• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 A Educação na Era da Globalização 26!

2. Herança e promessa da escola 34!

2.1. Educar para a Cidadania 38!

De acordo com as reflexões de Carvalho (2010:18), a educação para a cidadania, tornou-se, na nossa contemporaneidade, uma exigência para responder aos desafios da construção da identidade pessoal e grupal, da sociedade ubiquitária, da sociedade da informação e comunicação, da ética da responsabilidade e da solidariedade e da defesa dos Direitos Humanos.

Autores como Fonseca (2000) e Perrenoud (2002) e organizações supranacionais como a ONU e UE assumem que a escola, antes de preparar as novas gerações para o mundo do trabalho e para uma sociedade que impõe o Homo Economicus e Consumens, tem a nobre função de educar os jovens para um conjunto de valores e de sentimentos de pertença a uma comunidade seja ela local, nacional ou transnacional e para uma participação ativa,

Capítulo 1 – A Educação na Era da Globalização

enquanto cidadãos, na vida da pólis seja ela política, cultural ou económica. A educação para a cidadania funciona como um instrumento de inserção dos indivíduos na sociedade e a sua ausência, como advoga Fonseca (2000:15), pode provocar vários constrangimentos entre os quais se salienta “a descriminação efetiva relativamente a questões como o acesso ao emprego ou à informação inibe o desenvolvimento de largas camadas da população, correndo-se o risco da marginalização e conduzindo esses grupos populacionais a uma atitude defensiva e de resistência”.

A educação para a cidadania é um assunto que diz respeito a todos: famílias, professores, educadores, meios de comunicação social e a todo o cidadão em geral. A cidadania como diz Perrenoud, (2002:69), está ligada com todos os momentos da vida coletiva o que pressuporia que cada adulto exercesse “o controlo social e a educação moral ou cívica” como uma missão de socialização. Todavia, Perrenoud (2002:68) constata o défice cívico que se observa na vida pública, expresso, por exemplo, nos constrangimentos que as pessoas têm em chamar a atenção de alguém com comportamentos transgressores.

Savater (1997:47) tece críticas severas às famílias por desistirem de assumir responsabilidades individuais relativamente à educação cívica dos mais novos: “Que pena que sentimos de vós, pobres famílias” Cada vez mais, as famílias se anulam face à tarefa de desenvolver a consciência social das crianças “entregando-as” aos professores, mas irritando-se face às falhas destes.

Perante a desresponsabilização das famílias e cidadãos em geral, cabe à escola responder aos novos desafios, como defende Perrenoud (2002:70):“Se a educação para a cidadania não é, ou já não é, da responsabilidade de todos os cidadãos, deve, em contrapartida passar a ser da responsabilidade de todos os professores”. Assim, a educação para o exercício da cidadania tornou-se, na nossa contemporaneidade, um objetivo nuclear e pragmático da escola que educa cidadãos, para de forma criativa, tirarem partido de possibilidades e recursos existentes e se tornarem participantes e corresponsáveis do mundo em que vivem como atores sociais, construtores de si mesmos e da sociedade.

Este desígnio socializador da escola é exigido por instituições internacionais e governos nacionais:

A ONU, no artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), reconhece a escola como um instrumento fundamental para desenvolver valores de cidadania:

[…] A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da Paz.

Assim, a escola não pode alhear-se da aplicação, consolidação e expansão dos direitos humanos, concebidos para uma cidadania universal que privilegia valores de igualdade, fraternidade, liberdade, solidariedade, cooperação, respeito pelos outros, diálogo, tolerância e paz.

Também o Comité de Ministros dos Estados-Membros da UE numa Recomendação (2002) sobre a Educação para a Cidadania Democrática, dirigida a todos os Estados-Membros do Conselho da Europa, assinala o papel de todos os níveis e componentes dos sistemas educativos, isto é, o ensino básico, secundário (geral e formação profissional específica), superior (universitário e não universitário) e educação de adultos, no desenvolvimento da aprendizagem para a cidadania.

Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa (1976) consagra no artigo 73º os princípios orientadores da educação ao prescrever o direito de acesso à educação para todos, a democratização do ensino traduzida numa justa e efetiva igualdade de oportunidades e o desenvolvimento total da pessoa:

O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva (artigo 73º).

Capítulo 1 – A Educação na Era da Globalização

De acordo com os preceitos constitucionais, a Lei Bases do Sistema Educativo Português (LBSE, 1986) aponta para a necessidade e a importância da Educação para a Cidadania. Esta Lei, no Capítulo I Âmbito e Princípios, Artigos 2º e 3º define, claramente, as caraterísticas do cidadão ideal que deverá ser: livre, responsável, autónomo, solidário, possuidor de um espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros, das suas ideias e das suas culturas, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, critico e criativo, capaz de uma reflexão consciente sobre os valores espirituais estéticos, morais e cívicos; possuidor de capacidade de trabalho e vida ativa e, ainda, um utilizador criativo de tempos livres.

