• Nenhum resultado encontrado

4.1 REFLEXÃO SOBRE A INSTITUIÇÃO E A INICIATIVA DE EDUCAÇÃO PARA A

4.1.1 Educação para a sustentabilidade

Ao considerar que a Educação para Sustentabilidade deve buscar três resultados principais, quais sejam: i) os estudantes devem ter conhecimento sobre questões de sustentabilidade; ii) devem ter habilidades para agir de forma sustentável se desejarem e; iii) devem desenvolver suposições, crenças e valores pessoais e emocionais que façam com que se comportem de maneira sustentável (CHALKLEY, 2006), esta seção busca evidenciar como

a sustentabilidade é tratada dentro das disciplinas Projeto Interdisciplinar (PI 1 e PI 2) no que se refere a busca por estes resultados.

Inicialmente, no que tange ao conhecimento acerca de questões de sustentabilidade, é possível perceber que há uma grande preocupação em ofertá-lo aos alunos. A professora E2, responsável pelas disciplinas, ao relatar as atividades que estavam sendo desenvolvidas na época da entrevista, evidenciou a necessidade de apresentar temáticas relacionadas à sustentabilidade de maneira a legitimar e perpetuar uma visão de mundo mais ampla, que vá de encontro àquela vinculada a realidade instrumental e reducionista típica das organizações contemporâneas, conforme resposta a seguir.

Então, todo o primeiro trimestre eu trabalhei com eles alguns conceitos relacionados à sustentabilidade, trabalho a questão da visão ecocêntrica, das organizações ecocêntricas, organizações neoclássicas. Então trabalhei toda essa parte buscando conscientizá-los da temática socioambiental, da relação das organizações e da importância e papel que as organizações têm frente a isso, também dos indivíduos, mas eu foco bastante a questão das organizações enquanto instituições que podem auxiliar pra manter as coisas como estão ou pra mudar talvez as perspectivas pra uma lógica mais sustentável (Professora E2).

Com isto, a partir do processo ensino-aprendizagem adotado, almeja-se tornar os indivíduos auto conhecedores da sociedade e do mundo, buscando significado e questionando ideias e conceitos previamente conhecidos. Ou seja, o processo de ensino procura envolver um exame das causas da insustentabilidade e possibilitar aos aprendizes reconhecer o viés e as suposições subjacentes aos seus próprios conhecimentos, perspectivas e opiniões (TILBURY, 2011). Assim, ao dar ênfase no papel que as empresas e organizações assumem no desenvolvimento sustentável, a disciplina proporciona conhecimentos e estimula a análise crítica para que os estudantes de gestão possam repensar suas decisões enquanto consumidores e futuros profissionais.

Outrossim, Cars e West (2014) evidenciam que um dos pontos centrais da Educação para Sustentabilidade é sua natureza interdisciplinar, sendo que a EpS deve se basear em abordagens pedagógicas que desenvolvam a criticidade dos estudantes, mudanças de atitudes e comportamentos, bem como a participação na sociedade e no desenvolvimento de organizações sociais (JACOBI; RAUFFLET; ARRUDA, 2011). Desta maneira, buscando atender a estas constatações, as atividades desenvolvidas na disciplina buscam incentivar os alunos a pensar em diferentes modelos de organizações, conforme evidenciado na manifestação da professora E2:

Em cursos de Administração no geral o aluno vai lá e faz um plano de negócio de uma empresa qualquer, de uma coisa que ele gosta [...]. Então a ideia é que eles

criem organizações que de fato tenham uma contribuição também pra sociedade, que tenham esse enfoque mais sustentável cuidando das questões econômicas, ambientais e sociais. Então, a gente faz um trabalho com eles de desenvolver esse produto/serviço, daí eles fazem um plano de negócio pra criar uma organização, não necessariamente uma empresa, pode ser uma associação, uma cooperativa, enfim, acaba migrando pra isso, [...] o que eu acho positivo de certa forma, porque daí abre um pouco as perspectivas deles (Professora E2).

Assim, a iniciativa busca um alargamento das visões dos alunos sobre as possibilidades de atuação de profissionais da área de gestão em consonância com os princípios e objetivos da sustentabilidade. Outrossim, a educação para sustentabilidade além de oportunizar conhecimento acerca da temática, visa fomentar o desenvolvimento de novas suposições, crenças e valores pessoais que façam com que os estudantes se comportem de maneira mais sustentável. A partir do desenvolvimento das atividades da disciplina é possível notar algumas evidências de mudança de percepções dos alunos que participam das disciplinas Projeto Interdisciplinar. Para exemplificar isto, as professoras E2 e E4 relatam uma situação que ocorreu próximo à data da entrevista.

