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4.4. Análise de conteúdo

4.4.3. O uso das questões jornalísticas

O volume de dados a tratar era elevado, e com uma grande dispersão em termos de informação pertinente e temas abordados. Assim, embora as temáticas noticiadas permitissem a criação de categorias, havia uma série de outras informações relevantes a considerar: a data da notícia, o local, as circunstâncias, os sujeitos noticiados e as suas motivações, para além de questões de linguagem e valores-notícia, por exemplo. Ter em conta estas informações, paralelamente à divisão dos dados em categorias, permite uma triangulação de perspetivas (Yin, 1994: 92) que enriquece a análise. Encontrou-se uma fórmula que, obedecendo às convenções da escrita jornalística, permitiu organizar de forma clara e interessante esta multiplicidade de informações: colocar as seis perguntas clássicas a que um lead jornalístico deve dar resposta: "quem?, o quê?, onde?, quando?, como?, porquê?", e procurar as respostas nos dados recolhidos. Segundo Mar de Fontcuberta,

"a actualidade jornalística é função da resposta que o jornalista obtém às seis perguntas, cuja justificação é a seguinte:

- O quê: são os acontecimentos, as acções e ideias sobre as quais a notícia vai informar; - Quem: são os protagonistas, os seus adversários e, em geral, todos os personagens que aparecem na notícia;

- Quando: situa a acção num tempo concreto, assinala o seu início, duração e termo; - Onde: delimita o espaço do desenrolar dos factos;

- Porquê: relata ao receptor os motivos que originaram os acontecimentos, os antecedentes, etc. Além disso, introduz, em muitos casos, elementos de valorização que ultrapassam a simples descrição dos acontecimentos;

- Como: descreve as circunstâncias e as modalidades de que os factos se revestiram." (Fontcuberta, 1999: 60).

Apesar do uso extensivo destas questões na produção de notícias, o seu uso para fins de investigação é também preconizado por Yin (1994: 5), como uma estratégia possível para a análise dos dados recolhidos num estudo de caso.

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A análise acabou por se centrar nas primeiras quatro questões, já que os títulos, dada a sua reduzida dimensão, dificilmente dão indicações relevantes sobre o "como" e o "porquê". Esta opção dá à pesquisa um caráter predominantemente descritivo e exploratório. Este exercício foi aplicado sucessivamente a cada uma das categorias criadas, bem como ao conjunto dos dados.

4.5. Síntese do capítulo

A pesquisa empírica deste trabalho consistiu num estudo de caso aplicado à Agência Lusa. Foram amostradas as notícias sobre sexualidade presentes no arquivo de texto online da Agência, produzidas entre 1987 e 2009. Os títulos destas notícias foram submetidos a análise de conteúdo, com recurso ao software NVivo, tendo sido criadas categorias de análise. Os dados foram ainda sujeitos a um estudo baseado nas quatro questões jornalísticas: "quem?, o quê?, onde?, quando?".

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"Os muitos papéis mergulham também o Papalagui1 numa espécie de embriaguez e de delírio.

(...) esses muitos papéis a que o Papalagui chama jornais.

É nesses papéis que está inscrito o grande saber do Papalagui. (...) É a primeira coisa para a qual se estende a mão do Papalagui, mal ele sai do sono. O Papalagui lê. Mergulha os olhos no que os muitos papéis contam. E todos os Papalaguis fazem o mesmo: lêem. Lêem o que os chefes de tribo de mais alta estirpe, ou os seus porta-vozes, disseram dos seus fonos2. Isto vem inscrito,

palavra por palavra, na tal esteira, mesmo quando eles disseram uma grande palermice. (...) Nada se passa no seu vasto país que não venha fielmente descrito nas esteiras de papel. A isso chama o Papalagui 'estar ao corrente de tudo'. Ele quer estar sempre ao corrente de tudo quanto se passa na sua terra desde o nascer ao pôr-do-sol e fica indignado quando qualquer coisa lhe escapa. Está sempre ávido de ler os papéis, muito embora lá se narrem também horríveis acontecimentos, que um homem sensato deveria querer esquecer imediatamente. Além disso, tudo quanto é mau e faz mal vem descrito com mais precisão do que aquilo que é bom, contado até ao mais pequeno pormenor, como se não fosse mais importante e mais gostoso dar conta do bem, em vez do mal.

(...) se encontrares o teu irmão e se já ambos tiverem mergulhado a cabeça nos muitos papéis, ficareis, tu e ele, sem qualquer notícia interessante para dar um ao outro, porque ambos têm a mesma coisa dentro da cabeça; e então ou vos calais, ou vos limitais a repetir o que dizem os muitos papéis.

(...) Os jornais são maus para o nosso espírito, não só porque relatam o que se passa, mas também porque nos dizem o que devemos pensar disto ou daquilo, dos nossos chefes de tribo ou dos chefes de tribo doutras terras, e de todos os acontecimentos e acções dos homens. Os jornais gostariam que todos os homens pensassem o mesmo. Atacam a cabeça e os pensamentos do indivíduo. Pretendem que toda a gente tenha cabeça e pensamentos iguais aos deles. E sabem como levar isso a cabo. Quem leia, pela manhã, os muitos papéis, saberá o que, ao meio-dia, o Papalagui tem na cabeça e em que pensa."

1 Papalagui – Homem branco 2 fonos – reuniões e festas

Tuiavii de Tiavéa, 1990 [1920]. O Papalagui. Discursos de Tuiavii, Chefe de tribo de Tiavéa, nos mares do Sul: 60-62

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Capítulo V

ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS

"O jornal é a loja da verdade." Robert E. Park, 1923: 275 in Mário Mesquita, 2005: 11