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Harue Tanaka Sorrentino Universidade Federal da Paraíba (UFPB)/ Grupo de pesquisa MEMUBA (UFBA)

hautanaka@hotmail.com Resumo: Trata-se da tese de doutorado em educação musical “Articulações pedagógicas no coro das Ganhadeiras de Itapuã: um estudo de caso etnográfico” em que foram analisados aspectos referentes à disseminação e divulgação de antigas tradições culturais e saberes musicais de um grupo cultural Ganhadeiras de Itapuã observadas através de seu processo de ensino e aprendizagem musical. Seu suporte teórico basilar – a abordagem PONTES – propõe um design para as interconexões pedagógicas entre pólos não hierarquizados de um processo educativo musical, em cujas partes se assentam, de um lado o educador, mediador, “mestres(as)” e de outro, o educando/aprendiz, permeados(as) pelas(os): relações sociais, identidades musicais e sociais, contexto músico-educativo-cultural. Tal relação educativa proveniente das articulações presentes, perceptíveis e realizadas em tempo real, que “implica em movimentos em direção ao uso de processos mentais de solução de problemas, de postura crítica e política diante das diversas situações e numa mentalidade de produção de conhecimento através da atitude de pesquisa na prática” (OLIVEIRA, 2008). A pesquisa teve por objetivo geral, observar, registrar, analisar e refletir sobre as articulações pedagógicas do grupo. Pode-se afirmar que os resultados, bem como as recomendações encontradas como corpo do texto final de suas análises, buscaram ressonâncias que viessem a produzir ecos na formação de educadores(as) e educadores(as) musicais, tornando-os aptos a avaliar e a repensar a prática de ensino musical sob o necessário exercício de resiliência.

Palavras chave: Abordagem PONTES, estudo de caso etnográfico, formação de educadores musicais.

An Ethnography Case Study Under the Theoretical PONTES Approach: analyses, reflections and resonances to the music educators formation

Abstract: The present work is part of a doctorate’s thesis in Music Education untitled “Pedagogic musical connections at the Ganhadeiras of Itapuã’s Choir: an ethnographic case study” in which were examined aspects related to the spread and dissemination of ancient cultural traditions and its music acquirements of a cultural group Ganhadeiras Itapuã observed through its music teaching and learning process. The principal theoretical reference is based on PONTES Approach (AP) that proposes a design for pedagogical interconnections between poles of a non-hierarchical music educational process whose parts are based on one hand, the educator, mediator, “teachers (as)” and the other, the student/apprentice crossed by: social, musical and social identities, context-musician-cultural education. Such educational relationship from pedagogical connections present, visible and performed in real time, that “implies movement toward the use of mental processes troubleshooting of critical stance and policy on the various situations and a mindset of knowledge production through the attitude research in practice” (OLIVEIRA, 2008). The research aimed to generally observe, record, analyze and reflect pedagogical connections of the group. It can be stated that the findings and

produce echoes in the training of educators and music educators, enabling them to assess and rethink the practice of music education in the necessary exercise of resilience.

Key words: Theoretical PONTES approach; estudo de caso etnográfico; formation of music educators.

Introdução

Essa comunicação é um excerto da tese intitulada “Articulações pedagógicas no coro das Ganhadeiras de Itapuã: um estudo de caso etnográfico” e que representa um olhar sob uma perspectiva multidisciplinar referente aos resultados alcançados pela pesquisa que teve por intuito priomordial discutir e propor elementos de um design pedagógico que poderá auxiliar os educadores musicais a repensar sua formação inicial e continuada.

Ao propor análises e, a partir de então, recomendações aos educadores, a presente pesquisa teve por cerne fomentar discussões sobre os novos espaços da educação musical (contextos não formais e informais) – contextos não escolares –, escolhendo um caso dentre os diversos exemplos de micro e macroprocessos de ensino e aprendizagem musical, baseando na crença de que devemos estar atentos para a rica “cultura informal do fazer musical do Brasil” (FEICHAS, 2006, p. 226) e para os saberes e competências musicais a exemplo dos que foram desenvolvidos pelo grupo estudado e que, hoje, tornam-se alvos, cada vez mais frequentes, do interesse de pesquisadores/educadores. Segundo Vasconcelos (2002, p. 108):

