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2.1 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

2.1.4 Educação para Sustentabilidade na área de Gestão e Negócios

A integração da sustentabilidade no ensino está estritamente atrelada ao desenvolvimento de conhecimento, capacidades e habilidades emancipatórias, de maneira a possibilitar aos alunos as condições necessárias para a compreensão e transformação do mundo complexo do qual fazem parte (WALS; JICKLING, 2002). Desta forma, as instituições de ensino surgem como importante ferramenta de disseminação e promoção do debate acerca da sustentabilidade em todas as suas dimensões (BRANDLI et al., 2015). As universidades devem desenvolver cidadãos capazes de lidar com incertezas, situações mal definidas, valores, interesses e realidades conflitantes ou divergentes (WALS; JICKLING,

2002), envolvendo as questões de sustentabilidade de forma holística em todas as suas experiências e ações.

Da mesma forma, Jacobi, Raufflet e Arruda (2011) defendem que as instituições de ensino apresentam papel importante na trajetória para um futuro global mais sustentável. Assim, os autores elencam três componentes utilizados por estas instituições para exercer esse papel: i) espaços de formação, intercâmbio e educação; ii) espaços de pesquisa e geração de ideias e; iii) as organizações per se, com orçamentos e processos de tomada de decisão. Desta maneira, uma universidade sustentável deve integrar a sustentabilidade em todo o currículo, focar a sustentabilidade em pesquisa, trocar conhecimentos com a comunidade, criar uma gestão do campus com operações sustentáveis e oferecer oportunidades de envolvimento aos estudantes. No entanto, Armstrong (2011) afirma que no movimento de reorientação da educação para a integração da sustentabilidade, o progresso mais notável consiste na implementação de greening campus e iniciativas de pesquisa, enquanto que a inovação pedagógica, tão importante neste processo, tem enfrentado grandes desafios o que torna seu desenvolvimento muito mais lento.

Neste sentido, Shephard (2008) afirma que a mais valiosa contribuição das instituições de ensino para a EpS consiste em proporcionar para um grande número de formandos os conhecimentos, as competências e os valores inerentes ao DS, de modo a permitir às empresas, ao governo e à sociedade como um todo progredir para modelos de vida e de trabalho mais sustentáveis. Ou seja, por meio da EpS, as instituições de ensino podem desenvolver a consciência e as capacidades dos cidadãos e líderes do futuro (PIDLISNYUK, 2010). Desta forma, conforme Chalkley (2006) a educação para a sustentabilidade deveria buscar três resultados principais: i) os formados devem ter conhecimento sobre questões de sustentabilidade, ii) devem ter as habilidades para agir de forma sustentável se desejarem e, iii) devem ter suposições, crenças e valores pessoais e emocionais que façam com que se comportem de maneira sustentável.

Porém, a implementação da sustentabilidade nas instituições de ensino enfrentam diversos desafios, Jacobi, Raufflet e Arruda (2011) destacam três principais: i) enfoque fragmentado da sustentabilidade, não abordando com profundidade todas as dimensões necessárias, reduzindo suas ações ao “esverdeamento” do campus e mera inclusão de conteúdos específicos no currículo, ii) organização por disciplinas nas universidades, o que dificulta a promoção da interdisciplinaridade (condição necessária para a EpS), sendo necessárias novas abordagens de ensino e aprendizagem, como a aprendizagem experiencial e, iii) processo organizacional dentro das instituições, que deve abordar a sustentabilidade de

maneira ampla e sistêmica, de forma a envolver todos os stakeholders. Conforme os autores, as experiências e práticas educativas desta nova maneira de educação ainda são recentes e incipientes, o que torna imprescindíveis ações que visem estimular a interação e interdependência entre as disciplinas e entre as pessoas, buscando o desenvolvimento de novas metodologias interativas.

