• Nenhum resultado encontrado

ESTUDO DE CASO COM PEQUENOS INICIANTES AO PIANO.

Marcos Paulo Miranda Leão dos Santos UFC marcosleao1@yahoo.com.br

Resumo: Há relatos no ambiente educacional da considerável dificuldade de uma parcela dos iniciantes na leitura musical em assimilar a lógica da partitura tradicional. Com o presente estudo, procurei promover a reflexão sobre alternativas de aplicação do desenho amador como ferramenta de auxílio ao desenvolvimento da leitura musical tradicional. Assim, tive como objetivo investigar a eficácia do uso de traços horizontais, verticais e diagonais para a posterior fluência na leitura de partituras. Para tanto, fiz uso de desenhos criados pelas crianças em que a noção de altura musical associada às linhas do grafite foram inseridos no material musical do aprendiz de forma natural e criativa. Tive como referencial bibliográfico textos de autores como Jusamara Souza, Alessandra Nunes, Wasti Sivério Ciszevski, Ermelinda Paz e Murray Schafer. Os desenhos utilizaram materiais prévios do mundo da criança, como figuras de montanhas, prédios e pontes, que posteriormente foram interpretados pelo próprio autor dos traços tendo como base a mesma lógica da partitura melódica, em que as notas mais agudas estão acima das notas mais graves. Com a vivência gradativa da escrita, da leitura e da criação musical à partir dos desenhos criados pelas crianças, ficou evidenciado que a leitura da partitura entrou na vida musical dos educandos de forma mais orgânica: sem resistências, irritações ou desestímulos.

Palavras-chave: Desenho, Partitura Musical, Leitura Musical.

The design as a tool for the initial development of writing, reading and music creation: A case study with small beginners at the piano.

Abstract: There are reports in the education environment about the huge difficulty of some students at the beginner level to assimilate and understand the logic behind the traditional music sheet. In my study, I wanted to promote the reflection about how to apply amateur drawings as a tool to assist in the development of traditional music reading. My goal was to investigate the effectiveness of the use of horizontal, vertical and diagonal traces in the later stage of fluency in music sheet reading. To achieve this goal, I made use of children’s drawings in which the concept of musical height associated to charcoal line was inserted in the apprentice’s musical material in a natural and creative way. I had as a bibliographic reference the works of authors such as Jusamara Souza, Alessandra Nunes, Wasti Sivério Ciszevski, Ermelinda Paz and Murray Schafer. The student’s drawings consisted of common children categories such as mountains, buildings and bridges. After the drawings were completed, they were interpreted by the student using melodic sheets as a basis of comparison. The experiences with the gradual writing, reading and musical creation from the children’s drawings produced evidence that musical sheet reading started to be part of the student’s musical life in a more imaginative way, without resistance, irritations or disincentives.

Keywords: Design, Sheet Music, Reading Musical.

Os primeiros esforços de representar por notação a música ocidental datam do início do século IX e tinham como objetivo registrar fisicamente as músicas que até então se perpetuavam por meio de imitação e repetição oral (Souza, 2004, p. 209-210). A notação desse período era bem mais imprecisa que a notação tradicional de hoje e ainda não era usada como ferramenta pedagógica para o ensino música: o professor ensinava música através do seu exemplo e o educando aprendia por imitação e repetição. A partitura tradicional como a conhecemos hoje surgiu entre os séculos XV e XVI e desde então a usamos tanto para registrarmos novas composições, como para aprendermos músicas nunca antes ouvidas, tamanho é seu êxito em representar fielmente sons oriundos da música tradicional europeia.

Em nossa cultura, a partitura tradicional tem um papel considerável na construção da idealização da figura do músico ocidental. No imaginário de nossa sociedade, o verdadeiro músico é aquele que sabe ler com fluência a notação tradicional, com suas pautas, claves e armaduras. Esse pensamento coloca o músico em um pedestal difícil de ser alcançado por pessoas não alfabetizadas na escrita musical, fazendo com que a partitura tradicional deixe de ser um instrumento de universalização da música para ser também um instrumento de exclusão musical (Ibidem, 2004, p. 207- 208).