[...] as políticas educativas e culturais dos conservatórios alicerçadas numa ‘cultura de excelência’ baseada em critérios relacionados com a qualidade estética das obras e dos compositores estudados [...] conduziu[ram] à exclusão do seu espaço formativo de tudo o que não estivesse relacionado com esta postura. Esta ‘cultura de excelência’ tem como estrutura profunda no imaginário e na cultura dos conservatórios a diferenciação entre a ‘cultura cultivada’ e a ‘cultura popular’ (Santos, 1988). O primeiro caso valoriza-se e fundamenta-se com princípios ligados ‘à perenidade da obra e sua autenticidade relevando de um criador original [...], a cultura popular, por sua vez, é avaliada pela negativa uma vez que não se aplicam os princípios anteriormente referidos’ (p. 689). Esta perspectiva etnocêntrica, hierárquica e bipolarizadora entre estes diferentes tipos de cultura é uma das características que percorrem, ainda de uma forma dominante, este subsistema de ensino.

Durante as análises sobre as articulações pedagógicas realizadas pelo grupo, procuramos salientar as relações que os atores sociais mantinham com a cultura/comunidade itapuãzeira, o estímulo à valorização de um ambiente extraescolar

como produtor musical e cultural, lembrando que o conhecimento advindo de saberes intuitivos, espontâneos e, também, da tradição, originou-se em parte da própria história de vida de seus integrantes, passada de geração a geração, até mesmo porque a função de ganhadeira (aquela que sobrevive da atividade de ganho; vendedora de serviços/produtos), ainda, integra a realidade cotidiana de muitas delas.

Consoante Lopes (1999, p. 93-94 apud DIDIER, 2011, p. 102), “a produção simbólica das classes trabalhadoras é considerada parte da cultura, na qualidade de folclore, religião ou crença; contudo dificilmente a elas conferimos a denominação de saber ou conhecimento”. Assim, como ocorreu com o caso estudado, Brandão (1995, p. 106) nos explica que, dentro de grupos sociais ou da cultura popular, os “subalternos” (em relação à classe dominante, detentores do poder econômico, social e político) criam e recriam a sua própria educação, que não existiria só para difundir o saber, mas para reforçar o resistir.

Estudo de caso etnográfico

A metodologia adotada nessa investigação – estudo de caso etnográfico – teve suporte, também, a partir da visão de Flinders e Richardson (1992, p. 337) pautada no entendimento de que ambas as metodologias (estudo de caso e etnografia) vêm paulatinamente se ampliando em seus formatos (ethnographic case studies). Essa pesquisa encontra-se no esteio daquelas que abarcam a fusão de metodologias afins, não representando, portanto, escolhas arbitrárias, mas que respondem à necessidade de ampliação da visão sociocultural e antropológica em estudos, também, no campo da educação musical. O primeiro capítulo da tese tomou feições etnográficas, contando a história de vida das mulheres ganhadeiras-coristas e a história de seus(suas) antepassados(as), ao retratar cenas que remontam a um passado em que as “escravas de ganho” andavam de Itapuã até as freguesias do centro de Salvador com gamelas na cabeça para comercializar produtos e prestar serviços, dentre eles, lavagem e costura de roupas (“SORRENTINO”, 2012, p. 34). Salientamos que a fusão de ambas as histórias

deu originou ao grupo e argumento à manifestação cultural, dando-lhe substrato a partir de pressupostos que envolveram a “descrição da cultura” (etnografia) e da comunidade itapuãzeiras (ANDRÉ, 2008, p. 28).

Resssonâncias para os educadores musicais

A abordagem PONTES16 (AP) foi adotada como referencial teórico e consiste basicamente na constituição de uma rede articulatória definida pela metáfora “pontes”. Tal metáfora foi utilizada no sentido que se forma do acróstico para demonstrar que as articulações pedagógicas que o professor precisará realizar representam, de fato, as pontes que lhe permitirá chegar aos alunos e que poderão ocorrer, inclusive, através da zona de desenvolvimento proximal (ZDP) de Vygotsky, bem como através de um amplo processo de interconectividade (empatia, sensibilidade, comunicabilidade, etc.) (“SORRENTINO”, 2012, p. 126), a saber, pelo quadro de recomendações produzido na tese: a) das articulações ocorridas entre mim (a pesquisadora) e os atores sociais: alta positividade, naturalidade e conectividade em geral, dentre outros; b) entre o(a) articulador(a) e os aprendizes: busca por uma postura desafiadora, emprego da ludicidade nas articulações, respeitabilidade à individualidade dos aprendizes e a sua identidade, gosto musicais, principalmente, à vivência cultural e ao conhecimento prévio dos aprendizes; dentre outros tipos relacionais (Quadro 2 – Recomendações PONTES)(“ SORRENTINO”, 2012, p. 429).

