de  aula, contato que se inclua a fonte (créditos). Isso não constitui ofensa a lei dos direitos  autorais.  Porém,  ao  mesmo  tempo,  mesmo  o  livro  didático  sendo  um  objeto  com  fins  educacionais,  culturais  e  de  informação,  é  ofensa  a  lei  de  direitos  autorais  publicar  qualquer  texto  ou  imagem  sem  a  autorização  e  compensação  financeira  (quando  for  requerido), além dos próprios créditos (direito moral). 

O maior problema é que, principalmente quando falamos de obras nacionais, há  inúmeros  problemas  em  relação  à  autorização  e  a  compensação  financeira.  Um  dos  problemas  mais  recorrentes  é  a  dificuldade  em  encontrar  o  representante  legal  de  algumas  obras,  principalmente  quando  o  autor  já  é  falecido.  É  bom  lembrar  que  os  direitos autorais, dentre outras possibilidades, só cessam após 70 anos da morte do seu  autor. Com isso, os direitos passam para os seus herdeiros, o que, muitas vezes, não é  algo muito simples de se localizar. 

Mesmo  quando  encontra‐se  um  contato,  ocorrem  casos  em  que  os  herdeiros  ainda não se entenderam em relação a porcentagem que cada um terá dos royalties, ou  então não terem fechado um valor ou um representante para organizar o negócio. 

Daí  já  temos  outro  problema:  no  direito  autoral  é  detentor  dos  direitos  que  determinam  os  valor  a  ser  cobrado.  Não  há  tabela  nem  regulamentação.  Com  isso,  ocorrem  negociações  onde  o  detentor  dos  direitos  pede  valores  astronômicos,  fora  da  realidade  do  mercado,  o  que  pode  inviabilizar  a  utilização  de  certas  obras  e  imagens  clássicas,  o  que  ocorre  com  certa  frequência.  Tendo  isso  em  vista,  acreditamos  que  Wachowicz  (2011)  descreve  bem  o  paradoxo  base  que  envolve  o  direito  autoral  e  o  acesso à informação: 

[...] É axiomático: somente poderá haver uma sociedade informacional se existir  garantia  de  liberdade  de  acesso  à  informação.  De  igual  modo,  somete  se  justifica  o  sistema  de  tutela  jurídica  do  bem  intelectual  se  houver  um  direito  exclusivo  do  autor.  Não  há  propriamente  um  antagonismo  de  posições,  mas  antes, é de fundamental importância  a percepção de um paradoxo, que implica,  inclusive, recorrer ao princípio da proporcionalidade9 para dirimir a colisão de  direitos fundamentais. (WACHOWICZ, 2011, p. 247) 

Esse paradoxo do direito autoral, parafraseando Tridente (2009), desmistifica a  ideia  de  que  quanto  mais  protegidos  forem  os  direitos  de  propriedade  (autorais),  teremos  um  maior  progresso  humano.  Dizemos  isso  pois,  ao  mesmo  tempo  que  os  direitos autorais resguardam o autor (ou, os seus herdeiros), eles também podem, com o  cerceamento da reprodução do conteúdo, privar o público em geral ou, no caso do livro  didático, os alunos, de terem acesso à essa informação.   

Ascensão (2011), sobre esse assunto, também diz que 

Comparando  o  direito  de  acesso  à  cultura  com  o  direito  de  autor,  devemos  reconhecer a superioridade hierárquica do direito de acesso à cultura. Este está  ligado a aspectos básicos da formação da pessoa, que é a justificação e o fim de  todo o Direito. (ASCENSÃO, 2011, p. 18) 

Quer  dizer,  num  exame  de  proporcionalidade  destacado  por  Wachowicz  anteriormente,  que  sempre  devemos  reconhecer  a  maior  importância  do  acesso  à  cultura e da informação em relação ao direito do autor. Isso, claro, não significa que todo  uso  que  direta  ou  indiretamente  tenha  também  fins  de  informação  e  cultura  deva 

9 Segundo Humberto Ávila (ÁVILA, 2013, p. 195), “[...] O exame da proporcionalidade em sentido estrito exige a comparação entre a 

importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais. A pergunta que deve ser formulada é a  seguinte: O grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais?”   

desconsiderar os direitos assegurados pela lei de direito autoral e também de imagem,  mas  que  essas  últimas  não  se  sobreponham  aos  primeiros  direitos  que  são  fundamentais.  