Corroborando, Thomas, Hergarty e Holdsworth (2012) identificam alguns inibidores chave da EpS como a falta de compreensão e de formação para os acadêmicos, natureza da sustentabilidade impugnada, currículo já lotado, demanda de tempo e recursos para a disseminação de conhecimentos e desenvolvimento de habilidade para a comunidade acadêmica e culturas e premissas disciplinares. Para os autores, não existe uma ação clara que seja capaz de remover estes inibidores, o que há é uma série de elementos que precisam se encaixar, como um quebra-cabeça, para auxiliar na implementação da EpS em uma determinada universidade. Os elementos-chave deste quebra-cabeça que precisam ser considerados, conforme Thomas, Hergarty e Holdsworth (2012) incluem: mudança organizacional, desenvolvimento acadêmico, desenvolvimento curricular e pedagógico e, a práxis educacional de sustentabilidade. Assim, o desafio para os envolvidos na promoção da EpS nas instituições de ensino é compreender como cada elemento se relaciona com cada instituição e como esta compreensão pode ser melhor utilizada.

Evidentemente, muitos desafios são identificados no que diz respeito à inserção da sustentabilidade nas instituições de ensino, mas superá-los é necessário para que a EpS possa alcançar os resultados esperados. É postulado que a educação para a sustentabilidade desafia a racionalidade e instrumentalidade do paradigma capitalista de produção e consumo, o que o que tem proporcionado um desafio extra ao ensino da sustentabilidade nos cursos de formação em gestão e negócios. Neste contexto, conforme Setó-Pamies e Papaoikonomouo (2016), o papel das instituições de ensino é crucial, uma vez que estas apresentam a oportunidade de proporcionar os conhecimentos e habilidades de análise crítica de maneira a moldar as atitudes dos estudantes de gestão para tomar decisões enquanto consumidores e futuros profissionais. Há, conforme Jacobi (2005) a necessidade de uma educação que transcenda o interesse financeiro, incluindo as questões da sustentabilidade socioambiental, e que questione quais as mudanças são necessárias para educar os gestores do futuro.

Reforçando o papel das instituições e a necessidade de incorporar a sustentabilidade no meio acadêmico na área de gestão e negócios, em 2007 foi desenvolvido o documento intitulado Princípios para a Educação Responsável em Gestão (The Principles for Responsible Management Education - PRME), pelo qual se afirma que “qualquer mudança significativa e

duradoura na conduta das corporações em relação à responsabilidade social e à sustentabilidade deve envolver as instituições que atuam mais diretamente como dirigentes do comportamento empresarial, a academia” (PRME, 2007, p.3). O PRME define seis princípios para a formação responsável dos gestores do futuro, a saber:

1) Objetivo: Desenvolver as capacidades e habilidades dos estudantes para serem futuros geradores de valores sustentáveis nos negócios e na sociedade em geral, e que trabalhem por uma economia global inclusiva e sustentável;

2) Valores: Incorporar nas atividades acadêmicas e currículos os valores globais da responsabilidade social, tal como definidos em iniciativas internacionais como o Pacto Global das Nações Unidas;

3) Método: Criar estruturas educacionais, materiais, processos e ambientes que possibilitem as experiências de aprendizagem eficazes para a liderança responsável; 4) Pesquisa: Engajar-se em pesquisas empíricas e conceituais que colaborem com a compreensão sobre o papel, a dinâmica e o impacto das corporações na criação de valor social, ambiental e econômico sustentável;

5) Parceria: Interagir com gestores de corporações empresariais para expandir o conhecimento de seus desafios em cumprir suas responsabilidades sociais e ambientais e explorar abordagens conjuntamente eficazes para enfrentar esses desafios; e

6) Diálogo: Facilitar e apoiar o diálogo e o debate entre educadores, estudantes, empresas, governo, consumidores, mídia, organizações da sociedade civil e outros grupos e stakeholders interessados em questões críticas relacionadas à responsabilidade social e sustentabilidade global.

Assim, as instituições acadêmicas são convidadas a assumirem as suas responsabilidades e proporcionar aos estudantes conhecimentos e competências necessárias para a formação de futuros gestores, de maneira a contribuir para um desenvolvimento sustentável (SETÓ-PAMIES; PAPAOIKONOMOUO, 2016). Conforme Barbieri (2004, p. 942), neste contexto a EpS deve promover um “distanciamento tanto da postura tradicional de fechar os olhos aos problemas socioambientais, ou atender apenas às exigências legais quando inevitáveis, quanto do ambientalismo extremado que inviabiliza as atividades produtivas”.