Inter-relações entre música, cultura e a teoria de desenvolvimento de Vygotsky No âmbito da educação musical, ao discutirmos a questão da música popular (MP) (neste estudo, um repertório predominantemente de samba de roda), levamos em conta a inserção de determinada música (função social e cultural) e, marcadamente, a condição de seus participantes (idade/geração, classe, gênero, raça/etnia, etc.). A inserção da MP e de suas práticas tem sido uma preocupação que atinge os educadores

16 PONTES acróstico que se refere às características desejadas nas articulações a serem impingidas pelos

educadores representadas pela Positividade, Observação, Naturalidades, Técnica, Expressividade e Sensibilidade.

musicais, hodiernamente, e professores, em amplo sentido, sendo uma constante quando se trata de currículo e repertório, seja na educação básica ou no ensino superior (licenciaturas, cursos livres, cursos de música popular, bacharelados, etc.).

[...] trabalhar com a MP no ambiente escolar tem sido um desafio, uma vez que implica trabalhar com o contexto da cultura na qual a música ganha vida (é produzida, disseminada e recebida). Como fazer a transferência do contexto da aprendizagem na cultura/informal para a acadêmica/formal? Que concepções e vivências estão presentes no contexto da MP? Que metodologias ou pedagogias seriam apropriadas? (GROSSI, 2012).

Diante de indagações como essas e no afã de introduzir e transmitir conhecimento sobre a cultura popular e suas práticas/tradições/história, a academia/escola (universidades, escolas técnicas, estaduais e municipais, etc.) vem incentivando a participação de mestres e mestras da cultura nos espaços de ensino e aprendizagem musical através da promoção de seminários, oficinas e apresentações. Tais iniciativas visam despertar o interesse dos alunos pelos baluartes da nossa cultura popular (em várias regiões do país), a fim de preservar/divulgar a memória cultural/musical do país. Outrossim, promover a participação dos alunos, estimulando- os a conhecer sua própria cultura/história forjadas no seio das próprias comunidades de onde se originam. Desse modo, tratando igualmente de valorizar a vivência e conhecimentos prévios deles (SANTOS, 1990; PENNA, 1995, p. 90-91).

Ainda que ver sua cultura aceita pela escola não mude sua situação de opressão, permite ao aluno, que vem tendo sua voz negada dentro e fora da escola, reconhecer-se como portador de cultura, como autor de seu discurso, como agente ativo, capaz, portanto, de lutar pela melhoria de suas condições de vida. Não se trata, todavia, de supervalorizar a cultura popular. Nem ela, nem a cultura erudita devem ser mistificadas (ALVES, 2001, p. 41).

Vale salientar que foi o campo da cultura popular que serviu de marco teórico para o desenvolvimento da AP, passando a ser aplicada a estudos sistematizados em pesquisas dentro de instituições de ensino musical, a exemplo do projeto Mestres de Música da Bahia (MEMUBA) cuja primeira fase (2003-2006) centrou-se na coleta de material musical e dados referentes à história de vida dos mesmos. A presente pesquisa fez parte da segunda fase (2007-2010) em que se procurou um aprofundamento visando estudar o “Efeito da Aplicação do Modelo PONTES na Formação Continuada de Professores de Música” (Pesquisa apoiada pelo CNPq apud HARDER, 2008, p. 45-46).

Acredito que nossa pesquisa tentou avançar no sentido de analisar mais aprofundadamente a questão do conhecimento situado (LAVE e WENGER, [1991]

1999) e da aprendizagem, partindo de observações com base na teoria do desenvolvimento de Vygotsky (apud SALVADOR et al., 1999, p. 106) que entende que os processos superiores, como memória lógica, pensamento e atenção voluntária, podem ser realizados não só individualmente, mas mediante a relação, a comunicação e a interação com os outros. Nesse sentido, no plano relacional e interpessoal, as funções psicológicas ou mediações caberiam imediatamente aos mais capacitados através da regulação e controle do uso das estratégias e dos instrumentos mediadores envolvidos (por exemplo, a utilização de estratégias de recuperação de informação na memória). Isso ocorreu durante a pesquisa, quando algumas pessoas resolveram estimular as coristas através da memória afetiva a recuperar canções que se encontravam guardadas na memória coletiva do grupo. E que, a partir de alguns encontros, pudessem relembrar antigas músicas, parte do imaginário popular de sua comunidade, a fim de formar um repertório que seria trabalhado, ensaiado e aproveitado para os shows que estavam sendo programados. Assim, utilizaram a afetividade como parâmetro mediador interativo entre seus participantes, além do desenvolvimento do pensamento abstrato por intermédio do uso da linguagem adaptada ao ambiente e às pessoas presentes à interação, dentre outros.

