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EJERCICIO DE EVALUACIÓN DE RIESGOS SOBRE BENCENO

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Academic year: 2021

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EJERCICIO DE EVALUACIÓN DE RIESGOS SOBRE

BENCENO

Por: Carlos Machado de Freitas

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ÍNDICE

CAPÍTULO I: O CONCEITO DE RISCO

CAPÍTULO II: IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO

CAPÍTULO III: AVALIAÇÃO DOSE-RESPOSTA

CAPÍTULO IV: AVALIAÇÃO DE EXPOSIÇÃO

CAPÍTULO V: CARACTERIZAÇÃO DE RISCO

CAPÍTULO VI: AVALIAÇÃO DE RISCOS, PROCESSOS DECISÓRIOS E GERENCIAMENTO DE RISCOS

CAPÍTULO VII: ESTUDOS DE CASO DOS TRABALHADORES EXPOSTOS AO BENZENO EM UMA REFINARIA DE PETRÓLEO

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CAPÍTULO I - O CONCEITO DE RISCO

I.1. Origem do Conceito de Risco

De acordo com Freitas et al. (1997), o termo risco surge com o próprio processo de constituição das sociedades contemporâneas a partir do final do Renascimento e início das revoluções científicas. Nesse período ocorreram intensas transformações sociais e culturais associadas ao forte impulso nas ciências e nas técnicas, às grandes navegações e à ampliação e fortalecimento do poder político e econômico de uma nascente burguesia. Tem sua origem na palavra italiana riscare, cujo significado original era navegar entre rochedos perigosos. Esta palavra foi incorporada ao vocabulário francês pôr volta do ano de 1660 (Rosa et al., 1995).

O conceito de risco que se conhece atualmente provém da teoria das probabilidades, sistema axiomático oriundo da teoria dos jogos na França do século 17 (Douglas, 1987). Tem pôr pressuposto a possibilidade de prever determinadas situações ou eventos pôr meio do conhecimento – ou, pelo menos, possibilidade de conhecimento – dos parâmetros de uma distribuição de probabilidades de acontecimentos futuros pôr meio da computação das expectativas matemáticas (FGV, 1987).

O conceito probabilístico de risco é predominante na atualidade e está associado ao potencial de perdas e danos e de magnitude das consequências. Porém, até o período anterior à Revolução Industrial o que dominava era sua compreensão como manifestação dos deuses. Da Antiguidade até meados do século 18, eventos como incêndios, inundações, furacões, maremotos, terremotos, erupções vulcânicas, avalanchas, fomes e epidemias eram compreendidos como manifestações da providência divina, de modo que para revelá-los e prevê-los tornava-se necessário interpretar os sinais "sagrados" (Theys, 1987).

Covello et al. (1985), apresentando uma perspectiva histórica da avaliação e do gerenciamento de riscos, consideram o grupo denominado Asipu, que viveu na Mesopotâmia pôr volta de 3.200 a.C., como um dos primeiros que realizavam algo similar ao que hoje entendemos como “avaliação de riscos”. Em suas análises, esse grupo identificava as importantes dimensões do problema em questão e as ações alternativas face ao mesmo, coletando dados sobre os possíveis resultados de cada alternativa. Os melhores dados disponíveis eram considerados sinais dos deuses, que os sacerdotes do grupo Asipu estavam especialmente qualificados para interpretar, selecionando a partir deles a melhor alternativa (Freitas, 1996).

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O processo de laicização das situações e eventos considerados perigosos e sua transformação em riscos, implicando na previsibilidade a partir da probabilidade, ocorreu de modo mais sistemático somente a partir da Revolução Industrial. Esteve relacionado a filosofia iluminista, ao fim das epidemias de pestes e a conversão da ciência e da tecnologia enquanto eixos de poderosas transformações na sociedade e na natureza. Nesse processo, através do desenvolvimento científico e tecnológico e das conseqüentes transformações na sociedade, na natureza e na própria característica e dinâmica das situações e eventos perigosos, o homem passa a ser responsável pela geração e remediação de seus próprios males. O conceito de risco tal como é predominantemente compreendido na atualidade resulta desse processo, cabendo ao próprio homem a atribuição de desenvolver, através de metodologias baseadas na ciência e tecnologia, a capacidade de os interpretar e analisar para melhor os controlar e remediar (Freitas et al., 1997).

I.2. O Conceito de Risco no Mundo Contemporâneo

A compreensão das transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e enfrentar as situações e os eventos perigosos e sua transformação em riscos inevitavelmente nos remete à compreendermos as mudanças em sua própria natureza e dinâmica. Se, pôr um lado os avanços científicos e tecnológicos contribuíram para a redução da prevalência de determinadas doenças associadas a fome e as pestilenças, pôr outro fez surgir e aumentar novos riscos, como os radioativos, químicos e biológicos. Estes riscos gerados pelo próprio homem são fundamentalmente diferentes em termos de características e magnitude dos encontrados no passado. Fazem parte do quotidiano de milhões de pessoas e podem ser encontrados nos seus locais habitação ou trabalho, na cadeia alimentar, no solo que pisam, no ar que respiram, nas águas que consomem (Freitas et al., 1997).

O caso dos riscos químicos industriais é paradigmático nesse processo. Conforme demonstra Freitas (1996), a partir da II Guerra Mundial, o crescimento e a ampliação da economia em escala mundial contribuíram imensamente para o desenvolvimento e a expansão da indústria química. Essa indústria teve o papel de criar e suprir a demanda pôr novos materiais e produtos, como medicamentos, polímeros sintéticos, corantes, aditivos, solventes, combustíveis, explosivos e agrotóxicos, entre outros. A natureza altamente competitiva dessa indústria e o crescimento da economia mundial, aliados à mudança na base do carvão para o petróleo e ao rápido avanço na tecnologia de sínteses químicas e de processos industriais, possibilitaram o aumento das dimensões das plantas industriais e da complexidade dos processos, bem como da capacidade de produção, armazenamento e transporte de produtos químicos (Haguenauer, 1986; UNEP, 1992).

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Segundo Freitas et al. (1995), a comercialização mundial de produtos químicos orgânicos nesse período, pôr exemplo, possibilita dimensionar o crescimento e a expansão da indústria química, que passou de 7 milhões de toneladas, em 1950, para 63 milhões em 1970, 250 milhões em 1985 e 300 milhões em 1990 (Korte et al., 1994). Uma planta para craquear nafta e produzir 50.000 toneladas/ano de etileno era considerada de grande porte até os anos 60. Nos anos 80, essa dimensão seria considerada antieconômica, e plantas industriais 10 vezes maiores para a produção de etileno e propileno ultrapassariam a escala de produção de 1 milhão de toneladas (Weyne, 1988; Theys, 1987). Ainda nesse período, a capacidade de transporte dos navios petroleiros passou de 40.000 para 500.000 toneladas, e o armazenamento de gás, de 10.000m3 para 120.000/150.000m3 (Theys, 1987).

De acordo com Porto et al. (1997), dados do Programa Internacional de Segurança Química, demonstram que existem mais de 750.000 substâncias conhecidas no meio ambiente, sendo de origem natural ou resultado da atividade humana (IPCS, 1992a). Cerca de 70.000 são cotidianamente utilizadas pelo homem, sendo que aproximadamente 40.000 em significantes quantidades comerciais (IPCS and IRPTC, 1992). Desse total, calcula-se que apenas cerca de 6.000 substâncias possuam uma avaliação considerada como minimamente adequada sobre os riscos ao homem e ao meio ambiente. Para os autores, acrescente-se à este quadro a capacidade de inovação tecnológica no ramo químico, que não só vem complexificando os sistemas tecnológicos de produção, como colocando disponível no mercado a cada ano entre 1.000 e 2.000 novas substâncias (Porto et al., 1997).

