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1.2. Sexualidade e violência

1.2.2. Violência e comportamento moral

A defesa generalizada da não-violência é um fenómeno recente: "durante milhares e milhares de anos, a violência foi elogiada, admirada" (Alberoni, 2012: 108). Historicamente, a violência foi frequentemente associada à guerra, ao poder, à valentia, detendo um valor moral elevado, embora sempre tenham existido situações socialmente censuráveis. Hoje, no entanto, qualquer forma de violência é publicamente condenada, sendo entendida como um comportamento desviante, encarada frequentemente como uma situação isolada, um caso individual de inadaptação social a uma comunidade pacífica. Também no espaço escolar, "a irrupção da indisciplina tende a ser encarada como um epifenómeno resultante de comportamentos inadequados a uma ordem escolar 'naturalizada'" (Correia e Matos, 2001: 101).

Sendo motivo de escândalo e vergonha, a violência é catalogada como crime ou como doença, sendo exigida punição e/ou cura. No entanto, o que antes teria uma justificação sobrenatural, tem hoje uma explicação científica. O homem extremamente violento, que perturba a ordem social, não é já um possesso do demónio, é apenas um indivíduo inadaptado, doente, possivelmente um doente mental, um louco. Mesmo se a violência é condenada judicialmente e a cadeia é o lugar do castigo, poucos acreditam já que seja

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o lugar da conversão. Para ultrapassar as suas limitações, o indivíduo violento precisa de ajuda, de tratamento, já não de auxílio espiritual pelo padre ou o exorcista, mas de terapia pelo médico ou o psicoterapeuta. Para uma história das estratégias de poder disciplinar, incluindo a evolução dos métodos de controlo do comportamento agressivo desviante, ver Foucault (2004 [1975]).

Diversas têm sido as correntes explicativas da agressividade, propostas por autores de diferentes áreas. "Perceber porque é que os seres entre a mesma espécie se destroem, se matam e agridem foi objecto de diversas interpretações teóricas" (Pereira, 2002: 9). Relativamente à violência sexual, em particular, diversos modelos explicativos procuram encontrar as razões do agressor. López e Fuertes (1999: 165-166) fazem um resumo das justificações que têm sido apresentadas, particularmente no que se refere ao abuso sexual de menores: necessidades emocionais ou de domínio, imitação de modelos de comportamento, origem hormonal ou cromossómica, bloqueios que impedem o estabelecimento de relações sexuais satisfatórias e mutuamente consentidas, falta de controlo dos impulsos sexuais (por deficiência mental, abuso de álcool, supressão do tabu do incesto). Os autores referem ainda as limitações dos diferentes modelos explicativos, pondo a hipótese de que será necessário um modelo multicausal para justificar a grande variedade de formas que as agressões sexuais podem assumir (López e Fuertes, 1999: 166).

Relativamente à agressividade em sentido lato, existem também diversos modelos explicativos. Beatriz Pereira (2002: 9-10), na sua tese de doutoramento sobre violência escolar, apresenta quatro dessas correntes explicativas:

- o modelo psicanalítico de Freud (1920), que entende a agressividade como uma componente inata dos seres humanos, que lutam contra ela através de processos culturais, educativos e sociais;

- o modelo etológico de Lorenz (1963), que considera que o comportamento agressivo resulta de uma natureza inata, mas também adaptativa; no mundo animal, por exemplo, a agressividade cumpre três objetivos: defesa territorial, estabelecimento de hierarquias, e proteção da prole;

- o modelo de psicológico de Dollard et al (1939), segundo o qual a agressividade resulta de processos de resposta à ansiedade;

- o modelo de aprendizagem social de Bandura (Bandura e Walters, 1963 e Bandura, 1973), que defende que as condutas agressivas são aprendidas por exposição a modelos agressivos e consequente imitação desses modelos, sendo que estes podem estar presentes na família, na escola, no trabalho ou nos media,

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por exemplo; a ausência de punição ou mesmo a recompensa pela agressão favorecem esta aprendizagem do valor funcional da violência.