A aprendizagem, como um aspecto da prática social, envolve a pessoa como um todo. [...] Atividades, tarefas, funções e entendimentos não existem isoladamente, elas são parte de amplos sistemas de relações no qual eles têm significado. [...] Portanto, identidade, conhecimento e qualidade de ser membro social vinculam-se um ao outro17 (LAVE e WENGER, [1991] 1999, p. 53, tradução nossa).

Schön e Oliveira: ideias análogas

Uma das analogias que marcaram essa pesquisa correspondeu à breve análise comparativa entre as ideias de Donald Schön e Alda Oliveira, fomentadas pela busca em função de um olhar aproximativo entre os autores. Em seu livro, Schön (2000) trabalhou

17 As an aspect of social practice, learning involves the whole person [...] Activities, tasks functions, and understandings do not exist in isolation; they are part of broader systems of relations in which they have meaning. [...] Thus identity, knowing, and social membership entail one another.

a noção de design, comparando a de execução musical ao arquitetônico, concluindo que:

Quando os estudantes são iniciados no talento artístico da execução musical, eles aprendem um tipo particular de processo de design. Simplificando, aprendem a ajustar meios técnicos a efeitos musicais desejados. No caso do compositor cujo exercício ‘pequeno e sensível’ [...] os estudantes são ajudados a distinguir os efeitos que eles dizem que produzem daqueles que eles realmente produzem na execução, como se disséssemos ‘aprenda o que você já sabe fazer, para que possa escolher o que irá querer fazer’(SCHÖN, 2000, p. 157).

A noção de design está presente em algumas citações de Oliveira (2004, p. 85), entendendo que para lidar com situações formais ou informais, os professores de música podem aprender e praticá-lo, compreendendo a concepção e a avaliando diferentes PONTES ou estruturas de ensino e aprendizagem que são adequadas a cada situação, assim como desenvolver uma postura de flexibilidade natural. Segundo a concepção da autora, o termo design corresponderia, então, a uma linha teórica e de pensamento na qual se pretende seguir um projeto construído a partir da natureza do professor [a pessoa], do ambiente [o contexto cultural], voltado a atender as necessidades do público-alvo [os alunos], orientado por intenções ou objetivos que visam atingir metas didático-musicais, funcionalmente eficazes. Tais elementos fariam parte, portanto, de modo sintético de um programa pedagógico musical e criativo (criação de um método próprio).

“Tudo é ensino prático”

Segundo Dewey (1974, p. 364 apud SCHÖN, 2007, p. 24), a ênfase na aprendizagem estaria posta através do fazer, sendo que o reconhecimento do curso natural do desenvolvimento sempre envolveria situações nas quais se aprende fazendo. Para Schön, portanto, tudo seria ensino prático. Ou seja, na educação para as artes encontrar-se-iam pessoas aprendendo o design, a performance e a produção, através do engajamento nessas respectivas áreas. O conhecimento profissional, no sentido dos conteúdos da ciência e do conhecimento acadêmico aplicado, ocuparia um lugar marginal nos limites do currículo. Schön (2007, p. 18-22) chama atenção para as chamadas zonas indeterminadas da prática, nas quais, muitas vezes, somente a aplicação técnica de um conhecimento acadêmico profissional não responderia às problemáticas enfrentadas pelos profissionais, fosse de qualquer ordem. Lembrando ainda que, apesar dos profissionais possuírem muito conhecimento específico da área e da didática, eles

apresentam sérias dificuldades em direcionar o aluno para uma aprendizagem significativa. Como comentado por Harder (2008, p. 46):

Por não conseguirem avaliar o grau de conhecimento que o aluno possui, por terem dificuldade de se aproximar da zona de desenvolvimento proximal do aluno (LA TAILLE et al., 1992), por não saberem como adaptar a linguagem técnica às vivências e ao nível de compreensão do aluno, por não levarem em conta as dificuldades que estes alunos trazem consigo, ou por não terem condições de identificar o nível de familiaridade do aluno com as experiências socioculturais do contexto, entre outros fatores.