Além das mudanças nas dimensões das plantas industriais e na capacidade de produção, transporte e armazenamento de produtos perigosos, do aumento do número de pessoas expostas a riscos e da transformação na natureza dos riscos, acrescentam-se outros fatores que contribuíram para uma mudança radical no status social dos riscos. Nos países centrais da economia mundial, Theys (1987) observa que mais de 80% do público e 60% dos dirigentes consideraram que, globalmente, os riscos nos anos 80 eram mais importantes do que 20 ou 40 anos ou até um século antes, evidenciando a mudança.

Covello e Mumpower (1985), em abordagem histórica de análise e gerenciamento de riscos, principalmente nos E.U.A., apontam nove fatores que consideram importantes para a compreensão das transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e enfrentar os riscos nos países centrais da economia mundial.

O primeiro seria a mudança na própria natureza do risco. As principais causas de óbito foram deixando de ser atribuídas às doenças infecciosas para privilegiar as crônicas degenerativas. O mesmo aconteceu com os acidentes. Até meados do século 19 os acidentes de trabalho, como os que ocorriam nas minas de carvão, apresentavam taxas altas. Em anos

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recentes, essas taxas, se comparadas àquelas do passado, caíram bastante. Fenômeno semelhante envolve os desastres naturais. Entretanto, enquanto esses tipos de acidentes vieram diminuindo, outros cresceram. No início do século, era insignificante o número de acidentes com veículos automotores, que, entretanto, nos anos 80, responsabilizavam-se pôr elevados números de óbitos.

O segundo fator seria o aumento na média de expectativa de vida. Na Idade Média a expectativa de vida era de 20 a 30 anos. No início deste século era de 51 anos para mulheres e 48 anos para homens. Já em 1975 alcançava os 75 anos para mulheres e 66 para homens.

O terceiro foi o crescimento de novos riscos, fundamentalmente diferentes em termos de características e magnitude, dos encontrados no passado e atribuídos à natureza ou a Deus. Riscos radioativos, químicos e biológicos, todos gerados pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, passaram a fazer parte do quotidiano de milhões de pessoas, na forma de acidentes ou não. Além desses, acrescentam-se outros, de caráter global, como o buraco na camada de ozônio, o aquecimento do planeta e as chuvas ácidas.

O quarto foi o desenvolvimento de testes de laboratório, métodos epidemiológicos, modelagens ambientais, simulações em computadores e avaliação de riscos na engenharia, os quais possibilitaram avanços na habilidade dos cientistas em identificar e medir os riscos. Esses avanços passaram a permitir aos cientistas detectar falhas em projetos de sistemas de engenharia extremamente complexos e estabelecer nexos causais – embora algumas vezes frágeis – entre determinados perigos e resultados adversos, mesmo os potencialmente causados pôr quantidades de substâncias carcinogênicas ou mutagênicas muitíssimo pequenas, tal como partes pôr trilhão (ppt).

O quinto fator foi o aumento no número de cientistas e analistas que passaram a ter como foco de seu trabalho os riscos à saúde, segurança e ao meio ambiente. A análise de risco emerge, nos anos recentes, como uma disciplina e profissão, com sociedades próprias, reuniões anuais, livros, periódicos científicos e newsletters.

O sexto foi o crescimento no número de análises quantitativas formais produzidas e utilizadas para os processos decisórios sobre gerenciamento de riscos. O aumento no volume de processos decisórios apoiados em análises de riscos quantitativas altamente técnicas, refletiu uma tendência para prever, planejar e alertar em vez de dar respostas ad hoc às crises geradas pelos riscos.

O sétimo fator foi a ampliação do papel do governo federal na avaliação e no gerenciamento de riscos. Esse crescimento deu-se mediante: a) desenvolvimento da legislação no campo da saúde, segurança e do meio ambiente; b) crescimento das agências

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públicas encarregadas do gerenciamento desses riscos; c) aumento dos casos relacionados ao assunto que alcançaram a esfera judicial.

O oitavo foi o crescimento de grupos de interesses que procuravam participar cada vez mais no gerenciamento social do risco, o que tornou cada vez mais politizadas as atividades de análise e gerenciamento de riscos à saúde, segurança e ao meio ambiente, com intensa participação daqueles grupos representando a indústria, os trabalhadores, os ambientalistas, as organizações científicas, entre outros. O crescimento desses grupos equivale ao da sofisticação científica de seus modos de operação.

O nono e último fator diz respeito ao aumento do interesse e da preocupação do público geral com os riscos, demandando cada vez mais proteção, e foi apontado pôr Covello e Mumpower (1985).

I.3. Os Debates Sobre os Riscos Químicos

Particularmente a partir dos anos 70, alguns fatores – como a publicização na imprensa de crianças com deformações congênitas, como no caso da talidomida, e de livros como "Primavera Silenciosa" (sobre a revolução verde e os altos riscos para a saúde e o meio ambiente gerados pelo uso intensivo de agrotóxicos), de Rachel Carson, da "descoberta"da dioxina, substância química altamente perigosa, como contaminante presente no herbicida "Agente Laranja", largamente utilizado em plantações e na Guerra do Vietnã, eventos como os acidentes químicos de Seveso (1976) e de Bhopal (1984), e das discordâncias entre os especialistas sobre as causas dos acidentes e de seus riscos à saúde e ao meio ambiente, tornada possível mediante a cobertura da imprensa e massificação dos meios de comunicação – contribuíram também para essa mudança no status social dos riscos (Freitas, 1996). Esta mudança significou o aumento e o fortalecimento da oposição pública aos riscos químicos, que vinha desde os anos 60. Possibilitaram o fortalecimento de argumentos e intervenção de novos atores, como organizações ambientalistas, associações de moradores, grupos de interesse, organizações não-governamentais e partidos políticos nos debates e processos decisórios acerca de riscos químicos, além dos próprios sindicatos de trabalhadores que já vinham desde a II Guerra Mundial se organizando de maneira mais intensa para manifestar sua insatisfação e questionamentos aos riscos químicos que se encontravam expostos no seu processo de trabalho (Freitas, 1996).

Com a emergência de novos atores no cenário dos processos decisórios sobre riscos industriais, a tradicional relação entre instituições de segurança (governo e associações de profissionais de segurança industrial), sindicatos e industriais passou a sofrer transformações. Iniciou-se o processo de constituição e fortalecimento de um modelo baseado na participação

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de outros atores, incluindo, além dos industriais e governo, aqueles que vinham desenvolvendo a consciência tanto dos perigos associados aos riscos químicos, como de seu peso nos processos decisórios sobre riscos químicos. Isso significou alteração na relação de poder e processo de formação de consenso para o estabelecimento de padrões de segurança e aceitabilidade de riscos (Freitas, 1996).

Nos E.U.A., pôr exemplo, aqueles que acreditavam ter sido prejudicados ou colocados sob riscos pelas indústrias químicas passaram a entrar com ações na justiça para assegurar tratamentos privados a danos causados à saúde, exigir indenizações pôr danos e ampliar o acesso às informações sobre os perigos industriais. Esse processo significou mudança de atitudes dos diversos atores envolvidos nos debates sobre riscos industriais – comente denominados na literatura como o público –, passando de atitudes passivas e de confiança na proteção de riscos conduzida pelas indústrias e pelo governo para atitudes ativas de mobilização e enfrentamento contra os denominados “criadores de riscos” (Freitas, 1996). Passaram a exigir que os processos decisórios e de controle fossem coletivos, incluindo todos os que tivessem algum interesse na questão. Essa mudança de atitude provocou não só maior desgaste da imagem das indústrias químicas como também aumento nos custos de investimentos em segurança, proteção ambiental e à saúde, dados a regulamentação governamental mais abrangente que passava a ser exigida e o colapso do mercado de seguros de indústrias químicas com a grande elevação do valor financeiro dos contratos (Freitas, 1996).

O conceito de riscos que atualmente prevalece em diversos campos do conhecimento técnico e científico, tais como na toxicologia, na epidemiologia, na engenharia e, posteriormente, nas ciências sociais não pode ser dissociado dessa história. Traduz tanto os conflitos sociais e de interesses de uma sociedade onde a tecnologia de produção de substâncias químicas ocupa um papel central na vida do homem contemporâneo, como também e simultaneamente a busca de respostas para um problema que, em maior ou menor grau, atinge a vida dos seres vivos e do meio ambiente em nosso planeta.