A gente teve agora a semana do meio ambiente e a gente passou o vídeo Obsolescência Planejada [...] e no auditório aqui tinham duas ou três turmas da administração e uma turma da informática, e rolou uma discussão bem interessante porque me parece que os alunos da administração tinham muito mais noção dessa integração entre as coisas do que o pessoal da informática [...] o pessoal da informática disse “ah, mas nós não podemos fazer nada, a gente só desenvolve sistemas, a gente não polui o meio ambiente” [...] e os da administração enlouqueceram né, foi bem interessante (Professora E2).

Agora, na atividade que a gente fez da semana do meio ambiente, os alunos do 3º ano, quando foram avaliar a atividade, relataram que se não tivessem tido a disciplina de Projetos que eles estão tendo agora, eles teriam uma visão completamente diferente sobre o tema que estava sendo abordado, porque a disciplina que está problematizando algumas coisas (Professora E4).

Por outo lado, algumas barreiras podem ser identificadas no processo de inserção da sustentabilidade na prática pedagógica, tendo em vista que para que isso possa ser realizado de maneira completa e faça parte das bases da educação gerencial para sustentabilidade, torna-se necessário uma revisão dos modelos já disseminados no mundo dos negócios (BOECHAT; GRASSI, 2005), o que é retratado como uma dificuldade na afirmação da docente:

Eu tenho tido dificuldade pra [...] porque as ferramentas que eu tinha para o desenvolvimento de plano de negócio eram ferramentas um tanto quanto tradicionais. Isso tá de certa forma me incomodando porque eu não consegui achar ainda uma literatura interessante que trabalhasse a questão do plano de negócio inserindo outras questões né, de sustentabilidade, do social, do ambiental principalmente. E isso eu acho que é também algo interessante que precisa melhorar no processo, que é encontrar ferramentas de desenvolver o plano de negócios de

uma forma mais adequada [para o contexto de sustentabilidade], fazendo essa relação. Eu vejo que ainda isso é um problema, o ferramental que eu tenho de plano de negócio que normalmente tá nos livros de gestão, ele é um tanto quanto quadrado, tradicional [...] então eu tento fazer algumas inserções, mas eu vejo que não está tão adequado. Isso é uma coisa que eu acho que talvez precise melhorar, inclusive pra fazer essas relações com a sustentabilidade (Professora E2).

Para que as experiências e práticas educativas obtenham sucesso ao abordar a sustentabilidade, são imprescindíveis ações que visem a interação e interdependência entre as disciplinas e entre as pessoas (JACOBI, RAUFFLET E ARRUDA, 2011). No entanto, dificuldades como a organização por disciplinas do currículo e a falta de compreensão dos docentes sobre a temática em si são inibidores identificados na iniciativa estudada. A docente E4 relata que a disciplina quase foi extinta no momento em que as professoras que estiveram mais próximas da elaboração da proposta e da execução da disciplina estiveram afastadas durante um período, conforme fala:

Eu e a professora E2 nos afastamos pra terminar o Doutorado e a disciplina foi abraçada por outros professores que não participaram tanto assim do processo inicial e que tinham uma compreensão diferente sobre os objetivos dela, porque inclusive a ementa dela era bem flexível exatamente pra gente poder experienciar algumas coisas né, e aí agora que a gente está retomando e tem a possibilidade de retomar aquela proposta inicial [...]. A gente teve que brigar pra mantê-la porque um grupo de professores achava que ela não tinha uma função (Professora E4).

Também, a manifestação do professor E1, que assumiu a disciplina durante este período em que as docentes estiveram afastadas, evidencia ainda mais essa íntima ligação entre a promoção da EpS com os interesses de docentes específicos, e a dificuldade em os educadores compreenderem estas práticas educativas voltadas para a sustentabilidade:

O objetivo dessa disciplina, que foi iniciada pela professora E2 num período em que eu não estava aí, e depois eu assumi a disciplina, depois de dois ou três professores terem tentado, mas não funcionava muito bem em função da falta de foco [...] então o que se trabalhou na disciplina foi o seguinte, foi tentar fazer com que o aluno percebesse todas as áreas que ele aprendeu dentro do próprio curso de Administração, focado naquilo que fosse voltado à Gestão de Pessoas, a Marketing, à parte financeira, enfim, e o que melhor pra isso do que um Plano de Negócios?! (Professor E1).

