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1.2 ARTE, ESTÉTICA E CRIATIVIDADE NO PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO

1.2.3 A Educação Estética

Diante dessas considerações, passamos a reconhecer que a arte, como uma atividade humana que decorre da relação mediada do homem com esse mundo, é uma forma de identificação do homem com o mundo; um modo de transformar experiências vividas em objeto de conhecimento; uma linguagem, com uma forma específica de pensar e saber, que

possibilita expressão e comunicação humana; um processo constante de criação e recriação de possibilidades; enfim, uma forma de atribuir sentido à vida.

Por todas estas razões, consideramos fundamental a Educação Estética em processos de escolarização formal, uma vez que a escola é o lugar social que objetiva difundir a produção cultural da humanidade e a expressão criadora do sujeito, para que este possa reconhecer, através de relações estéticas, o caráter social, humano, tanto na produção cultural como em si mesmo.

Uma vez que buscamos a Educação Estético-Artístico-Visual, a construção de práticas educativas que possibilitem contribuir ampla e efetivamente para o processo de constituição humana, consideramos premente analisar mais detalhadamente a relação profundamente implicada entre sentidos humanos/olhar, criação/expressão e cultura visual, visando demarcar a importância da Educação dos Sentidos e, mais especificamente a Educação do Olhar.

Vázquez (1978) afirma que Marx, em seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, já sublinhava que os sentidos são meio de afirmação e autoconhecimento do homem e que, por sua vez, o homem se afirma no mundo não apenas no pensamento, mas mediante todos os sentidos. A formação dos cinco sentidos, como tudo que é propriamente humano para Marx, é, portanto, uma conquista, conseqüência do desenvolvimento histórico-social do homem.

Da mesma forma que a humanização dos sentidos está relacionada com a humanização da própria existência e esta dependerá da riqueza da relação que o sujeito estabelece com o mundo, o olho orgânico, fisiológico, se constitui como olho humano através da riqueza humana explicitada objetivamente através da criação de objetos humanos, objetos estes significados, tornados signos, onde se objetiva e explicita o homem. Conforme observamos, o sentido estético surge no momento em que a sensibilidade humana se enriqueceu a ponto de perceber as qualidades estéticas como expressão da essência humana, não mais como significação utilitária direta. Através da sensibilidade estética, nos relacionamos com objetos que expressam um conteúdo humano. Desta maneira, o objeto não é estético em si, mas em relação com o homem, torna-se estético no momento em que adquire uma significação social, humana.

Considerando que a constituição dos sentidos humanos, do olhar humano, só acontece na dimensão da práxis vital, podemos compreender a importância da Educação Estético-Artístico-Visual para a formação destes sentidos, deste olhar humano, necessário para a apropriação da riqueza humana expressa nos objetos estéticos, humanizados.

Vygotski (2001, p. 337) afirma que numa obra de arte a percepção de todos os seus elementos é retirada do automatismo e tornada consciente e perceptível. Nesse sentido, considera que em arte a percepção aproxima-se do processo de criação, existindo uma certa identidade entre estes atos, e que os processos de percepção podem ser definidos como processos de repetição e recriação do ato criador. “O leitor deve ser congenial ao poeta e, ao percebermos uma obra de arte, nós sempre a recriamos de forma nova”. A concepção de criação como sublimação realiza-se na percepção artística através de uma atividade construtiva sumamente complexa do fruidor que, pela vivência estética das impressões externas, forma e estilo, o transforma, construindo e criando o objeto estético através de sua interpretação.

Pautando-se na tese de que a arte implica uma “emoção dialética que reconstrói o comportamento e por isso ela sempre significa uma atividade sumamente complexa de luta interna que se conclui na catarse”, Vygotski (2001, p. 345) transfere-a para a educação, diluindo-a em três questões particulares, as quais considera tarefas da educação estética: (1) educar a criação infantil; (2) ensinar profissionalmente as habilidades técnicas da arte, e (3) educar para o juízo estético, ou seja, para o desenvolvimento de habilidades para perceber e vivenciar obras de arte, a cultura das suas percepções artísticas.

Com relação à criação infantil, o autor salienta o valor pedagógico incomum, alentador em termos educativos, uma vez que este ensina a criança a dominar o sistema das suas vivências, a vencê-las e superá-las. Centrando-se mais especificamente no desenho, Vygotski (2001, p. 346) aponta que este se coloca acima da vivência imediata, salientando que “a principal exigência pedagógica vem a ser a aposta no aspecto psicológico do desenho infantil, ou seja, na verificação e no controle daquelas vivências que levam ao surgimento do desenho e não na avaliação objetiva dos pontos e linhas”. Como exigência básica para que isto ocorra, assinala a plena liberdade de criação, o reconhecimento da originalidade do desenho infantil e a renúncia à equiparação ao adulto, uma vez que a

criança desenha porque este momento é necessário para ela, porque possui possibilidades criadoras e não porque nela se revela um futuro criador.

Ao enfocar o sentido educativo da técnica como o de qualquer atividade complexa de trabalho e sua importância como meio de educação da percepção das obras de arte, uma vez que se torna impossível penetrar nas obras de arte sem o conhecimento técnico da estrutura de sua linguagem, Vygotski (2001, p. 351) ressalta que este deve estar sempre combinado à própria criação da criança e à cultura das suas percepções artísticas. “Só é útil o ensino da técnica que vai além dessa técnica e ministra um aprendizado criador: ou de criar ou de perceber”.

Para Vygotski, as finalidades gerais de um sistema de educação social determinam também os da educação estética, ou seja, ampliar ao máximo os âmbitos da experiência pessoal e limitada, estabelecendo contato entre o psiquismo da criança e as esferas mais amplas da experiência estética da sociedade humana, introduzindo-a na rede mais ampla possível da vida. O autor (2001, p. 352) destaca, desta forma, que a tarefa mais importante da educação estética é introduzi-la na própria vida e “o que deve servir de regra não é o adornamento da vida mas a elaboração criadora da realidade, dos objetos e seus próprios movimentos, que aclara e promove as vivências cotidianas ao nível de vivências criadoras”:

De coisa rara e fútil a beleza deve transformar-se em uma exigência do cotidiano. O esforço artístico deve impregnar cada movimento, cada palavra, cada sorriso da criança. É de Potiebniá a bela afirmação de que, assim como a eletricidade não existe só onde há tempestade, a poesia também não existe só onde há grandes criações da arte, mas em toda parte onde soa a palavra do homem. E é essa poesia de ‘cada instante’ que constitui quase que a tarefa mais importante da educação estética. (VYGOTSKI, 2001, p. 352).