I.4. A Avaliação de Riscos na Toxicologia e Epidemiologia

Para Freitas (1996), o fato de o discurso dos novos atores que procuravam intervir nos debates e processos decisórios sobre riscos focalizar, entre outras coisas, os riscos químicos fez com que a comunidade científica, principalmente especialistas das indústrias e do governo, procurasse desenvolver e aplicar métodos científicos para estimar os riscos de maneira quantitativa e probabilística (Renn, 1985). Pôr um lado, desenvolveram-se os testes de laboratórios, métodos epidemiológicos, modelagens ambientais, simulações em

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computadores e avaliações de riscos na engenharia, de tal modo, que possibilitaram o incremento na identificação e mensuração dos riscos (Covello et al., 1985). Pôr outro, cresceu o número de especialistas que passaram a ter como foco principal de seu trabalho os riscos à saúde, à segurança industrial e ao meio ambiente, contribuindo, assim, para a profissionalização e institucionalização da avaliação de riscos. É nesse processo que se desenvolve uma abordagem de cunho mais multidisciplinar e centrada na intervenção sobre o ambiente, ao contrário da abordagem médico-biologicista e centrada no indivíduo, o qual predominou até a II Guerra Mundial.

A idéia principal que norteou o desenvolvimento dos métodos científicos de avaliações de riscos e do trabalho dos especialistas era a de que as decisões regulamentadoras de riscos seriam menos controversas se pudessem ser tecnicamente mais rigorosas e baseadas em firme base "fatual". Essa base deveria ser construída a partir dos dados disponíveis, suplementados pôr cálculos, extrapolações teóricas e julgamentos "objetivos” oriundos de análises estatísticas e sistêmicas, de modo a se chegar a um valor esperado, que é a unidade básica das avaliações de riscos, correspondendo à freqüência relativa de um evento ou de uma doença calculada sobre o tempo (Starr et al., 1976; Otway, 1985; Renn, 1985 e 1992) e expresso na seguinte fórmula básica (Freitas, 1996):

Risco = Probabilidade de Danos x Magnitude das Conseqüências Tempo

Nessa perspectiva, o conceito de risco pode, de acordo com Canter (1989), envolver as seguintes definições: 1) função da probabilidade de um evento ocorrer e de que a magnitude ou a severidade do evento deva ocorrer; 2) medida da probabilidade e da severidade de efeitos adversos; 3) possibilidade de dano, perda ou lesões; 4) chance coletiva ou probabilidade de acidentes e doenças, resultando em lesões ou óbitos. A avaliação de riscos se constitui como uma etapa intermediária entre a pesquisa e o gerenciamento de riscos (ver Quadro I.1). Suas etapas são:

1) identificação de perigo: determina qualitativamente e quantitativamente as substâncias químicas ambientais presentes que podem significar perigos para a saúde;

2) avaliação da relação dose-resposta: avalia as relações entre a exposição à uma dada concentração de uma substância química e a incidência de efeitos adversos em seres humanos. Se realiza primariamente e principalmente em animais;

3) avaliação de exposição: determina as condições sob as quais os indivíduos podem ser expostos as substâncias químicas e as doses que podem ocorrer como resultado da exposição;

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4) caracterização de riscos: descreve a natureza dos efeitos adversos que podem ser atribuídos as substâncias químicas, estima sua probabilidade nas populações expostas, avalia o grau de confiabilidade das evidências e as incertezas associadas às mesmas.

É somente a partir desta última etapa, a caracterização de riscos, que são tomadas as decisões para o desenvolvimento de estratégias de gerenciamento de riscos, havendo aí uma maior e mais explicita interferência dos fatores culturais, os sociais, os políticos e os econômicos (Freitas, 1993).

Na toxicologia o conceito de risco está associado a estimativa da probabilidade de desenvolvimento de uma doença como resultado de um certo nível de exposição. Para as substâncias cancerígenas nenhum nível de exposição (limite de tolerância) é assumido como sendo sem risco, ao contrário das substâncias não cancerígenas em que são estabelecidos limites de tolerância, ou seja: limites de exposição considerados "seguros". Na toxicologia, as estimativas de probabilidades são baseadas nos resultados de testes em que animais de laboratório que são submetidos à doses maiores do que as esperadas para seres humanos. Nessas estimativas modelos probabilísticos são utilizados para extrapolar as curvas de dose-respostas resultantes dos altos níveis de exposição para níveis mais baixos até o ponto zero de exposição. O resultado é usualmente expresso como uma unidade de valor-dose, tal como o risco pôr parte pôr milhão (ppm) de uma dada substância no ar ou na água, pôr exemplo. Esta unidade de valor-dose, multiplicada pelos níveis de exposição para calcular o risco individual e pelo número de pessoas expostas gera as estimativas de incidência de uma dada doença causada pela substâncias específica (Porto et al., 1997).

Na epidemiologia, o conceito de risco corresponde a probabilidade de um membro de uma população definida desenvolver uma dada doença em um período de tempo. Nessa perspectiva, a epidemiologia tem seu modelo explicativo nos fatores de risco. De acordo com Almeida-Filho (1989), embora a epidemiologia se ocupe das populações, é interessante observar que ela conserva a “qualidade biologicista do enfoque individual da clínica”, e reduz o social ao coletivo, isto é, um somatório de indivíduos, ignorando o contexto e suas interrelações nos ambientes em que vivem ou trabalham. De acordo com Guilan (1996), em epidemiologia os riscos se expressam, de modo geral em risco absoluto, risco relativo e risco atribuível.

O risco absoluto de uma doença corresponde a incidência da doença (Gordis, 1988), traduzindo a idéia de intensidade com que acontece a morbidade em uma população (Rouquayrol, 1987), sendo esta intensidade relacionada à unidade de intervalo de tempo (dia,

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semana, mês ou ano). Em termos operacionais, utiliza-se o coeficiente de incidência, o qual pode ser matematicamente expresso da seguinte maneira:

nº de casos novos de uma doença ocorrentes em

Coeficiente de = determinada comunidade em certo período de tempo x 10n incidência nº de pessoas sob risco de adquirir a doença

no referido período

Quando se diz, pôr exemplo, que a incidência de casos de leucemia pode ser de 3,6 pôr 100.000 pessoas em determinado ano, o que se quer dizer é que o risco absoluto de uma pessoa adquirir leucemia neste período é de 3,6/100.000. Gordis (1988) ressalta a importância deste indicador, alegando que uma pessoa exposta à determinado tipo de agente causador de doenças não está interessada no risco relativo, mas no risco absoluto de adoecer.

O risco relativo (RR) é expresso pela seguinte razão: Risco = Risco da doença em indivíduos expostos Relativo Risco da doença em indivíduos não expostos

Esta razão pode se comportar de três maneiras:

1) o risco relativo é igual a 1, isto é, o risco de doença na população exposta é o mesmo que na população não exposta, o que parece indicar não haver associação da exposição à doença em questão;

2) o risco relativo é maior que 1, isto é, o risco da doença é maior em indivíduos expostos do que nos não expostos, podendo indicar uma associação da exposição à doença. Um exemplo clássico desta situação é a associação entre fumo e câncer de pulmão: num estudo hipotético, podemos comparar a incidência de câncer de pulmão em fumantes e em não fumantes, e obter o seguinte resultado: RR = 4.6 (Hennekens et al., 1987). Este resultado quer dizer que o risco de fumantes adquirirem câncer de pulmão é 4.6 vezes maior do que os não fumantes.

3) o risco relativo é menor que 1, isto é, o risco da doença é menor em indivíduos expostos do que nos não expostos, o que sugere que a exposição possa ter um papel protetor em relação à doença estudada. Este resultado pode ser encontrado quando estudamos, pôr exemplo, a eficácia de uma vacina. O risco relativo é uma medida de associação. Este índice se refere à intensidade com que uma determinada exposição se relaciona com a doença em estudo.