A partir da afirmação é possível perceber que mesmo que o professor E1 seja doutor em Educação Ambiental, seu viés valoriza questões técnicas e educação conteudista da administração. Sendo que quando questionado sobre como percebe a inserção da sustentabilidade na iniciativa, o mesmo afirma:

A gente tenta sempre pegar esse viés e um dos vieses era desenvolver produtos com características de sustentabilidade, então o que se busca? Sempre fazer o

reaproveitamento de material reciclado, utilização de produtos que tenham sido descartados de uma maneira irregular e que tu então reaproveite pra que ele não volte pro lixo [...] produtos que acabam tendo a característica dentro da logística reversa, que ele retome com um valor agregado que possa ser comercializado de novo. Então isso tudo nós fizemos, mas tudo no papel, sem a menor possibilidade de fazer algo prático que é outra coisa que não se tem condição, a não ser que se tenha um local apropriado pra guardar o material da meninada [...] (Professor E1).

A vinculação da sustentabilidade a apenas aspectos ambientais e econômicos percebida na resposta do entrevistado, evidencia um caráter fragmentado da sustentabilidade, não abordando com profundidade todas as dimensões necessárias. O que se configura um grande desafio, haja vista que para lidar com a sustentabilidade é preciso que os professores estejam conscientes da necessidade e da importância do tratamento desta questão com seus alunos, que estejam preparados e instrumentalizados para enfrentar esse desafio (CARVALHO, 2001).

Além disto, outro aspecto que merece destaque é a dependência que a disciplina apresenta no que tange o professor que a ministra, conforme própria fala da docente:

Como ela (a disciplina) ainda não tem uma definição, ela ainda é uma disciplina aberta que tá tomando forma agora, ela depende muito do professor que trabalha ela. Eu acho que passando alguns anos ela vai ter um corpo próprio e que aí independente do professor que vai trabalhar, já vai tendo [...] porque ela tá se constituindo enquanto ela tá acontecendo, o que eu acho bem legal tu ter um espaço pra fazer isso, porque tem muito do que os alunos trazem também de possibilidades [...] se pega muito as experiências do que deu certo, do que não deu, o que tem que manter, o que não tem que manter, até porque mesmo sendo um único instituto, cada campus que tem o técnico integrado em Administração tem uma proposta diferente (Professora E4).

Isto indica que todos os docentes, não apenas aqueles que atualmente ministram as disciplinas precisam estar conscientes da necessidade e da importância do tratamento de questão de sustentabilidade na disciplina, para que estejam preparados e instrumentalizados para enfrentar esse desafio (CARVALHO, 2001), fazendo com que a perspectiva da sustentabilidade não se perca na iniciativa. Além do mais, as manifestações dos professores demonstram este problema e outros como o currículo lotado, a alta demanda de tempo e recursos que inibem avanços no desenvolvimento de metodologias interativas para a disseminação da EpS.

O exposto reflete que há um grande esforço para que a educação para a sustentabilidade esteja integrada na iniciativa Projeto Interdisciplinar desenvolvido pelo Curso de Administração do IFRS do Campus de Canoas e para que esta abordagem aconteça de maneira transversal e integrada com as demais áreas de conhecimento. Isto é realizado

objetivando transformar uma formação tecnicista dos negócios em uma voltada para formação de profissionais com visão ampliada e comprometida com os desafios da sustentabilidade.

A existência destas disciplinas que garantem um espaço para trabalhar com um projeto interdisciplinar que evidencia a relação entre a sustentabilidade e demais áreas do conhecimento, é um começo bastante promissor em direção à presença transversal da temática, mas ainda há a necessidade de uma desfragmentação do currículo facilitando a visualização de como todas as áreas podem relacionar-se com a sustentabilidade. Esta constatação vai ao encontro da necessidade da adoção de métodos de ensino diferenciados que favoreçam o processo de aprendizagem dos estudantes. Na próxima seção, descreve-se como ocorre o processo de aprendizagem atualmente nas disciplinas a luz da aprendizagem experiencial (AE).