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A dificuldade de falar sobre os temas sexuais é uma questão recorrentemente referida. Alberoni (2007) distingue diversos tipos de linguagem sexual. Baseando-se em Murray Davis (1983), refere que "para nomear os órgãos e as actividades sexuais, existem duas linguagens completamente diferentes. Por um lado, a linguagem popular, ordinária, obscena; por outro lado, a linguagem oficial, culta, séria. Entre as duas, há um abismo" (Alberoni, 2007: 19). O autor acaba, no entanto, por identificar três tipos de linguagem.

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Assim, a experiência erótica prolonga-se entre dois extremos, cada um com um código linguístico próprio: a linguagem obscena e a das metáforas poéticas (Alberoni, 2007: 26) e, paralelamente a estas, existe a linguagem da ciência: "A linguagem medicalizada, neutralizada, cientificizada encontra-se fora desta polaridade. Não cumpre a função de evocar sensações, emoções, mas de evitá-las. Trata-se de uma terceira linguagem, estranha à verdadeira polaridade erótica" (Alberoni, 2007: 26). Em resumo, podemos então referir uma linguagem popular, vernacular, a linguagem do palavrão; uma linguagem científica, médica, ortodoxa, assética; e uma linguagem poética, elevada, transcendente, repleta de metáforas. Podemos talvez dizer que a linguagem científica se mantém no domínio da ordem (profano) e que, quer a linguagem vernácula, quer a poética, são do domínio da desordem (sagrado). Daqui resulta que não há, nem pode haver, uma linguagem verdadeiramente descomprometida, neutra, que permita designar os atos ou os órgãos sexuais, por exemplo, sem sugerir obscenidade, frieza ou elevação poética. Para evitar a indecência, o excesso de decoro e o romantismo, podemos ainda, em último caso, recorrer à linguagem infantil. É curioso verificar como, por vezes, nas conversas entre adultos, a saída mais airosa para nomear os genitais inclui termos como pilinha ou pombinha, por exemplo. Nem a linguagem científica, nem a poética, conseguem ultrapassar o tabu da obscenidade da mesma forma que a linguagem que ensinamos às crianças, que conserva e transmite uma sensação de inocência. O mesmo se passa a respeito das excreções humanas, também elas carregadas de um forte sentido de obscenidade: chichi e cocó são palavras que temos dificuldade em deixar de usar, por não encontrarmos disponível, em todo o vasto vocabulário que criámos, uma alternativa razoável. Neste caso, não há sequer linguagem poética que nos salve. Bataille mostra como a obscenidade relativa às excreções humanas se torna um interdito de tal forma notável, que chega a passar despercebido: "a negação é tão perfeita" que estas proibições "nem sequer costumam ser citadas entre o número dos tabus" (Bataille, 1988 [1957]: 190).

1.4.1. Saber e silêncio

Relativamente ao tema sexual, vacilando entre os três tipos possíveis de linguagem, talvez, por vezes, a opção mais confortável seja ainda o silêncio. Na verdade, a verdadeira linguagem sexual não é verbal, mas silenciosa. É pelo silêncio que comunicamos as nossas razões fundamentais. O sagrado faz-se tanto de palavras, quanto de silêncios. A linguagem do silêncio comunica o indizível, aquilo que seria destruído pelo discurso. Não se trata apenas de uma linguagem corporal, paralela à

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verbal, traduzida em gestos, olhares, sorrisos ou expressões faciais, mas de uma linguagem que se encontra presente através da sua ausência. Há no silêncio uma verdade que as palavras não são capazes de abarcar.

Para Michel Foucault (1994a), no entanto, o reconhecimento desta dificuldade de falar sobre o sexo é uma tese que perdura mas não convence. De acordo com a hipótese repressiva, que é usualmente aceite, a repressão sexual alastrou aos vários domínios da vida, tornando o sexo um segredo. Diz Foucault:

"Este discurso sobre a moderna repressão do sexo resiste bem. Sem dúvida porque é fácil de defender. Uma grave caução política e histórica o protege; dando origem à idade da repressão no século XVII, depois de centenas de anos de ar livre e de livre expressão, levam-no a coincidir com o desenvolvimento do capitalismo: seria solidário da ordem burguesa." (Foucault, 1994a: 11).