A formação de profissionais da área de gestão e negócios, na maioria das vezes, ainda legitima e perpetua uma visão de mundo vinculada com a realidade instrumental típica das organizações modernas, que reduz e instrumentaliza o homem e suas relações sociais e, ainda apresentam um ponto de vista teórico-conceitual simplista (MOURA, 2012). Por isso que,

Jacobi, Raufflet e Arruda (2011) consideram que educar indivíduos além de seus papéis profissionais e gerenciais é um dos grandes desafios da educação para sustentabilidade, tendo em vista os obstáculos que a humanidade vem enfrentando e enfrentará, sendo uma responsabilidade extra para o ensino de gestão e negócios se reinventar.

Ademais, Demajorovic e Silva (2012) alertam para o crescimento de cursos de tecnologia no Brasil que reforça uma característica da ação profissional e de produção de conhecimento na área de gestão e negócios. Da mesma forma, a Agenda 2030, no campo específico da educação de adultos, também destaca a Educação e Formação Técnica e Profissional (ONU, 2015). O que revela, mais uma vez, a importância de transformar essa formação tecnicista dos negócios em uma voltada para formação de profissionais com visão ampliada e comprometida com os desafios da sustentabilidade, em todos os níveis e modalidades de ensino.

Para isso, Demajorovic e Silva (2012) argumentam que é necessária, além da ampliação dos cursos de gestão com uma formação voltada para a sustentabilidade, uma reformulação dos métodos de ensino e aprendizagem. Sendo que a principal exigência para a formação de profissionais com pressupostos orientados pela sustentabilidade é a integração de novas propostas pedagógicas interdisciplinares, na qual o pensamento especializado, disciplinar e fragmentado (base da gestão organizacional) é substituído por uma visão integrada, sistêmica e holística, que leva em consideração a finitude de recursos, as gerações futuras, o equilíbrio entre crescimento econômico e benefícios sociais e ambientais e a cooperação global (SCHUTEL; CAMPOS, 2011; DEMAJOROVIC; SILVA, 2012).

Brunnquell, Brunstein e Jaime (2015) afirmam que na área de gestão e negócios o objetivo da EpS é garantir que os alunos considerem, em seus processos de tomada de decisão, não apenas questões econômicas mas principalmente questões ambientais, sociais, culturais e éticas, e que se tornarem participantes ativos na construção de uma sociedade mais justa. Assim, Vasconcelos, Junior e Silva (2013, p.56) afirmam que a educação gerencial no contexto da sustentabilidade, é um processo socialmente construído que demanda “um conjunto de mudanças que abrange a reforma curricular no sentido mais amplo, implicando a alteração da abordagem e do lócus da aprendizagem, na frequência, nas metodologias, nos conteúdos e nos processos utilizados”.

Assim, ao analisar as bases da educação gerencial para sustentabilidade Boechat e Grassi (2005) identificam que a mesma requer: i) inserção do indivíduo na realidade; ii) entendimento da sustentabilidade como disciplina transversal, ao invés de uma especialidade; iii) transformação do indivíduo, fomentando habilidades perceptivas mais amplas do que

simples técnicas ou modelos; e iv) revisão nas metodologias e técnicas de ensino, que tradicionalmente reforçam fragmentações e visões parciais e distorcidas do mundo dos negócios.

Neste sentido, Brunnquell, Brunstein e Jaime (2015) constatam que a superação das práticas de ensino tradicionais é essencial para promover a EpS. Por conseguinte, Vasconcelos, Junior e Silva (2013) com base em Antonello (2005) apresentam um paralelo entre as abordagens “tradicional” e “para a sustentabilidade” na educação gerencial, conforme Quadro 5.

Quadro 5 - Abordagem Tradicional versus Abordagem em educação gerencial

Abordagem Tradicional Ponto De Mudança Abordagem Para Sustentabilidade

Formal, controlada organizacionalmente. Abordagem para

aprendizagem

Experiencial. Tácita, implícita, formal e informal, controlada socialmente. Hierárquica. Divisão individual do

trabalho e especialização. Estruturas altas e demarcadas. Limites definidos.