A acepção sobre design pedagógico ou “customização” do ensino, palavras de Oliveira, traduz-se a partir de um olhar voltado para a educação musical em que se pretende formar o profissional/educador no intuito de preparar estudantes a adquirirem os tipos de talentos artísticos essenciais para desenvolver a competência profissional em zonas indeterminadas da prática. (“SORRENTINO”, 2012, p. 146).

Interação, conectividade, pontes e articulações: exemplificação

Para efeitos analíticos foram consideradas cenas de ensaios, bem como de apresentações públicas, entre outros (entrevista semiestruturadas, pesquisa bibliográfica, documental e via Internet, fotografias, diário de campo, etc.). Passamos, então, a transcrever alguns comentários referentes ao penúltimo episódio de 2009, a fim de exemplificar como foram realizadas tais observações/análises à luz da AP.

Com este ensaio, pude constatar que alguns tópicos da AP, ao longo do processo, se fizeram constantes. Elementos como conectividade, interação, pontes e articulações foram incessantemente presenciados no campo de estudo. Mais uma vez, a positividade e a naturalidade das ações tornaram-se visíveis aos olhos: no carinho com a impulsiva e irrequieta amiga, vizinha de coro [de Dona Nicinha e que se movimentava bastante ao cantar e sambar]; com a abertura que os músicos tinham para se manifestarem e opinarem diante do grupo; também, pela naturalidade da menina Evelin quando, por estar desconcentrada, não conseguiu realizar a abertura da música ‘Ai, tem dó’ e foi substituída por outra colega, sem demonstrar aborrecimento com o ocorrido. Tal atitude fez com que, num momento seguinte em que desafinou um pouco no seu solo, as demais colegas entrassem e fizessem coro, ajudando-a a cantar o trecho em que ela não entrara firme e afinada. [...] A observação adveio de todas as pessoas que fizeram parte do ensaio, aproveitando os momentos em que podiam fazer críticas ou apenas comentários, nunca extemporaneamente, pois as observações tinham lugar, hora e modo para serem realizadas. Pode-se dizer que as pessoas foram sensíveis nas suas observações, determinadas principalmente pela maneira como criticavam e ensinavam. Nesses momentos de conectividade intra e intergrupos menores, foi possível perceber que a relação de respeito aos mais velhos e aos colegas de trabalho estava sendo ativada, bem como as brechas para o desenvolvimento interpessoal e cognitivo. Sem espaço

para que a zona de desenvolvimento proximal atuasse, seria irremediavelmente impossível que tais articulações se fizessem acontecer, uma vez que o nível de articulação e interação determina o quanto somos capazes de absorver e elaborar o conhecimento.

Quando Vygotsky fala sobre o nível de desenvolvimento potencial e a ZDP, demonstra que estes possuem um caráter eminentemente social e interativo, não se tratando apenas de características intrínsecas da criança ou da pessoa em desenvolvimento, tampouco preexistindo à interação com outras pessoas, mas também se criando e ocorrendo no transcurso dessa interação (SALVADOR et al., 1999, p. 108). Em outras palavras, sem a construção das pontes, seria inócuo o aumento do nível de desenvolvimento potencial e da ZDP.

A manutenção da técnica adotada pelos participantes, de seu modus operandi, também fez parte do sucesso educativo que se viu, visto que o que estava dando certo não foi modificado.

Por fim, a expressividade daquelas pessoas em nenhum momento era tolhida ou recriminada. O exemplo de Jacy, a mais irreverente e animada do grupo, em nenhuma ocasião foi chamada sua atenção para que parasse de dançar ou de se mexer no palco, mesmo que, em alguns momentos, tamanha inquietude até tivesse prejudicado, de algum modo, sua performance em palco, como o distanciamento do microfone e consequente perda do som de sua voz para a plateia. Assim, percebe-se que as pessoas no grupo tinham um nível de sensibilidade e respeito pela expressão e manifestação de todas e do modo de ser de cada uma (“SORRENTINO”, 2012, p. 405-407).

Últimas considerações

Este trabalho, portanto, foi uma tentativa de contribuir para a aproximação entre estratégias pedagógicas e novos designs propostos para os âmbitos escolares a partir de um contexto de ensino não escolar e, ainda, discutir à luz da abordagem PONTES diretrizes que pudessem nortear a adoção de práticas musicais sugeridas aos educadores musicais.

Articulações foram evidenciadas e identificadas com base nos itens PONTES (sabendo-se, entretanto, que nada foi mencionado aos participantes a respeito da AP), tendo sido influenciadas pela cultura local, pelas metas propugnadas pelo próprio grupo,