Para além de ser "fácil de defender" – argumentando que o sexo se torna "incompatível com uma aplicação ao trabalho geral e intensiva" (Foucault, 1994a: 11), relacionada com a ascensão da burguesia –, outra explicação mais prosaica é ainda referida pelo autor para a defesa persistente da hipótese repressiva. Trata-se do "benefício do locutor":

"Mas há talvez outra razão que nos torna tão grato formular em termos de repressão as relações entre o sexo e o poder: aquilo a que poderíamos chamar o benefício do locutor. Se o sexo é reprimido, quer dizer, votado à proibição, à inexistência e ao mutismo, o simples facto de se falar dele, e de falar da sua repressão, tem como que um aspecto de transgressão deliberada. Quem assume essa linguagem coloca-se até certo ponto à margem do poder; empurra a lei; antecipa, mesmo que pouco, a liberdade futura. Daí esta solenidade com que hoje se fala do sexo." (Foucault, 1994a: 12).

Assim, ao defender o lado secreto, oculto, indizível do sexo, quem se atreve a falar lança sobre si mesmo a corajosa e necessária tarefa de se referir, como se fora a primeira vez, ao tema proibido. Mas afinal, segundo Foucault, o que carateriza os tempos modernos é a "'discursificação' do sexo" (Foucault, 1994a: 17) e não o silêncio, o pudor ou o constrangimento.

"Trata-se, em suma, de interrogar o caso de uma sociedade que há mais de um século se fustiga ruidosamente pela sua hipocrisia, fala prolixamente do seu próprio silêncio, se obstina em pormenorizar o que não diz, denuncia os poderes que exerce e promete libertar-se das leis que a fizeram funcionar. (...) A questão que gostaria de pôr não é a de saber porque é que somos reprimidos, mas porque é que dizemos, com tanta paixão, com tanto rancor contra o nosso passado mais próximo, contra o nosso

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presente e contra nós próprios, que somos reprimidos. Por que espiral chegámos ao ponto de afirmar que o sexo é negado, de mostrar ostensivamente que o escondemos, de dizer que o calamos – e isto formulando-o em palavras explícitas, procurando mostrá-lo na sua realidade mais nua, afirmando-o na positividade do seu poder e dos seus efeitos?" (Foucault, 1994a: 14).

Foucault exemplifica esta explosão discursiva em torno do sexo com a confissão católica (tendo por referente os manuais de confissão da Idade Média) e a literatura "escandalosa", nomeadamente a redigida por Sade e pelo autor anónimo de My secret Life (Foucault, 1994a: 22 e seguintes). Todos estes textos se esforçam por relatar os atos sexuais nos mais ínfimos detalhes, procurando não deixar escapar nenhuma eventualidade de pecado ou de prazer. O discurso sexual terá então, sobretudo, procurado "libertar a 'vontade de saber'" (Foucault, 1994a: 17), multiplicando as oportunidades de se manifestar, a tal ponto que foi possível criar condições especiais de emissão e receção desses discursos:

"Nós somos, afinal, a única civilização em que há encarregados que recebem uma retribuição por escutarem as confidências que cada um faz acerca do seu sexo; como se a vontade de falar dele e o interesse que disso se espera tivessem ultrapassado largamente as possibilidades da escuta, alguns alugaram até os seus ouvidos." (Foucault, 1994a: 13).