O risco atribuível é uma diferença entre riscos. Suponha-se duas populações, uma exposta e outra não exposta, e que o risco de uma doença é maior entre os expostos. O nível de risco nos não expostos pode ser visto como risco de fundo (background risk), um risco que é compartilhado pôr ambos os grupos. Se o que se procura é saber quanto do risco total nos

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expostos pode ser realmente atribuível à exposição propriamente dita (e não ao risco de fundo, o qual os dois grupos apresentam), deve-se tomar o risco total nos expostos e subtrair o risco nos não expostos (risco de fundo). De forma similar, pode ser avaliado o impacto que uma exposição específica pode ter na população, com respeito a um evento particular. Pôr exemplo, “a taxa de mortalidade pôr câncer de pulmão para não fumantes (0.07) pode ser subtraída da taxa de mortalidade pôr câncer de pulmão na população total (0.65); o resultado obtido pode ser chamado de risco atribuível ao câncer de pulmão relacionado ao hábito de fumar. Se esta estimativa for aplicada a outra população, sua frequência de exposição deve ser semelhante à primeira. O conceito de risco atribuível populacional é útil na medida em que ele estima o quanto a incidência de uma doença particular pode ser reduzida se uma exposição específica for removida (MacMahon et al., 1970) (ver Quadro I.2).

Em outras palavras, o risco atribuível pretende responder a seguinte pergunta: “o quanto de risco da doença, em indivíduos expostos, pode ser atribuído à uma exposição específica? O quanto de risco da doença em indivíduos expostos podemos esperar de eliminar se pudermos diminuir ou eliminar a exposição?” (Gordis, 1988). O risco atribuível é assim uma medida do benefício potencial de uma medida preventiva.

A avaliação de riscos à saúde realizada pela toxicologia (experimentos em animais de laboratório) e pela epidemiologia (populações expostas aos agentes tóxicos comparadas com populações não expostas), procura identificar e quantificar as relações entre os potenciais agentes de risco e os danos biológicos observados nos seres vivos, humanos e não humanos. Mediante modelagens, o agente causal é isolado das variáveis intervenientes ou confounders. O que há de comum entre essas perspectivas é tanto procurar avaliar e prever potenciais danos biológicos aos seres vivos e/ou ecossistemas – pôr meio de cálculos sobre o tempo e o espaço, utilizando freqüências relativas para poder especificar as probabilidades, como reduzir o risco a uma única dimensão, representando uma média sobre espaços, tempos e contextos sociais, ambientais e tecnológicos estáveis (Freitas, 1996).

I.5. A Contribuição das Ciências Sociais à Avaliação de Riscos

Para as ciências sociais, ao contrário da toxicologia e da epidemioligia, não há nenhum consenso sobre o que pode constituir um conceito de risco. Os estudos na sua perspectiva são marcados pôr uma multiplicidade de abordagens teórico-metodológicas e de temas de investigação. Grande parte da produção científica nesse campo do conhecimento tem sido no sentido de, em maior ou menor grau e de diferentes modo, criticar o conceito tradicional de riscos predominante nas avaliações técnicas de riscos, e seus supostos fundamentais, ou

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sejam: de um lado a perspectiva utilitarista e o paradigma do ator racional, do outro a concepção elitista de democracia (Freitas, 1996; Freitas et al, 1997; Porto et al., 1997).

Na perspectiva utilitarista e paradigma do ator racional os indivíduos são abstraídos de seus contextos sociais e considerados como não influenciados pôr família, círculo de amigos, grupos sociais e instituições a que pertencem, pôr seus valores socioculturais e emoções. São tratados como frios e calculistas, agindo ou devendo agir com o objetivo de ordenar o caos e maximizar os ganhos de cada ação, distinguindo estratégias e projetando as conseqüências de cada uma delas de modo a determinar a capacidade de escolhas de alternativas, avaliando permanentemente os riscos e os benefícios das possíveis ações (Freitas, 1996; Freitas et al., 1997).

De acordo com Freitas et al. (1997), para a concepção elitista de democracia a objetividade é alcançada pôr meio da ênfase em determinados resultados das análises quantitativas (óbitos, custos, benefícios, probabilidade de eventos, magnitude das conseqüências, entre outros). Ignora o processo social de escolhas, de poder, de relações, de interesses. Para esta concepção, os resultados quantitativos servem para, numa abordagem unidimensional, estabelecer critérios e padrões de aceitabilidade de riscos, definindo, pôr exemplo, que 10-6 para o caso de acidentes industriais (particularmente em indústrias químicas e usinas nucleares) e que a exposição à X partes pôr milhão da substância Y numa jornada de trabalho ou durante o período médio de vida são valores aceitáveis. Nessa concepção, os interesses dos cidadãos são atendidos quando os processos decisórios de escolhas de tecnologias e de justiças distributivas dessas tecnologias estão de acordo com os modelos técnicos de avaliação de riscos e o consenso das elites dominantes (Menkes, 1985; Fiorino, 1989; Rosa et al., 1995)

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I.6. Considerações Finais

Conforme verificou-se neste capítulo, o conceito de risco resulta de um processo histórico que remonta desde a Antiguidade, passando pelo Renascimento, pela Revolução Industrial e pela II Guerra Mundial. Porém, o conceito de risco que se conhece na atualidade resulta de um processo histórico mais recente e dos conflitos que lhe fizeram parte, podendo os anos 60 e 70 deste século se constituírem como marcos. É neste contexto mais recente que se desenvolvem muitos dos atuais métodos de avaliação de riscos.

A avaliação de riscos é um procedimento utilizado para sintetizar as informações disponíveis e os julgamentos sobre as mesmas com o objetivo de estimar os riscos associados à exposição a substâncias químicas. Essa estimativa é expressa em termos probabilísticos, variando entre 0 (zero) e 1 (um), sendo um valor igual ao primeiro (0) um indicador da certeza de que não ocorrerá dano e um valor igual ao segundo (1) um indicador da certeza de que ocorrerá dano (Quadro I.3) (OPAS/EPA, 1996). Tem como objetivo: (Quadro I.4)

• determinar a possibilidade de efeitos adversos em humanos, outras espécies e ecossistemas expostos aos agentes químicos;

• proporcionar a mais completa informação possível aos responsáveis pôr controlar os riscos, especificamente àqueles que estabelecem políticas e normas.

Através da avaliação de riscos os potenciais efeitos adversos derivados da exposição humana às substâncias químicas são caracterizados através dos seguintes elementos (OPAS/EPA, 1996): (Quadro I.5)

• descoberta dos possíveis efeitos adversos através de resultados epidemiológicos, toxicológicos e ambientais;

• extrapaloção de resultados anteriores (estudos toxicológicos e epidemiológicos) para predizer tipo e magnitude dos efeitos em saúde humana sob dadas condições de exposição;

• avaliação da quantidade e características das pessoas expostas a diferentes intensidades e duração;

• detecção da presença e magnitude global do problema para a saúde pública;

• caracterização das incertezas inerentes ao processo de inferência dos riscos.

É importante observar que o desenvolvimento da avaliação de riscos e dos debates em torno dos seus resultados vem contribuindo para que inclua um amplo espectro de disciplinas científicas (ver Quadro I.6).

Jasanoff (1993) na busca de integrar as diversas disciplinas e perspectivas que atuam na relação entre avaliação de riscos e gerenciamento de riscos considera que não podemos separar "o que se deseja conhecer acerca de um determinado problema" - o que é realizado

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pelas avaliações técnicas de riscos na toxicologia e epidemiologia, pôr exemplo - do que se deseja fazer acerca desse mesmo problema - o que é proposto e realizado no desenvolvimento das estratégias de gerenciamento de riscos. Para Jasanoff (1993), o modo de se perceber a realidade e de organização os fatos a ela pertinentes tem implicações, embora nem sempre visíveis, tanto nas avaliações de riscos, como nos aspectos das políticas públicas e da justiça social: quem se deve proteger de determinados riscos, a que custo e deixando de lado que alternativas.