Na partitura tradicional, encontramos sistemas que foram se enrijecendo ao longo da história, como as linhas do pentagrama que dificultam a representação simbólica de sons não temperados, ou como as figuras de notas que obedecem à hierarquia da divisão temporal binária ou ternária dos sons fazendo com que durações que não estejam inseridas nessas divisões sejam “esquecidas” da música tonal tradicional pela dificuldade de registro. Pelo teor da riqueza de detalhes inserida nessa notação, que expressa o máximo de informação possível, como dinâmica, expressão, andamento, altura, etc., o papel do intérprete fica reduzido a mero decodificador de símbolos musicais que tem o árduo dever de executar fielmente a partitura lida, fato esse que não incentiva apropriadamente o desenvolvimento criativo nos educandos. Para educadores como Swanwick (2003) e Beineke (2009), o ato criativo não fica restrito à atividades de composição musical, tendo outras ações, como por exemplo, a própria performance musical, grande potencial de desenvolvimento criativo desde que o performer não se sinta sobrecarregado com o número de informações contidas na notação ficando o mais livre possível para se expressar.

Com o advento da música contemporânea, a partir do séc. XX alguns compositores optaram por registrar suas criações em notação não convencional por facilitar o registro de timbres até então não convencionais na música em voga. A notação não convencional também tem a característica de ser menos determinada do que a partitura convencional, abrindo um maior espaço para a criação dentro da execução do intérprete.

Para Jusamara (2004, p. 211), existem basicamente três tipos de grafias não convencionais: a) notação como símbolo icônico, como por exemplo, signos de relâmpagos para representar sons de trovões; b) notação associada à significação musical, como por exemplo, linhas em diagonais ascendentes para descrever sons que vão do grave ao agudo; e c) notação como registro da posição ou disposição corporal, como por exemplo, desenhos de braços de violões com as respectivas casas presas ou soltas para descrever acordes. Alguns educadores musicais, como Alessandra Nunes (2011), Wasti Sivério Ciszevski (2010) e Murray Schafer (1991), já vêm utilizando a notação não convencional em suas aulas em razão de sua inclinação ao pensamento reflexivo, criativo e contemporâneo.

Se voltarmos nossos olhares para a tecnologia computacional, veremos que já existem softwares, como o Editor Musical, desenvolvido pelo Laboratório da Escola Politécnica da USP, que estimulam a criação musical por meio de notação não convencional, em que cores variadas são usadas para cada família de instrumentos e em que os sons são simbolizados por linhas horizontais mais ou menos longas dependendo da duração das notas (WIKI).

Educadores musicais do início do século XX, conhecidos por sua educação ativa, nos alertaram que o aprendizado da música deve vir primeiramente com a prática, antes da leitura ou a escrita musical, estas virão naturalmente com a posterior necessidade e curiosidade do educando (FONTERRADA, 2008). Mas como iniciar o aluno na notação tradicional quando vier essa necessidade? Murray Schafer (1998, p. 228 - 267) propõe várias formas criativas de usarmos notações não tradicionais, misturando notações como símbolos icônicos com notações associadas à significações musicais. Para os alunos que ainda não eram iniciados na partitura tradicional, Schafer utilizava a grade musical, ferramenta esta, que para toda altura de nota se utilizavam linhas com alturas diferenciadas, e que para cada pulsação se utilizavam quadrados dispostos em lugares distintos da folha dependendo da altura e da localização no tempo

musical. Nessa notação por grade, muitas vezes se formavam desenhos que lembravam prédios ou montanhas, fato este que levou o compositor brasileiro Villa Lobos a transcrever contornos de montanhas ou de prédios em linhas melódicas (PAZ, 2001, p. 266). Dessa forma, a notação não convencional poderá muitas vezes se tornar mais próxima do mundo simbólico dos alunos do que a partitura tradicional, fato que propiciará uma associação visual-sonora muito mais natural.

O desenho como ferramenta para a musicalização ao piano

Comecei a lecionar aulas individuais de piano há mais de dez anos em escolas particulares de Fortaleza para alunos com idades variadas que iam desde os cinco aos setenta anos. Minha primeira experiência como professor aconteceu antes mesmo de concluir a licenciatura em música, fato esse que me fez ensinar da forma que na época achava a correta: à maneira que eu havia sido ensinado. Já na primeira aula, começava explicando o funcionamento do pentagrama e das claves de sol e de fá, e não entendia o porquê da expressão de decepção ou espanto que alguns dos alunos faziam depois dos cinquenta minutos transcorridos de aula, se fosse uma aula experimental, provavelmente esse aluno não mais voltaria, como muitas vezes aconteceu.

