• Nenhum resultado encontrado

Na educação e, particularmente, na educação escolar, têm vindo a ser depositadas as maiores expectativas, não só relativamente à aquisição de competências académicas e profissionais pelos estudantes, como relativamente à aprendizagem de modos de vida considerados adequados aos jovens e futuros adultos.

Entre estas aprendizagens, associadas à aquisição de uma cidadania responsável, podem ser referidas a prevenção rodoviária, a consciencialização para comportamentos ambientalmente sustentáveis (educação ambiental ou para o desenvolvimento sustentável) ou para hábitos de vida saudáveis (educação para a saúde). Esta última visa contribuir para a redução de situações e comportamentos de risco, como o consumo de substâncias psicoativas, a obesidade, a violência ou a transmissão de DST, por exemplo, e incentivar a adoção de comportamentos promotores de saúde, como a atividade física, a alimentação equilibrada ou o sexo seguro.

Neste sentido, a Educação Sexual tem sido entendida como uma das áreas integrantes da Educação para a Saúde. Em portaria conjunta dos Ministérios da Saúde e da Educação assinala-se que a Educação Sexual está incluída

"nos currículos do ensino básico e secundário integrada na área da educação para a saúde, área da qual fazem parte, igualmente, a educação alimentar, a actividade física, a prevenção de consumos nocivos e a prevenção da violência em meio escolar. O conceito actual de educação para a saúde tem subjacente a ideia de que a informação permite identificar comportamentos de risco, reconhecer os benefícios dos

[88]

comportamentos adequados e suscitar comportamentos de prevenção." (Portaria n.º 196-A/2010: 1170-(2)).

Como o texto legislativo deixa claro, a lógica por trás destas ações educativas é a de que um cidadão ou consumidor informado fará escolhas mais acertadas. Um jovem esclarecido tenderá a agir racionalmente ou preventivamente perante situações de risco. Esta "confiança moderna na educação e na perfectibilidade infinita do género humano" (Lipovetsky, 1994: 43) constitui tanto uma espécie de profissão de fé, como uma evidência comprovada. Diversas teorias, nomeadamente as que se enquadram "no grupo das teorias de expectativa de resultado, (...) baseiam-se no princípio de que os indivíduos sistematicamente processam e utilizam a informação disponível antes de se decidirem em actuar um determinado comportamento" (Fishbein e Middlestadt, 1989 in Nodin, 2001: 57). Entre estas, pode ser referida a Teoria da Ação Racional (Fishbein e Ajzen, 1975) que, no entanto, apresenta resultados contraditórios quanto à sua verificação empírica (Nodin, 2001: 58). A partir desta teoria desenvolveu-se o Modelo de Ação Planeada (Ajzen, 1991), que considera as seguintes variáveis preditivas de comportamento: atitude positiva ou negativa para com o comportamento, perceção das normas sociais e perceção de controlo comportamental (Nodin, 2001: 58), mostrando que a previsibilidade do comportamento é dependente de diversos fatores, e não uma consequência direta do domínio de conhecimentos.

Não pretendendo pôr em causa o valor intrínseco da educação formal ou de campanhas de informação e sensibilização, é certo que o impacto real destas ações raramente é avaliado e, quando é, baseia-se geralmente na comparação dos resultados de questionários preenchidos pelos participantes imediatamente antes e depois das ações. Estes questionários avaliam a aquisição de conhecimentos e a mudança de atitudes expressas pelos participantes numa situação controlada, pelo que geralmente têm resultados muito positivos que, no entanto, não podem ser imediatamente extrapolados para uma situação em contexto real. Uma coisa é fazer uma declaração de intenções num questionário em que a "resposta certa" é óbvia, sendo fácil entrar no jogo e corresponder à expectativa; coisa diferente é agir no quotidiano ou numa situação concreta, em presença de uma série de variáveis fora de controlo, de acordo com essa declaração de intenções. A mobilização de competências não depende exclusivamente da intenção ou da vontade do indivíduo, mas da interação destas com uma série de constrangimentos conjunturais. Responder o socialmente correto (Bogdan e Biklen, 1994: 68) é um fenómeno amplamente conhecido que pode trazer vantagens (de reconhecimento público, por exemplo), mesmo que a afirmação seja contraditória com o comportamento efetivo.

[89]

Saber qual o modo "correto" de proceder, ou quais os riscos de agir de modo diferente, não exclui essa opção enquanto possibilidade real. Como explicar, por exemplo, que na era da informação em que vivemos, sejam tão frequentes comportamentos como fumar, consumir drogas, expor-se ao sol nas horas de maior calor, conduzir em excesso de velocidade ou sob efeito do álcool, dormir menos que o necessário, comer desregradamente, praticar atos de violência ou sexo desprotegido? Se o acesso à informação fosse, por si só, suficiente para a adoção generalizada de comportamentos responsáveis, seríamos uma sociedade exemplar. Métodos menos ortodoxos têm vindo a mostrar bons resultados, num curto espaço de tempo. Por exemplo, a proibição legal de fumar em espaços fechados (com a devida fiscalização e coima para os infratores) conduz à diminuição do número de fumadores e ao decréscimo do consumo (INFOTABAC, 2011); ou o aumento do preço dos combustíveis, associado a uma situação de crise financeira, faz diminuir a sinistralidade rodoviária, nomeadamente devido à redução da circulação automóvel (Amaro, 2012).

Em todo o caso, o acesso à informação é importante e útil, sobretudo para uma civilização que defende a liberdade individual assente em decisões conscientes e responsáveis. É certo que a liberdade conquistada nas últimas décadas não conduziu ao caos permanente (porque a instituição de regras e a sua observância são intrínsecas ao ser humano e necessárias à vida em comum):

"'Deus está morto', mas os critérios do bem e do mal não foram erradicados do espírito individualista, as ideologias globalizantes perderam o seu critério, mas não as exigências morais mínimas indispensáveis à vida social e democrática. Os crimes de sangue, a escravatura, a crueldade, a espoliação, a humilhação, as mutilações sexuais, a violação, as sevícias psicológicas e físicas constituem outros tantos crimes que suscitam, mais do que nunca, a indignação colectiva." (Lipovetsky, 1994: 168).

No entanto, nem sempre é fácil sermos senhores de nós próprios e agirmos de acordo com os princípios morais que defendemos. Liberdade implica responsabilidade, mas desobedecer às regras pode ser um desafio tentador, associado também a uma sensação de libertação, de prazer ou de poder.

"Nas sociedades ultra-competitivas, dominadas pelas motivações individualistas, livres da tutela da igreja e das tradições, os indivíduos estão mais entregues a si próprios, a procura do interesse pessoal e a obsessão pelo dinheiro minam tendencialmente a autoridade dos deveres." (Lipovetsky, 1994: 169).

Se esta ética do dever tem vindo a perder lugar, a afirmação dos direitos tem-se vindo a impor com uma imperiosa urgência. Entre estes, contam-se o direito à educação

[90]

(Artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948) e Artigo 7º da Declaração dos Direitos da Criança (ONU, 1959)) e o direito à educação sexual, consagrado na Declaração Universal dos Direitos Sexuais (World Association for Sexology, 2000). A Educação para a Saúde, no entanto, continua centrada na resposta às necessidades: "a Educação para a Saúde revela, com clareza, os riscos de uma excessiva exacerbação do reconhecimento de necessidades em detrimento da defesa de um enquadramento baseado em direitos" (Pais, 2012: 62).