Muito da crítica ao reducionismo científico presente nas avaliações técnicas de riscos e no desenvolvimento de estratégias de gerenciamento, ao qual corresponde também uma redução da possibilidade de incorporação e participação de inúmeros e diferentes outros atores, valores e perspectivas. Essas críticas baseiam-se no fato de que as questões relacionadas aos riscos não podem ser restringidas somente aos processos físicos, químicos e biológicos, já que o mundo em que se situam, o mundo dos seres humanos em suas relações sociais, é constituído pôr outros aspectos, tais como os estilos de vida e as relações interpessoais, as interações simbólicas e os movimentos sociais, as questões de poder e de distribuição de riscos, controle social e instituições sociais (Freitas, 1996). Diante desse quadro, torna-se necessário e cada vez mais integrar as diversas perspectivas e disciplinas que atuam nas avaliações de riscos e no estabelecimento de estratégias de gerenciamento, pois verifica-se que nenhuma sozinha será capaz de dar conta de um problema tão complexo, sejam a toxicologia, a epidemiologia ou as ciências sociais.

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CAPÍTULO II - IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO

II.1. Introdução

A etapa de identificação do perigo tem pôr objetivo obter e avaliar as informações relacionadas as propriedades tóxicas inerentes a cada substância, ou o potencial para causar dano biológico, doença ou óbito, sob certas condições de exposição (ver Quadro II.1). Também pode incluir a caracterização do comportamento de uma substância dentro do corpo e as interações que esta tem com órgãos, células ou componentes celulares. Informações deste tipo podem ser valiosas para que se possa confirmar se efeitos comprovadamente tóxicos de uma determinada substância, em certas condições experimentais, também podem ser produzidos em seres humanos, ou seja, se é cientificamente correto inferir que os efeitos tóxicos observados em um meio ocorram em outros. Um exemplo desse questionamento refere-se a possibilidade de substâncias carcinogênicas ou teratogênicas em animais produzirem o mesmo efeito em seres humanos (EPA, 1991).

A informação sobre as propriedades tóxicas das substâncias químicas são obtidas a partir de estudos em animais, investigações epidemiológicas controladas em populações humanas expostas e estudos clínicos ou informes de casos sobre seres humanos expostos. Outras informações toxicológicas são obtidas através de estudos experimentais em sistemas que não são completos (órgãos isolados, células ou componentes celulares) e da análise da estrutura molecular da substância de interesse (Quadro II.2) (EPA, 1991).

Para algumas substâncias, a base de dados disponível pode incluir informações valiosas sobre os efeitos em seres humanos e em animais experimentais, assim como pode também incluir informações sobre os mecanismos biológicos básicos para a produção de uma ou mais formas de toxicidade. Em outros casos, a base de dados pode ser sumamente limitada e pode incluir somente alguns estudos de experimentação animal. Há situações onde todos os dados disponíveis podem apontar claramente em uma só direção, deixando pouca ambigüidade acerca da natureza da toxicidade associada a uma dada substância. Entretanto, em alguns casos, os dados podem incluir conjuntos de achados epidemiológicos ou experimentais aparentemente em conflito. Uma avaliação apropriada do perigo deve conter uma revisão crítica de cada conjunto de dados pertinentes e da base total de dados sobre toxicidade. Também deve incluir uma avaliação das inferências sobre toxicidade em populações humanas que podem ter sido expostas (EPA, 1991).

Os estudos clínicos ou informes de casos de uma investigação, apesar de serem informações muito importantes, raramente constituem o corpo central de informações para a

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avaliação de risco. Estas duas últimas fontes de informação são consideradas indicadores menos seguros e precisos do potencial tóxico. As provas em animais e de estudos epidemiológicos constituem as principais fontes de dados sobre toxicidade. Porém, ainda assim, apresentam dificuldades interpretativas que pôr vezes são bastante sutis e pôr vezes bastante controversas (EPA, 1991).

A identificação do perigo deve fornecer informações sobre:

• validade e significado da informação toxicológica;

• evidências cientificamente bem fundamentadas de que uma substância causa efeitos tóxicos;

• o potencial de que os efeitos observados na população X possam ocorrer na população Y.

II.2. Informações Sobre Toxicidade a Partir de Estudos em Animais II.2.1. Uso de Dados Sobre Toxicidade em Animais

Os estudos toxicológicos em animais estão baseados principalmente na suposição de que os efeitos em seres humanos podem ser previstos a partir dos efeitos em animais (Quadro II.3). De uma maneira geral essa suposição está correta. Todas as substâncias que demonstraram ser carcinogênicas em seres humanos, com exceção do arsênico, são carcinogênicas em algumas espécies de animais de experimentação. Pôr outro lado, as doses de toxicidade aguda de muitas substâncias são similares para seres humanos e para uma diversidade de animais de experimentação. Este princípio de extrapolação de dados de animais para seres humanos tem sido amplamente aceito nas comunidades científicas e normativas (EPA, 1991).

Entretanto, apesar do princípio geral de inferir efeitos para seres humanos a partir de efeitos em animais de experimentação ser bem fundamentado, existem numerosas exceções. Muitas delas estão relacionadas as diferenças na maneira como diversas espécies interagem com a substância a que estão expostas e com as diferenças de metabolismo, absorção, distribuição e eliminação (os aspectos toxicocinéticos) destas substâncias no organismo. Devido a estas diferenças potenciais, é essencial avaliar cuidadosamente todas as diferenças entre espécies ao inferir toxicidade para seres humanos a partir de resultados de estudos toxicológicos em animais (EPA, 1991).

Em casos particulares, para avaliar o potencial carcinogênico de uma substância a partir de estudos à longo prazo em animais adultos, certas observações gerais, como o aumento do número de tecidos afetados pela substância, aumentam as evidências de que a mesma é carcinogênica. De modo similar, um aumento no número de espécies animais, cepas

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e sexo utilizadas na experimentação e que mostram uma reposta carcinogênica contribuem para aumentar as evidências de riscos de carcinogenicidade da substância. Outros aspectos importantes são (EPA, 1991):

• a presença de relações equivocadas de dose-resposta nos dados avaliados;

• a obtenção de um alto nível de significância estatística no aumento da incidência de tumores em animais tratados versus animais controle;

• a redução de danos relacionados à diminuição da dose e/ou período de exposição;

• um aumento na proporção de tumores que são malignos relacionado com o aumento da dose.

II.2.2. Natureza Geral dos Estudos de Toxicidade em Animais

Os estudos sobre toxicidade tem o objetivo de identificar a natureza do dano à saúde produzido pôr uma substância e os níveis de doses na qual este dano é produzido (Quadro II.4). O ponto de partida para esta investigação é o estudo de dose aguda (uma única dose) de uma substância em animais de experimentação (Quadro II.5). Os estudos de toxicidade aguda são necessários para calcular as doses que não são letais para animais utilizados em estudos de longa duração. Além disso, estes estudos proporcionam uma estimativa da toxicidade comparativa da substância e podem indicar os órgãos alvo para toxicidade crônica ( pôr exemplo, rins, pulmão ou coração). A partir dos estudos de toxicidade aguda pode-se determinar o valor da DL50 (a dose que causa a morte de 50% da população exposta), um parâmetro comparativo do grau de toxicidade de diferentes substâncias para uma mesma espécie de animal. Em um grupo de substâncias, as que apresentam DL50 menores são mais tóxicas que as que tem valores superiores (Quadro II.6) (EPA, 1991).

Os estudos de DL50 revelam um dos princípios básicos da toxicologia: nem todos os indivíduos expostos a mesma dose de uma substância responderão da mesma maneira. Deste modo, para uma mesma dose de uma substância, em alguns animais será observado um efeito letal, em outros uma doença que poderá ser revertida e em um outro grupo parecerá que nenhum efeito foi ocasionado (EPA, 1991).