Sobre  essa  questão,  podemos  observar  que  a  nossa  Constituição  Federal  determina que: 

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] II  –  liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o  saber; [...]. 

Como ter liberdade de ensinar e divulgar o pensamento, a arte e o saber como a  nossa  Constituição  Federal  determina  se  a  lei  de  direito  autoral  não  nos  permite,  em  alguns casos, a publicação de certas obras de arte ou textos que não estão em domínio  público para os fins de ensino? O maior problema é que a nossa lei de direito autoral,  diferentemente da leis de alguns países, utiliza o termo “fins comerciais” como sinônimo  de  “fins  publicitários”,  não  diferindo  a  sua  utilização  do  uso  editorial  no  livro,  classificando‐o apenas como um simples “produto”, em relação a outros usos, como em  um  cartaz  de  anúncio  uma  rede  de  supermercados.  Então,  mesmo  que  o  livro  seja  utilizado  para  fins  educacionais,  o  que  permitiria  o  uso  de  diversos  conteúdos  de  imagem  e  texto,  ele  também  é  considerado  um  produto  com  “fins  comerciais  e  lucrativo”,  o  que  retira  qualquer  possibilidade  de  uso  de  qualquer  conteúdo  sem  a  devida autorização e, na maioria das vezes, compensação financeira. Este fato, como já  vimos anteriormente, afetará diretamente no conteúdo que será apresentado ao aluno  pelo  livro  didático  de  alguma  maneira,  já  que,  com  também  destacamos,  há  outros  fatores além dos pedagógicos que influenciarão na escolha de conteúdo. 

Esse paradoxo não é exclusividade da legislação brasileira, pois o direito autoral é  assunto recorrente em diversos países do mundo. Não por acaso, há várias convenções  que  foram  discutidas,  assinadas  e  atualizadas  com  o  passar  dos  anos.  Dessas  convenções,  a  mais  representativa  e  constantemente  utilizada  como  padrão  para  discussão em relação aos caminhos a serem escolhidos sobre assuntos relacionados ao  direito autoral, é a Convenção de Berna. 

A  Convenção  de  Berna,  assinada  na  cidade  de  mesmo  nome,  na  Suíça,  foi  inicialmente  assinada  em  1886,  completada  e  revista  em  anos  posteriores  e  em  diferentes países (Paris, 1896; Berlim, 1908; Berna, 1914; Roma, 1928; Bruxelas, 1948; 

Estocolmo, 1967; Paris, 1971), constitui‐se em uma união internacional para a proteção  dos direitos dos autores sobre suas obras literárias e artísticas. O Brasil é signatário da  convenção de Berna, a qual foi promulgada em 1975, pelo decreto de número 75.699. 

Dentre dos artigos desta convenção, citamos abaixo o Artigo 10: 

2)  Os  países  da  União  reservam‐se  a  faculdade  de  regular,  nas  suas  leis  nacionais  e  nos  acordos  particulares  já  celebrados  ou  a  celebrar  entre  si,  as  condições em que podem ser utilizadas licitamente, na medida justificada pelo  fim  a  atingir,  obras  literárias  ou  artísticas  a  título  de  ilustração  do  ensino  em  publicações,  emissões  radiofônicas  ou  gravações  sonoras  ou  visuais,  sob  a  condição de que tal utilização seja conforme aos bons usos.  

Podemos  notar  que  a  convenção  de  Berna,  apesar  de  facultar  a  regulação  de  acordo  com  as  leis  nacionais  vigentes,  contempla  em  seu  texto  o  uso  educacional  de  obras literárias e artísticas a título de ilustração do ensino em publicações, como seria  no caso do livro didático. Porém, como podemos observar, ela deixa em aberto para cada  país determinar as tais condições. 