No sistema educativo português, a partir da LBSE (1986), o conceito de educação para a cidadania esteve associado a diferentes formas de operacionalização curricular que se foram experimentando ao longo das duas últimas décadas, como a organização de áreas interdisciplinares específicas - a Área-Escola, a Área de Projeto e o Projeto Tecnológico; a existência de disciplinas com orientações específicas sobre cidadania, como foi a tentativa de implantação da disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social (DPS), a introdução da disciplina de Formação Cívica no ensino básico (Decreto- Lei nº 6/2001 de 18 de janeiro) e, recentemente, no 10º ano de escolaridade (Decreto-lei nº 50/2011 de 8 de abril); a definição de temas transversais como os assinalados no documento Educação para a Cidadania – Proposta Curricular para os Ensinos Básico e Secundário (2011) e o incentivo à vivência e participação na comunidade educativa como as eleições para delegados de turma, Associação de Estudantes, representantes na Assembleia de Escola e a oportunidade de participar e desenvolver variados projetos.

Em junho de 2011, o Ministério da Educação/DGIDC publica o estudo, - Educação para a Cidadania: Proposta Curricular para os Ensinos Básico e Secundário -, solicitado pelo ME a um grupo de trabalho, que visa responder:

Às necessidades de formação dos jovens neste domínio, acompanhar as tendências atuais e as recomendações a nível da União Europeia e centralizar as medidas avulsas sobre educação para a cidadania que têm vindo a surgir, ao longo dos anos, em áreas curriculares disciplinares e não disciplinares.

Segundo os autores do documento, coordenado por Maria Emília Brederode Santos (2011), a cidadania aprende-se de várias maneiras mas requer a vivência da cidadania. No referido documento, reconhecem-se as vantagens da escola para tal vivência, quer dentro dela, construindo-se relações de diálogo e de respeito mútuo, criando-se oportunidades de participação ou lutando contra ações discriminatórias, quer fora do espaço escolar quando se realizam visitas de estudo, intercâmbios, experiências de voluntariado e se participa em órgãos democráticos ou outros. O documento apresenta, ainda, as competências que os alunos dos Ensinos Básico e Secundário devem desenvolver: descentração, empatia, pensamento crítico e criativo, comunicação, argumentação e participação. Estas competências não são específicas de uma determinada disciplina mas são da responsabilidade das áreas curriculares disciplinares e não disciplinares que constituem os currículos escolares, nomeadamente através de matérias integradoras a definir de acordo com a matriz curricular de cada ciclo de ensino e com o Projeto Educativo de Escola. Defende-se, assim, a transversalidade da educação para a cidadania.

A Educação para a Cidadania não se resolve, como nos diz Perrenoud (2002:16), “introduzindo na grelha horária uma ou duas horas semanais” mas, diz respeito a todos os intervenientes na comunidade educativa e, fundamentalmente, a todos os docentes, como relembra este autor (2002:16) ao fazer alusão a Vellas (1993): “O essencial não progredirá se esta educação não estiver implicada no cerne das disciplinas, de todas as disciplinas”. É, pois, evidente que a questão da educação para a cidadania na escola, como assinala Fonseca (2000:47), deve deixar de ser “um objetivo educacional e se transforme num processo pedagógico em si mesmo, assumido e concretizado por todos os agentes implicados no ato educativo”.

O referido documento (2011) sugere um conjunto de temas de “grande pertinência social atual” que podem ser trabalhados no âmbito da Educação para a Cidadania, tais como, direitos humanos, ambiente e desenvolvimento sustentável, igualdade de género, saúde e sexualidade, media, consumidor, paz, interculturalidade, mundo do trabalho, empreendedorismo, educação financeira e dimensão europeia da educação. Ora, o desenvolvimento destas temáticas não passa apenas, como se defende no documento (2011:28) “pela

Capítulo 1 – A Educação na Era da Globalização

aquisição do conjunto de saberes, capacidades e atitudes que lhe estão associados, mas igualmente por viver a cidadania”. Os processos de ensino associados a esta perspetiva são os que favorecem a intervenção progressiva do aluno, individualmente e em cooperação com os outros, contextualizada ao seu grau de maturidade e nível de ensino. Requer-se, assim, a aplicação de pedagogias centradas na aprendizagem, com enfoque na qualidade do desempenho do aluno e a utilização de condições e situações estimulantes do ponto de vista intelectual como refere Perrenoud (2002:19), “[…] a educação para a cidadania está intimamente ligada às pedagogias ativas e construtivistas, à didática das disciplinas, à relação com o saber”.

O processo pedagógico de educação para a cidadania deve, segundo Perrenoud (2002:15-16), permitir que cada um obtenha conhecimentos e competências necessárias para enfrentar as complexidades do mundo e da sociedade; mobilizar saberes para desenvolver a razão, o respeito pelos factos e pela opinião dos outros; consagrar tempo, meios, competências e inventividade didática a um trabalho, intenso e constante, sobre os valores, as representações e os conhecimentos que sustentam a democracia e qualquer contrato social.

Em conclusão, a educação para a cidadania, sendo um processo individualizado e uma construção social interativa, é a via para a formação de um cidadão, integrado socialmente porque consciente, solidário e cooperativo, ativo, interveniente e tolerante é capaz de enfrentar o presente e o futuro cheios de incertezas, tornando-se “cidadão do mundo contemporâneo”.

2.2. Educar para as profissões: Formação Profissional no