Cada tipo de estudo em toxicologia tem um objetivo diferente, para que se possa identificar como o período de exposição afeta a resposta tóxica. Os animais podem receber uma única dose, podem ainda receber doses repetidas continuamente pôr várias semanas ou meses (estudo de toxicidade sub-crônica) (Quadro II.7) ou pôr cerca de toda sua vida (toxicidade crônica) (Quadro II.8). Em geral os objetivos dos diferentes estudos de toxicologia podem ser resumidos da seguinte maneira (EPA, 1991):

• identificar os órgãos ou sistemas específicos do corpo que podem ser afetados pôr uma substância;

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• identificar anomalias ou enfermidades específicas que podem ser produzidas tais como câncer, defeitos de nascimento, desordens do sistema nervoso ou problemas de conduta;

• estabelecer as condições de exposição e doses que causem formas específicas de danos ou doenças;

• identificar a natureza e a evolução específica do dano ou doença produzidos pôr uma substância;

• identificar os processos biológicos que fundamentam a produção do dano ou doença observados.

II.2.3. Desenho e Aplicação de Estudos de Toxicidade

Ainda que hajam desenhos relativamente padronizados para a constituição de vários tipos de provas de toxicidade (pôr exemplo, bioensaios para carcinogenicidade) desenvolvidas pôr agências normativas e públicas, existem outros desenhos utilizados nos experimentos de toxicidade. De qualquer modo, existem questões que devem ser considerados em todos os desenhos de estudos de toxicidade (EPA, 1991)

Seleção de espécies animais

Os roedores, geralmente ratos e camundongos, são os animais de laboratório mais utilizados em estudos de toxicidade. Outros roedores como os hamsters ou cobaias, são utilizados com menor frequência. Muitos experimentos utilizam coelhos, cães e primatas não seres humanos, tais como monos e babuínos. Pôr exemplo, ainda que os primatas sejam considerados os animais de eleição para alguns tipos de estudos sobre reprodução, devido aos sistemas reprodutivos serem semelhantes aos do homem, para provas de toxicidade dérmica freqüentemente se utilizam coelhos porque sua pele é mais sensível (EPA, 1991).

Os ratos e camundongos são a alternativa mais comum porque são baratos e podem ser manejados de modo relativamente fácil. Além disso, fatores tais como antecedentes genéticos e a susceptibilidade a doenças estão bem estabelecidos para estas espécies. A expectativa total de vida para estes roedores é de dois a três anos, de modo que os efeitos de exposição à uma dada substância ao longo da vida, podem ser medidos de forma relativamente rápida em comparação com um cão ou macaco, que vivem muito mais (EPA, 1991).

Doses e duração dos estudos

Freqüentemente, o primeiro experimento que se realiza é uma DL50, no qual se utilizam doses mais altas de uma substância. Após completar estes experimentos, os investigadores estudam os efeitos de doses menores administradas durante períodos de exposição maiores. O objetivo é encontrar a margem de doses na qual ocorrem efeitos adversos e identificar o NOEL (No Observed Effect Level) para estes efeitos (ainda que este último nem sempre se busque e se alcance). Um experimento de toxicidade tem um valor

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limitado, a menos que se chegue a uma dose de magnitude suficiente para causar algum tipo de efeito adverso dentro da duração do experimento. Se não forem detectados efeitos em todas as doses administradas, as propriedades tóxicas das substâncias não terão sido caracterizadas e neste caso, o investigador terá que repetir o experimento com doses mais altas ou aumentar a duração do estudo (EPA, 1991).

Os estudos freqüentemente são identificados de acordo com a duração da exposição. Os estudos de toxicidade aguda incluem uma dose única ou exposições de duração muito curta (pôr exemplo, 8 horas de inalação). Os estudos crônicos incluem exposições durante quase toda a vida dos animais de experimentação. Os experimentos de duração que variam entre estes dois extremos são denominados estudos sub-crônicos (Quadro II.7 e II.8) (EPA, 1991).

Nível de doses

Geralmente são utilizados dois ou três níveis de doses, especialmente em estudos crônicos. Experimentos que utilizam apenas uma dose deixam uma grande incerteza acerca da faixa de doses na qual se observam os efeitos (EPA, 1991).

Controles

Nenhum experimento de toxicidade poderá ser corretamente analisado se forem omitidos os animais do grupo controle. Este grupo não será administrado com a substância testada e os animais devem ser da mesma espécie, cepa, sexo, idade e estado de saúde que os animais tratados, e devem ser mantidos sob as mesmas condições durante todo o estudo (EPA, 1991).

Via de exposição

O objetivo da maioria dos estudos de toxicidade é gerar informações sobre as quais serão baseadas as decisões de segurança para os seres humanos, e pôr esta razão, geralmente os animais são administrados pôr uma via que seja a mais próxima possível daquela pela qual os seres humanos são expostos. Entretanto, em alguns casos, o investigador deve usar outras vias ou condições de administração para chegar a dose experimental desejada. Pôr exemplo, algumas substâncias são administradas pôr sonda gástrica porque são muito voláteis ou apresentam um sabor ruim, o que impede que sejam adicionadas a dieta dos animais, nas concentrações altas necessárias para alguns estudos (EPA, 1991).

Desenhos específicos

Geralmente os animais são expostos e qualquer efeito observado sob as condições do experimento será registrado. Entretanto, quando é necessário testar hipóteses muito específicas sobre a substância (pôr exemplo, se a substância causa efeitos de nascimento ou afeta o sistema imunológico), devem ser utilizados desenhos especiais. Assim, pôr exemplo,

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para testar a hipótese de que uma substância é teratogênica (que cause defeitos de nascimento), as fêmeas grávidas devem ser expostas em períodos críticos da gravidez. Uma dos estudos específicos mais complexos é o bioensaio de carcinogenicidade. Estes estudos são usados para testar a hipótese de carcinogenicidade, ou seja, a capacidade de uma substância de produzir tumores (EPA, 1991).

II.2.4. Realização e Interpretação de Estudos de Toxicidade

Muitos fatores devem ser considerados quando estudos de toxicidade são aplicados, para assegurar o seu êxito e a sua utilidade. Ao se avaliar os resultados desses testes, certas perguntas devem ser formuladas sobre o desenho e a condução do experimento, para que se tenha uma avaliação crítica. Os principais questionamentos são (EPA, 1991):

O desenho experimental foi adequado para testar a hipótese?

• A realização geral do estudo esteve de acordo com as normas de boas práticas de laboratório?

As concentrações da substância estudada foram determinadas corretamente através de análise química?

A substância foi adequadamente caracterizada com respeito a natureza e o grau de impurezas?

Os animais receberam realmente a substância?

• Os animais que morreram durante o estudo foram examinados adequadamente?

• Suas mortes podem ser associadas à substância em estudo?

• Quão cuidadosamente foram observados os animais durante a realização do estudo?

Que testes foram aplicados aos animais (pôr exemplo, exame de sangue, testes clínicos) e se foram feitos adequadamente?

Os animais foram examinados histopatologicamente? O exame foi feito pôr um patologista qualificado?

• A magnitude do exame do animal e de seus tecidos foi adequada?

• Os dados clínicos e patológicos foram tabelados apropriadamente?

Os testes estatísticos foram corretamente empregados e analisados?

• As informações do estudo foram suficientemente detalhadas para poder contestar estas perguntas?

Uma avaliação apropriada asseguraria que estas e outras perguntas possam ser respondidas e incluiria uma lista de qualificações sobre resultados de testes em áreas nas quais existem poucas respostas ou onde estas são insatisfatórias (EPA, 1991).

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II.3. Informação a Partir de Estudos em Seres Humanos

A informação sobre efeitos adversos em populações humanas são obtidas a partir de quatro fontes (EPA, 1991):

1. estudos epidemiológicos.