O piano é um instrumento extremamente visual por sua disposição das notas em teclas que vão da esquerda-grave ao agudo-direita. Já no primeiro contato com o instrumento, o educando tem a oportunidade de fazer a associação de que quanto mais à direita a nota estiver, mais aguda será, e que quanto mais a nota estiver à esquerda, mais grave será. Com isso, ele já terá uma relação visual-sonora construída sem ter precisado recorrer a qualquer tipo de notação musical. O teclado do piano se torna assim uma grande pauta musical! Talvez seja por isso que minha experiência como professor mostra que no piano a lógica da partitura é racionalizada mais rapidamente.

Minhas experiências com desenhos em aulas de piano começaram com atividades em folhas em branco onde eu desenhava personagens que tinham que atravessar montanhas ou prédios pra completarem pequenas missões. A criança tinha que ajudar seus amigos a completarem a tarefa, que poderia ser atravessar uma ponte ou percorrer uma floresta para chegarem a suas casas. Para isso as crianças teriam que tocar o contorno melódico dos percursos que os personagens teriam que trilhar. Assim, se o contorno fosse ascendente, o aluno teria que tocar do grave ao agudo, e se o contorno fosse descendente, teria que tocar do agudo ao grave! Desta forma a lógica

melódica da partitura tradicional e da notação associada à significação musical ficou assegurada.

Logo após as crianças terem entendido a lógica da leitura dos contornos, iniciei a prática da escrita e criação musical. Agora elas faziam seus próprios desenhos para depois tocarem o que tinham acabado de fazer, assim treinavam ao mesmo tempo a escrita e a leitura musical! Com a criação de desenhos próprios, eles se familiarizaram com a criação musical já nos primeiros momentos de aula. Depois invertíamos a ordem: primeiro se criava o som, e depois tentava-se a transcrição do som para o desenho. As crianças assim se desenvolveram musicalmente sem medo de criar, pelo contrário, brincavam criando.

Depois de algumas aulas se atendo a desenhos associados à significação musical, combinamos os desenhos de contornos com desenhos icônicos, como desenhos de trovões ou chuvas, que as crianças tinham que de alguma forma imitar o som natural. A passagem para a partitura tradicional se deu o mais paulatinamente possível adicionando em meio do desenho primeiramente uma linha e figuras de notas sem distinções entre si, depois quando o aluno estivesse seguro trabalhando com uma linha, as outras eram adicionadas até o número final de cinco. Só depois da adição total das linhas, que foram adicionadas outras figuras de notas como a figura de mínima e de semínima.

Conclusão

Percebi ao longo do semestre que os alunos que tiveram em suas aulas a ferramenta do desenho, conseguiram desenvolver a leitura, a escrita e a criação de forma satisfatória. O que nos chamou mais a atenção foi a alegria dos pequenos de virem para a aula de piano, e que a atividade de criação musical sempre era estimada e lembradas por eles. Quando adentraram na partitura tradicional, não foram detectados desestímulos ou barreiras de aprendizado. Concluímos que a desenho à traço pode ser uma ferramenta valiosa para a iniciação à leitura, escrita e composição musical.

Referências

BEINEKE, Viviane. Processos intersubjetivos na composição musical de crianças: um estudo sobre a aprendizagem criativa. 2009. 289 f. Tese (Doutorado em Música na érea de Educação Musical) – Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

CISZEVSKI

,

Wasti Silvério. Notação musical não tradicional: possibilidade de criação e expressão musical na educação infantil. Revista música na educação básica, Porto Alegre, V. 2, N°2, p. 23-33, 2009.

PAZ, Ermelinda. Pedagogia musical do século XX: metodologias e tendências. Brasília: Musimed, 2001.

SCHAFER, Murray. O ouvido pensante. São Paulo: UNESP, 1991.

SILVA, Alessandra. Paisagem sonora: escuta ativa e composição, uma proposta para a construção da escrita musical. In: ABEM, XX Congresso Anual, 2011, Vitória - ES. A educação musical no Brasil do século XXI. Vitória – ES: Editora da ABEM, 2011. P. 1915-1921.

SOUSA, Jusamara V. Sobre as múltiplas formas de ler e escrever música. In: NEVES, I. C. B. et. al. (org). Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. P. 207-216.

SWANWICK, K. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.

WIKI, The OLPC. Editor Musical. Disponível em:

O ENSINO DE MÚSICA NAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS