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CAPÍTULO III AVALIAÇÃO DOSE-RESPOSTA

III.4. Efeitos Com Limiar e Efeitos Sem Limiar

III.4.1. Efeitos Com Limiar

Para a avaliação da relação dose-resposta de efeitos com limiar um dos primeiros passos é identificar o NOAEL utilizando-se o estudo crítico realizado com a espécie mais sensível, para a partir daí calcular a Dose de Referência (DRf) ou Concentração de Referência (CRf), dependendo da via de exposição (Quadro III.4). Os princípios gerais que orientam a avaliação da relação dose-resposta baseiam-se nas seguintes suposições (ver Quadro III.5) (EPA, 1991):

• as informações obtidas a partir de estudos epidemiológicos em seres humanos são preferíveis do que as obtidas a partir de estudos experimentais de laboratório com animais;

• os seres humanos são tão sensíveis como a espécie animal mais sensível;

• o risco significativo de sofrer algum efeito tóxico sistêmico só ocorre quando se extrapola a dose limiar para o dito efeito;

• a implicação normativa do conceito de dose limiar para as substâncias que não causam efeitos carcinogênicos é a Dose de Referência (DRf) ou a Concentração de Referência (CRf).

Seleção do Estudo Crítico

O estudo crítico é aquele que determina o NOAEL que será utilizado como base para o cálculo da DRf. Ao avaliar dados provenientes de estudos em animais, geralmente se faz uma série de julgamentos profissionais que incluem, entre outros, a consideração da qualidade científica dos estudos. Quando são apresentados dados de vários estudos em animais, o avaliador do risco deve verificar primeiro o modelo animal que é mais pertinente para os seres humanos, utilizando para isso os dados biológicos mais bem fundamentados e contundentes (pôr exemplo, os dados farmacocinéticos comparativos). Na ausência da espécie claramente mais pertinente, os avaliadores usam a espécie mais sensível, ou seja, a que apresentou um efeito tóxico decorrente da dose mais baixa administrada, uma vez que não há nenhum segurança de que os seres humanos não sejam, intrinsecamente, tão sensíveis quanto a espécie mais sensível testada. Este processo de seleção é mais difícil quando as vias de exposição em

estudos com animais são distintas daquelas associadas a situação humana sob investigação. Para utilizar dados de estudos controlados ou de animais geneticamente homogêneos, o avaliador deve também extrapolar de animais para seres humanos, e de altas doses experimentais até exposições ambientais comparativamente baixas, levando em consideração a heterogeneidade humana e as possíveis exposições múltiplas em seres humanos (EPA, 1991).

Em termos simplificados, um nível de exposição experimental é selecionado a partir do estudo crítico, representando o nível mais alto testado que não produziu nenhum "efeito adverso". Na prática, isto corresponde ao fato de, quando se tem vários NOAELs igualmente confiáveis, se eleger o valor mais baixo encontrado. Este NOAEL é a informação chave extraída do estudo da relação dose-resposta e tradicionalmente é a base primária para avaliação científica do risco que os tóxicos sistêmicos representam para os seres humanos. Este enfoque se baseia na suposição de que se o efeito tóxico crítico é evitado, também serão evitados todos os outros efeitos tóxicos. Mais formalmente, o NOAEL é definido como a dose experimental mais alta de uma substância, na qual não há um aumento estatísticamente importante na frequência ou gravidade de um efeito adverso, em indivíduos de um grupo exposto, quando se compara com indivíduos de um grupo controle apropriado. Como pode se observar, podem haver diferenças profissionais de opinião ao julgar se uma resposta particular é adversa ou não. Além disso, o NOAEL é uma função do tamanho da população em estudo. Nos estudos com um número pequeno de animais, é menos provável que sejam detectados efeitos com doses baixas que em estudos que utilizem grandes números de animais. Também, se o intervalo entre doses em um experimento é grande, é possível que o NOAEL determinado experimentalmente, seja menor que o que se observaria em um estudo que utilize doses sobrepostas (EPA,1991).

O resultado crítico é o efeito tóxico utilizado como base para o cálculo da DRf. Em estudos com determinadas substâncias, pode-se obter mais de um efeito tóxico, até em um mesmo animal em estudo ou em testes de mesma ou diferentes durações de exposição (estudos de exposição aguda, sub-crônica e crônica). Em geral, os NOAELs para estes efeitos serão diferentes. O resultado crítico utilizado na avaliação de dose-resposta é aquele efeito que mostre o menor NOAEL (Quadros III.6 e III.7) (EPA, 1991).