A autora concluiu, no entanto, que "cada uma das correntes explicativas da agressividade parece poder explicar algumas situações de agressão. [Para] outras, porém, parece ser necessário o recurso a mais do que uma teoria" (Pereira, 2002: 11). De facto, todos estes modelos parecem incompletos, estando concentrados num aspeto particular do exercício de violência e das suas motivações. Um dos mais citados é o modelo de Bandura (1973), extremamente útil e intuitivo, que defende que aprendemos o comportamento violento por imitação de modelos. Daqui nasceu a reiterada acusação sobre os media enquanto responsáveis últimos pelos comportamentos de violência extrema e patológica. Esta preocupação atinge inclusivamente os profissionais dos media, que a si mesmo se questionam (ver, por exemplo, os relatórios publicados pela já extinta Alta Autoridade para a Comunicação Social (Vala et al, 2000) e pelo organismo que lhe sucedeu, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Rebelo et al, 2010)).

A desconfiança pública relativa à exposição mediática à violência concentra-se sobretudo no visionamento de imagens por crianças e jovens. Assim, a televisão, os filmes e os jogos de vídeo são os principais alvos de críticas. Segundo Cardoso et al:

"Tais receios são recorrentes desde os anos 80 com a popularização dos jogos electrónicos. Porém, em larga medida, não se poderá dizer que a geração que cresceu a jogar nos anos 80 se tenha tornado mais violenta ou agressiva que as gerações anteriores e os estudos científicos têm-se mostrado inconclusivos. A exposição a conteúdos violentos é uma realidade num ambiente mediático mais amplo" (Cardoso et al, 2009: 145).

De facto, não há uma associação inequívoca entre a disseminação e o consumo destas imagens e um aumento generalizado de violência. Os mesmos autores acrescentam:

"os jovens, sendo agentes reflexivos, não são recipientes vazios que recebem acriticamente a violência que vêem e que vivenciam nos jogos. Os jogos não criam por si só comportamentos agressivos ou anti-sociais. As crianças e adolescentes mobilizam as suas disposições culturais e morais prévias quando jogam. Daí que seja muito importante uma sólida formação cívica e moral na família e na escola." (Cardoso et al, 2009: 146).

A violência, nas suas diversas manifestações, tem sido alvo de crítica social: a violência doméstica, a violência escolar, a violência no desporto, a violência nos media. Mas a

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prevenção de uma escalada de violência que se instale e se generalize sob a forma de guerra é uma preocupação política global permanente.

A democracia "é a única forma de organização política que encaminha os conflitos de vontades para processos de superação e de negociação independentes do recurso à violência" (Rodrigues, 2001: 239). A opção pela não-violência é um dos consensos contemporâneos do Ocidente. A União Europeia (UE) nasceu, não só como tratado económico, mas como aliança moral, destinada a manter a paz dentro das suas fronteiras. No rescaldo das duas grandes guerras que, na primeira metade do século XX, assolaram a Europa, o elogio da paz e a rejeição da agressividade encontraram terreno fértil. O reconhecimento do contributo da União Europeia para a construção da paz teve o seu momento alto com a atribuição do Prémio Nobel da Paz em 2012. Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, referiu, na ocasião, o desígnio pacifista fundador da União:

"nunca nos devemos esquecer que na sua origem, a UE juntou nações que emergiam das ruínas da devastadora II Guerra Mundial e uniu-as num projeto para a paz, construído em instituições supranacionais que representam o interesse comum da União." (Barroso in Alves, 2012).

Aproximamo-nos do centenário da I Grande Guerra, e é certo que, nas últimas décadas, temos vivido em paz, na generalidade do território europeu. A paz é indispensável à prosperidade dos povos, ao seu bem-estar e à construção de um sentimento de segurança, sendo a guerra um imenso desperdício material e humano. Mas mesmo o consenso pela paz e pela diplomacia coexiste com a aceitação de que é preciso, por vezes, impor a paz de forma bélica. As "forças de paz" são constituídas por militares preparados para o combate, ainda que encarregados, em última análise, de impedir o conflito armado, garantindo a paz e a segurança.