Como afirma Anthony Giddens, "as brilhantes inovações de Foucault levantam algumas questões centrais de um modo nunca antes pensado" (Giddens, 1996: 11). Porém, há factos difíceis ou mesmo impossíveis de explicar "se permanecermos na posição teórica desenvolvida por Foucault, segundo a qual as únicas forças impulsionadoras são o poder, o discurso e o corpo" (Giddens, 1996: 17). Foucault teve o mérito de reconhecer uma imensa discursividade onde todos viam apenas silenciamento. No entanto, se é verdade que a produção de discurso sobre o sexo se tornou abundante, isso não significa que se tenha eliminado o constrangimento. Numa mesma sociedade, podem coexistir uma grande produção discursiva e um forte sentimento de pudor. Quer a recusa, quer a ostentação podem ser manifestações de desconforto. O silêncio e a linguagem vernácula, por exemplo, constituirão formas opostas de lidar com a mesma questão central, sem a ultrapassar. Por outro lado, tal como na pornografia, muito discurso sexual é apenas a repetição de si próprio. A efervescência discursiva em torno do sexo não elimina o mistério nem o embaraço, como não põe necessariamente em causa as limitações que a linguagem apresenta para se referir ao sexual, como muitos autores reconheceram.

[83] 1.4.2. Palavra e sagrado

Bataille, por exemplo, aludindo à linguagem distanciada e ao tratamento estatístico dos Relatórios Kinsey (Kinsey et al, 1948 e 1953), manifesta a estranheza que a sua leitura provoca, ao tratar o sexo como objeto de estudo científico (Bataille, 1988 [1957]: 136 e seguintes). Uma vez que, segundo o autor, o sexo pertence ao domínio violento do sagrado, e "a violência é silenciosa" (Bataille, 1988 [1957]: 164) ou mesmo "muda" (Bataille, 1988 [1957]: 167) – sendo a obra literária de Sade, porque fala em nome da solidão e do silêncio (Bataille, 1988 [1957]: 166), a exceção que confirma a regra –, não será de estranhar que a linguagem sexual seja constrangedora. De facto, "além de servirem para comunicar, as palavras também servem para criar ordem nas coisas" (Lencastre, 2007: 386). Por isso, o sagrado, que não é do mundo da ordem, nem sempre encontra palavras para se referir à violência, à morte ou ao sexo:

"A linguagem que geralmente usamos para falar sobre sexo é muito física, idealizada ou vulgar para a espiritualidade captar. Às vezes, parece que usamos uma linguagem clínica para nos distanciar e talvez nos proteger do seu poder, e a linguagem vulgar pode ter o mesmo efeito." (Moore, 1999: 84).

Thomas Moore indica esta dificuldade de verbalizar o sexual como mais uma evidência do seu caráter sagrado. "Todo o acto verdadeiramente religioso exige um tabu como um modo de preservar a sua santidade" (Moore, 1999: 85). Nomear uma coisa é, em certo sentido, possuí-la, apreendê-la, torná-la sua, dominá-la. O interdito da sexualidade, como o da morte, resiste sempre a uma linguagem capaz de o esvaziar do seu poder. Quanto mais relevante, tanto mais difícil de traduzir por palavras. Com efeito, "em toda a parte – e sem dúvida desde os tempos mais remotos – a nossa actividade sexual está rodeada de segredo" (Bataille, 1988 [1957]: 94).

Será importante reconhecer que esta particularidade do sexo tem implicações educativas. Na verdade, pode parecer desejável reduzir o sexo a uma prática racional e sensata por via de um discurso prudente e de uma educação intencional, que garanta o sexo seguro e livre. No entanto, "acontece que, sem a evidência de uma transgressão, não experimentamos esse sentimento de liberdade necessária à plenitude do acto sexual" (Bataille, 1988 [1957]: 92). Talvez este seja um dos motivos que justificam a dificuldade em garantir o uso generalizado do preservativo. O uso de "proteção" sexual representa a introdução da racionalidade e do bom senso (também o medo de uma gravidez ou de uma doença) num ato cujo significado de transgressão é a sua própria essência: "a essência do erotismo reside na inextricável associação entre o prazer sexual

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e o proibido. Nunca, humanamente, a proibição surge sem a revelação do prazer, e nunca o prazer surge sem o sentimento da proibição" (Bataille, 1988 [1957]: 94).

A aura de mistério que envolve o sexo é um dos seus aspetos fundamentais e é relevante para a análise dos discursos sobre o sexo, em particular, no presente trabalho, os discursos educativo e mediático.