2. estudos de correlação (nos quais as diferenças nas taxas de doença em populações humanas estão associadas a diferenças de condições ambientais);

3. informes de casos preparados pôr equipes de médicos;

4. resumo dos sintomas informados pelas próprias pessoas expostas;

Os primeiros três tipos de estudos podem ser caracterizados como epidemiologia descritiva e são úteis para chamar atenção para problemas que ainda não tenham sido observados previamente. Mesmo que não se possa identificar uma relação causa-efeito, são importantes pôr gerar hipóteses que poderão ser provadas mais tarde. Os estudos epidemiológicos incluem a comparação do estado de saúde de um grupo de pessoas que foram expostas a uma substância sob suspeita, com o estado de saúde de um grupo comparável não exposto (EPA, 1991).

A maioria dos estudos epidemiológicos realizados nos países industrializados são estudos de casos e controles ou estudos de coortes, predominando os estudos descritivos nos países em industrialização. Em estudos de casos e controles, um grupo de indivíduos com uma doença específica é identificado e são investigados pontos em comum em situações de exposições que estes indivíduos possam ter sofrido no passado (Quadro II.9). As propriedades carcinogênicas do dietilestilbestrol foram descobertas através deste tipo de estudos. Nos estudos de coorte, são examinadas as condições de saúde dos indivíduos que foram submetidos a uma mesma exposição, para determinar se alguma condição específica ou causa de morte se manifesta como excessiva quando comparada a uma população controle apropriada (Quadro II.10). A leucemiogênese do benzeno foi estabelecida através deste tipo de estudo. Geralmente, os epidemiologistas se dedicam de preferência a situações ocupacionais ou a pacientes tratados com certos fármacos para realizar seus estudos (EPA, 1991).

Quando as informações epidemiológicas conduzem a resultados convincentes, são muito úteis porque proporcionam informações sobre seres humanos em condições reais de exposição a uma substância específica. Portanto, na avaliação da base total de dados, os resultados destes estudos, bem desenhados e controlados apropriadamente, tem mais peso que os estudos em animais. Mesmo que nenhum estudo possa proporcionar uma segurança completa de que não existe risco, os dados negativos de estudos epidemiológicos podem ser

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utilizados para estabelecer o nível de risco que com alguma segurança não será ultrapassado na exposição à uma determinada substância (EPA, 1991).

Mesmo que os estudos epidemiológicos sejam decisivos quando existem diferenças claras, vários pontos devem ser considerados na interpretação dos resultados (EPA, 1991):

• É difícil formar os grupos de controle adequadamente pareados porque os fatores que levam à exposição do grupo estudado (pôr exemplo, ocupação ou residência) as vezes estão associados a outros fatores que afetam a condição de saúde (pôr exemplo, estilo de vida e condições sócio-econômicas).

• É difícil controlar fatores de risco relacionados (pôr exemplo, tabagismo) que tem efeitos importantes na saúde.

• Poucos tipos de efeitos na saúde (além do óbito) são registrados de forma sistemática em populações humanas (e mesmo a informação sobre a causa de morte é de confiabilidade limitada). Pôr exemplo, a infertilidade, os abortos e as doenças mentais não são registradas sistematicamente como regra nos serviços de saúde pública.

• Poucas vezes são disponíveis dados exatos sobre o grau de exposição a substâncias potencialmente perigosas, especialmente quando aconteceu no passado. Nestes casos, estabelecer relações dose-resposta é freqüentemente impossível.

• Para a investigação de doenças que levam muito tempo para se desenvolver, tais como câncer, é necessário esperar muitos anos para confirmar a ausência de um efeito. Além disso, a exposição a substâncias suspeitas poderia continuar durante estes períodos extensos e assim, aumentar o risco.

• O poder estatístico de detecção dos estudos epidemiológicos é limitado, a menos que populações muito grandes sejam estudadas.

Pôr estas razões, os estudos epidemiológicos estão sujeitos a muitas incertezas. Geralmente é necessário ter evidências de confirmação independentes, tal como um resultado concordante em um segundo estudo epidemiológico, ou informação de apoio proveniente de estudos em animais de experimentação. Dadas as limitações da epidemiologia, também devem ser interpretados com cuidado dados de achados negativos (EPA, 1991).

II.4. Identificação de Perigo de Substâncias Carcinogênicas II.4.1 - Definição de Substâncias Carcinogênicas

Câncer é o termo utilizado para caracterizar o crescimento anormal das células que pode resultar na invasão de tecidos normais ou na difusão para órgãos distantes, em um processo conhecido como metástase. Substâncias químicas carcinogênicas são substâncias

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que foram descritas como capazes de induzir o crescimento anormal ou descontrolado de células (tumores) em animais de laboratório ou em seres humanos (EPA, 1996)

A carcinogênese é o termo utilizado para a indução ou formação de tumor. É um processo com múltiplos estágios que requer um evento inicial (geralmente uma alteração genética da célula) seguida de vários estágios de crescimento de uma célula afetada até o aparecimento do tumor (EPA, 1996). (Quadro II.11)

Uma substância carcinogênica é qualquer uma capaz de aumentar a incidência de câncer na população exposta. Dentre as substâncias carcinogênicas temos (EPA, 1996):

• iniciadoras: são aquelas capazes de iniciar o câncer através da alteração do material genético da célula;

• completas: tanto dão início como promovem o aparecimento do tumor;

• promotoras: são as que aumentam a incidência de tumor somente quando a exposição às mesmas dá-se após a iniciação. Diferentemente das iniciadoras e completas, a manifestação dos efeitos dos promotores requer exposição contínua pôr um longo período de tempo, sendo revertida pelo término da exposição. Desta forma, as características da sua curva dose-resposta podem ser diferentes daquelas das iniciadoras e completas;

II.4.2 - Atribuição de Pesos às Evidências para a Determinação do Potencial Carcinogênico em Seres Humanos

A avaliação das evidências é uma coleção de avaliações de todas as informações sobre carcinogenicidade pertinentes. Desta forma é adequado considerar o impacto da plausibilidade biológica e da coerência da associação entre um agente determinado e seu potencial carcinogênico. A identificação e caracterização da carcinogenicidade humana é baseada em dados de seres humanos e animais. A atribuição de diferentes pesos para as evidências, que estes dados fornecem, envolve considerações sobre a qualidade e adequação dos dados e a consistência das respostas induzidas pelo agente em questão (EPA, 1996).

Visões iniciais sobre um tipo de evidência podem mudar significativamente quando outras informações são trazidas para a interpretação. Pôr exemplo, um resultado positivo sobre carcinogenicidade em animal pode ser enfraquecida pôr outro dado chave; ou, uma associação frágil resultante de estudos epidemiológicos pode ser reforçada pôr considerações de outros dados e achados em animais. Geralmente, não é um único fator que determina o peso total de uma evidência. Os fatores não são contados mecanicamente através da adição de mais ou menos peso, eles são julgados em combinação (EPA, 1996).

II.4.3. Avaliação das Evidências de Animais

Evidências obtidas a partir de experimentos de longa duração (crônicos) ou outros estudos de carcinogenicidade em animais de laboratório, constituem a primeira maior classe

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de informação utilizadas. Para que um estudo seja considerado de longa duração é necessário que possua os seguintes requisitos (EPA, 1996):

• ter duração de 2 a 7 anos (dependendo da espécie estudada);

• que a espécie seja selecionada com base em resultados de estudos farmacodinâmicos realizados em várias espécies, ou mesmo sejam utilizadas duas espécies animais;

• que seja utilizado, no mínimo, dois níveis de dose;

• que se utilize a via de administração adequada;

• que sejam realizadas avaliações do estado de saúde de todos os animais semanalmente através de exame físico completo e, em intervalos de 3 a 6 meses, provas funcionais e análises bioquímicas de sangue e urina;

• que todos os animais sejam submetidos a uma autopsia completa, onde se inclua exame histológico de todos os órgãos.

Cada estudo precisa ser revisto e avaliado em relação à adequação de seu desenho e desenvolvimento, bem como a significância estatística e a relevância biológica de seus achados. Os fatores que usualmente aumentam sua confiança em predizer câncer em seres humanos a partir dos resultados de estudos em animais são (Quadro II.13) (EPA, 1996):

• a multiplicação das observações em estudos independentes;

• a severidade da lesão, latência e progressão da lesão;

• consistência das observações.