Outros  acordos  também  caminham  nesse  sentido,  como  ocorreu  também  em  Genebra,  na  Conferência  Diplomática  da  Organização  Mundial  da  Propriedade  Intelectual (OMPI), como relata Fragoso (2009): 

[...]  À  par  com  a  necessidade  de  se  fazer  frente  aos  novos  desafios  propostos  pela  tecnologia,  entre  2  e  20  de  dezembro  de  1996,  teve  lugar  em  Genebra  a  Conferência Diplomática da OMPI, da qual resultaram os tratados sobre Direito  do  Autor  [...].  A  referida  Conferência  estabeleceu  em  seu  Preâmbulo  –  dentre  outras  declarações  de  princípios,  [...]  o  reconhecimento  da  “necessidade  de  manter um equilíbrio entre os direitos dos autores e o interesse público geral,  em  particular  na  educação,  na  investigação  e  no  acesso  à  informação,  como  decorre da Convenção de Berna”. (FRAGOSO, 2009, p. 383) 

Observe  que  esse  tratado  também  destaca  a  questão  sobre  o  interesse  público  geral,  em  especial  em  relação  à  educação,  utilizando  a  Convenção  de  Berna  como  parâmetro. 

A lei americana sobre direitos autorais, por exemplo, apesar de, principalmente  no  seu  princípio,  ser  uma  lei  mais  de  proteção  ao  editor  e  o  gráfico,  o  copyright,  reconhece  a  grande  necessidade  de  acesso  à  informação  e  de  uso  educacional  com  o  chamado fair use, o uso justo e razoável do conteúdo. 

O princípio do fair use – desenvolvido a partir da jurisprudência –, como consta  na lei norte‐americana em sua Seção 107, abrange assim as ciências, as técnicas  e as artes em geral. Por tal princípio, os bens intelectuais não representam um  privilégio absoluto de seus criadores, garantindo‐se certos direitos de uso por 

todos, circunscritos a certas circunstâncias, de modo a permitir, antes de mais  nada, a sua livre circulação, visando o bem comum como uma questão maior, de  interesse público. (FRAGOSO, 2009, p. 307) 

Com o princípio de fair use é facilitada a circulação de informações, incluindo o  uso de alguns conteúdos para os meios educacionais sem a necessidade de autorização e  compensação  financeira,  aproximando‐se  mais  do  que  é  estipulado  na  Convenção  de  Berna.  

Mesmo  assim,  muitos  autores,  como  Fragoso  (2009),  defendem  que  ainda  é  necessário uma maior admissão e liberdade em utilizar livremente obras protegidas. 

Com relação  à  elasticidade  que  os  sistemas  autorais,  seja  do  copyright seja do 

Droit  d’Áuteur,  necessariamente  devem  admitir,  em  prol  do  direito  à 

comunicação  e  à  informação,  educação  e  outros  direitos  básicos  do  povo,  ampliam‐se os movimentos que buscam uma maior liberdade de utilização das  obras protegidas. (FRAGOSO, 2009, p. 314) 

Também  é  importante  citar  que,  neste  sentido,  há  um  grande  movimento  de  criação  de  conteúdos  livres,  como  o  sistema  de  Creative  Commons10,  onde,  na  maioria 

dos  casos,  admite‐se  utilizar  o  conteúdo  para  qualquer  fim,  mesmo  comercial,  garantindo‐se apenas o crédito (direito moral). Além disso, também ficam previstos os  usos para criações derivadas, onde a exigência, em muitos casos, é manter o mesmo tipo  de  licença  e  respeitar  os  créditos  do  conteúdo  original,  como  previsto  também  na  filosofia do copyleft. 

Atrelado  com  a  questão  do  direito  autoral  está  também  o  direito  da  personalidade, que é definido por Sahm (2002) como o 

[...] conjunto de faculdades jurídicas reconhecidas à pessoa humana, cujo objeto  são os bens jurídicos em que se convertem os diversos aspectos da pessoa do  sujeito  tomado  em  si  mesmo  e  em  suas  projeções  e  prolongamentos.  (SAHM,  2002, p. 20) 

Inserido  no  direito  da  personalidade,  estão  os  direitos  à  imagem,  ao  nome,  ao