Estabelecimento da Dose de Referência (DRf)

A DRf é uma dose derivada operacionalmente do NOAEL através da aplicação consistente de fatores de incerteza (FI), geralmente em várias ordens de magnitude, que refletem os diversos tipos de critérios utilizados para calcular as DRfs (Quadros III.8 e III.9). Pôr exemplo, um NOAEL crônico e válido para animais, se divide normalmente entre

um FI de 100. Além disso, as vezes se utiliza um fator de ponderação (FP) baseado em um julgamento profissional sobre a base da qualidade dos dados que levaram ao NOAEL (OPS/EPA, 1996)

A abordagem padrão tradicional, para estabelecer níveis “aceitáveis” de exposição para substâncias que produzem efeitos com limiar, determina que o NOAEL deve ser reduzido de um FI, que leve em consideração diferenças intra e interespécies. Um FI de 10 foi proposto nos raros casos onde dados válidos de exposição crônica em seres humanos são disponíveis. Este fator de 10 é geralmente utilizado para contemplar a variabilidade interindividual entre seres humanos, embora seja insuficiente para proteger a maioria de indivíduos susceptíveis, na existência de idiossincrasias (Klaassen et al., 1991).

Na maioria das vezes, dados confiáveis de exposição em seres humanos, não são disponíveis para uma determinada substância, devendo-se então extrapolar estes dados a partir de estudos de exposição crônica em animais. Um FI de 100 é geralmente empregado, sendo que um fator de 10 refere-se a diferenças interindividuais na população humana e um fator de 10 refere-se a diferenças interespécies (10 x 10). Quando são analisadas substâncias para as quais não existem dados confiáveis de exposição crônica em animais, adiciona-se um FI de 10 ao fator 100 anterior, e portanto, um FI de 1000 deve ser utilizado. O objetivo principal do uso de fatores de incerteza (FI) é estabelecer níveis de exposição que sejam “protetores” para a saúde humana (Klaassen et al., 1991)).

Estes fatores e as indicações de como utilizá-los ao derivar a DRf são apresentados nos (Quadros III.10 e III.11)

A DRf é determinada através da equação(Quadro III.12): DRf = NOAEL / (FI x FP)

Em geral, a DRf é o cálculo (com uma incerteza que talvez ultrapasse uma ordem de magnitude) de uma exposição diária na população humana (incluindo grupos sensíveis) que pode ocorrer durante a vida sem um risco apreciável de efeitos deletérios. A DRf em geral se expressa em unidades de mg pôr kilograma de peso corpóreo pôr dia (mg/kg-dia) (ver Quadro III.9) (Klaassen et al., 1991).

A DRf é útil como um ponto de referência a partir do qual é possível medir efeitos potenciais da substância em outras doses. Geralmente, não se associam doses menores da DRf com riscos adversos para a saúde, e portanto, é menos provável que estas tenham um interesse normativo. A medida que aumenta a frequência ou a magnitude de exposições que excedam a DRf, aumenta a probabilidade de efeitos adversos em uma população humana. Entretanto, não se deve concluir categoricamente que todas as doses abaixo das DRfs sejam aceitáveis (ou

estejam livres de risco) e que todas as doses acima da DRf sejam "inaceitáveis" (ou que resultem em efeitos adversos) (EPA, 1991; Klaassen et al., 1991).

Os FI e FP servem para categorizar a qualidade e a solidez das evidências disponíveis e a partir daí estabelecer a DRf (Quadro III.13). Os elementos de juízo para esta categorização são (Quadro III.14) (OPS/EPA, 1991):

a) a qualidade da informação; b) o poder estatístico dos estudos;

c) a quantidade e o tipo de efeitos estudados;

d) a consistência das observações nos diferentes tipos de estudos;

e) a relevância da duração e das vias de exposição utilizadas, tanto para as espécies animais utilizadas em estudos experimentais, quanto para seres humanos;

f) a relevância das doses administradas e das espécies utilizadas para a situação humana;

g) as informações sobre toxicocinética.

Estes elementos de juízo para avaliação e categorização das evidências permitem categorizá-las como (Quadro III.15) (OPA/EPA, 1991)

1) suficientes - aquelas que incluem resultados que coletivamente proporcionam informações suficientes para decidir se existe a probabilidade de que a substância produza efeitos adversos para a saúde

2) suficientes em seres humanos - aquelas que incluem informações provenientes de estudos epidemiológicos que proporcionam evidências suficientes que permitam decidir se existe uma relação causal entre a exposição e os efeitos adversos;

3) suficientes em animais, mas limitadas em seres humanos - aquelas que incluem informações obtidas a partir de estudos experimentais em animais e/ou evidências limitadas provenientes de estudos em seres humanos, que proporcionem evidências convincentes sobre o potencial de uma substância produzir efeitos adversos. As evidências mínimas necessárias para julgar o potencial de riscos incluem a demonstração do efeito de um estudo bem realizado em pelo menos uma espécie animal. A evidência mínima necessária para julgar que o potencial de risco não existe, inclui a informação proveniente de estudos bem realizados em pelo menos duas espécies diferentes de animais;

4) insuficientes - aquelas em que não há a evidência mínima suficiente(Quadro III.15).