Concepção de organização

Orientado para equipes. Coletivo. Estruturas enxutas e flexíveis. Organizações virtuais e networks.

Eventos específicos, baseados em cursos. Edifício próprio com localização no local ou fora do local.

Espaço para aprendizagem/

contexto físico

Aprendizagem pela demanda, em qualquer tempo, local. Aprendizagem virtual. Baixa frequência, intermitente,

descontínua.

Frequência de aprendizagem

Processo de aprendizagem contínuo. Educação continuada.

Predominam os níveis individuais e do cargo.

Nível de aprendizagem

Nível individual, do cargo, de equipe, organizacional e de mundo.

Aquisição de habilidades. Intensificação da competência individual.

Metas de atividades de aprendizagem

Construir competências. Resolver temas reais do negócio e da sociedade. Incrementar processos reflexivos além da aquisição de habilidades.

Aprender ouvindo. Aprendizagem baseada em sala de aula. Workshops, seminários, leituras, pacotes de aprendizagem. Aprendiz passivo e envolvimento limitado. Foco no individual.

Metodologia de aprendizagem

utilizada

Aprender fazendo (learn doing), Aprender a aprender, aprendizagem integrada.

Aprendizagem experiencial. Conversação, networking, ação baseada em projetos.

Personalizada e customizada. Foco em equipes.

Didática, formalizada. Processos de

aprendizagem

Informal, experiencial, incidental, ad hoc. Intercâmbio social ou baseado em colegas. Descontínuo, assíncrono e realizado ex

ante ou ex post. Contexto temporal Contínuo, sincrônico e realizado em tempo real. Fonte: Antonello (2005 apud VASCONCELOS; JUNIOR; SILVA, 2013, p.57).

Assim, para Boechat e Grassi (2005), o paradigma da sustentabilidade no contexto dos cursos de gestão e negócios requer um espaço educativo que proporcione uma mudança profunda na forma de ver e atuar na sociedade, uma ruptura com a visão fragmentada, parcial e distorcida do mundo dos negócios é necessária. Para Demajorovic e Silva (2012), tal realidade demanda novos desafios para alunos e professores, uma vez que não se trata mais de práticas pedagógicas centradas na mera apresentação de conteúdos para serem passivamente

assimilados pelos alunos. Torna-se necessária a transição de um modelo de aprendizagem baseado no professor e no conteúdo para uma abordagem centrada no aluno.

Ainda, Setó-Pamies e Papaoikonomouo (2016) ressaltam que as universidades são ambientes de aprendizagem multinível, que devem olhar para além do conteúdo curricular formal e atentar-se às dimensões implícitas do processo de aprendizagem, a fim de criar uma aprendizagem significativa. Deste modo, para resumir, Thomas, Hergarty e Holdsworth (2012) mapearam os grandes componentes da educação para sustentabilidade, demonstrando como é possível trabalhar criativamente com eles para trazer mudança nas universidades, conforme Figura 3.

Com a Figura 3, nota-se que é necessário usar uma abordagem sistêmica que reconhece toda a gama de elementos que compõem a EpS e como eles se relacionam entre si. Os elementos: mudança organizacional, desenvolvimento acadêmico, desenvolvimento curricular e pedagogia, campus como um laboratório de aprendizagem, atributos dos graduados e o papel das organizações são apresentados, com ênfase no papel dos acadêmicos - destacando o propósito da EpS, educar os graduados permitindo-lhes tomar medidas para alcançar a sustentabilidade (THOMAS; HERGARTY; HOLDSWORTH, 2012).

Figura 3 - Visão geral dos elementos da educação para a sustentabilidade

Fonte: Thomas, Hergarty e Holdsworth (2012).

A partir disto, Thomas, Hergarty e Holdsworth (2012) defendem que para o desenvolvimento da educação para a sustentabilidade deve-se incorporar a práxis da EpS, o que inclui o desenvolvimento pedagógico, o conhecimento instrucional e o conhecimento curricular. Os autores destacam que estes elementos devem ser interligados para formar um quadro central para explorar a sustentabilidade em toda a área de ensino e aprendizagem, cuja abordagem pedagógica deve ser centrada no aluno, o que será abordado na próxima seção.