Para substâncias carcinogênicas, a demonstração de que quase todas as substâncias carcinogênicas para seres humanos são carcinogênicas na maioria das espécies de animais de laboratório, tem sido usada para dar suporte à avaliação de risco de câncer, tendo como premissa à tese de que uma substância comprovadamente carcinogênica em animais, é provavelmente carcinogênica em seres humanos. Existem algumas objeções quanto ao uso desta suposição na avaliação de risco, dentre as quais estão as seguintes (EPA, 1996):

1) O fato de que quase todas as substâncias carcinogênicas para seres humanos são carcinogênicas para animais, não prova que a relação inversa é correta; isto é, não foi provado que todas as substâncias carcinogênicas para animais também o são para seres humanos. De fato, evidências da existência de diferenças entre seres humanos e outras espécies em relação a susceptibilidade à substâncias carcinogênicas são respaldadas com os achados sobre diferenças qualitativas na resposta a substâncias carcinogênicas entre diferentes espécies de animais de laboratório.

2) Os experimentos com animais usados nos testes de carcinogenicidade podem prover resultados que não são relevantes para a estimativa de risco em seres humanos. Existem

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quatro critérios principais quanto ao uso de dados obtidos com experimentos realizados com animais, relacionados abaixo:

a) as doses as quais os animais são expostos nos experimentos são muito altas e não são preditivas para efeitos nos níveis de exposição humana à baixas doses;

b) algumas espécies de animais utilizadas em experimentos são tão biologicamente diferentes dos seres humanos, que os resultados obtidos com elas não possuem valor;

c) algumas espécies de animal ou certos órgãos, utilizados em experimentação, são intensamente sensíveis a substâncias carcinogênicas e esta sensibilidade invalida o uso dos resultados obtidos com estas espécies ou órgãos;

d) a relevância de tumores benignos em testes com animais para risco de câncer em seres humanos é desconhecida.

II.4.4. Avaliação das Evidências de Seres Humanos

Os dados epidemiológicos são extremamente úteis na avaliação de risco porque eles fornecem evidências diretas que uma substância produz câncer em seres humanos. Desta forma, evita-se o problema resultante da extrapolação dos dados encontrados em experimentações animais, onde se faz necessária uma dedução, a partir dos resultados encontrados em uma espécie, para os resultados que podem ocorrer em outra espécie. Esta dedução nem sempre pode ser feita de modo apropriado, tendo em vista as diferenças fisiológicas existentes entre as espécies animais estudadas e o ser humano. Portanto, quando dados resultantes de estudos em seres humanos são disponíveis em grande quantidade e sendo de boa qualidade, são geralmente preferidos aos dados obtidos a partir de estudos experimentais com animais, devendo merecer um peso maior na caracterização do risco (EPA, 1996).

O julgamento das evidências é feito em função do quanto os dados que a originaram satisfazem os critérios estabelecidos para um bom estudo epidemiológico, e o quanto eles estão longe destes critérios. A existência de uma relação temporal, forte associação, dados de exposição confiáveis, presença de correlação entre dose-resposta, ausência de vieses e fatores de confundimento, e alto nível de significância estatística estão entre os fatores que aumentam a confiança na conclusão de causalidade (EPA, 1996).

Geralmente, o peso de uma evidência humana aumenta com o número de estudos adequados que mostram resultados comparáveis de populações expostas, a mesma substância, sob diferentes condições. As análises levam em conta todos os estudos considerados de alta qualidade, mesmo que apresentem associações positivas ou resultados nulos, ou até mesmo aqueles que apresentem como resultado o fato da substância em questão apresentar efeitos protetores, ou seja, indivíduos expostos ao agente apresentam menor risco de desenvolver

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câncer quando comparados com aqueles não expostos. Quando se atribui peso a estudos positivos contra estudos nulos, possíveis razões para resultados inconsistentes devem ser procurados, e aos resultados de estudos julgados como de alta qualidade são dados maior peso que aqueles julgados como sendo metodologicamente inferiores. Como metodologicamente inferiores são considerados os estudos em que (EPA, 1996):

• os grupos de indivíduos que fazem parte do mesmo não tenham sido selecionados de forma correta;

• não existe uma caracterização adequada da exposição bem como considerações apropriadas sobre vieses e fatores de confundimento;

• não existe validade na determinação das causas de morbidade ou mortalidade pôr câncer;

• o tamanho da amostra e a duração do acompanhamento não são adequadas para que se possa evidenciar um efeito;

• ou mesmo quando a metodologia utilizada para coleta e análise dos dados se mostra inadequada.

Geralmente, um fator sozinho não é determinante. Pôr exemplo, a força de associação é um critério causal. Uma associação forte (isto é, um grande risco relativo - ver capítulo I) é mais indicativo de causalidade que uma associação fraca. Entretanto, achados de grande excesso de risco em um único estudo devem ser contrabalançados com a falta de consistência refletida pôr resultados negativos de outros estudos igualmente bem desenhados e bem conduzidos. Nesta situação a associação positiva de um único estudo pode tanto sugerir a presença de vieses ou confundimentos, quanto refletir condições de exposição diferentes. Pôr outro lado, evidências de uma fraca, porém consistente associação através de vários estudos, sugerem tanto causalidade, quanto que alguns fatores de confundimento podem estar operando em todos estes estudos (Quadro II.12) (EPA, 1996).

II.4.5 - Avaliação de Outras Evidências

Informações adicionais usadas na avaliação qualitativa do potencial carcinogênico podem ser obtidas a partir de estudos comparativos de farmacocinética e metabolismo, estudos de genotoxicidade, análises de relação entre a atividade biológica e a estrutura química, e outros estudos sobre as propriedades do agente. As informações obtidas com estes estudos ajudam a elucidar modos de ação potenciais e o metabolismo e o destino biológico. O conhecimento dá suporte as interpretações sobre estudos relacionados ao câncer em seres humanos e animais e fornece uma fonte adicional de informações sobre o potencial carcinogênico (Quadro II.14) (EPA, 1996).

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Estendendo a visão quanto à totalidade das evidências todos os dados e inferências são avaliados em conjunto. De fato, a possibilidade de conferir pesos para as evidências estende-se sobre um amplo prolongamento que não pode estende-ser compartimentalizado (Quadro II.14) (EPA, 1996).

II.4.7 - Classificações dos Pesos das Evidências

A classificação de risco utiliza três categorias para descrever o potencial carcinogênico humano: conhecido/provável; não pode ser determinado e não provável. Cada categoria estende-se sobre uma grande variedade de conjuntos de dados e pesos de evidências. Desta forma, sempre haverão gradações, áreas de interseção e casos fronteiriços. O uso destas categorias dentro de uma narrativa preserva e mostra a sua complexidade que é uma parte essencial da classificação do perigo. Uma única substância pode ser categorizada de mais de uma forma se, pôr exemplo a substância é provavelmente carcinogênico pôr uma via de exposição, mas não pôr outra (EPA, 1996).

Conhecido/provável: Esta categoria é apropriada quando efeitos de tumores ou outros dados chave disponíveis são adequados para demonstrar convincentemente o potencial carcinogênico para seres humanos, e inclui (EPA, 1996):

a) substâncias reconhecidas como carcinogênicas em seres humanos, baseados tanto em evidências epidemiológicas quanto em combinações de evidências de estudos experimentais em animais e epidemiológicas, que demonstram causalidade entre exposição humana e câncer;

b) substâncias que devem ser tratadas como tal, se eles são reconhecidos como carcinogênicos seres humanos, baseados na combinação de dados epidemiológicos que demostram uma associação causal plausível (não demonstrada como definitiva) e forte evidência de estudos experimentais em animais;

c) substâncias que são reconhecidos como capazes de produzir câncer em seres humanos devido a produção antecipada de tumores pôr mecanismos de ação que são considerados relevantes ou assumidos como relevantes para carcinogenicidade humana.

Não pode ser provado: Esta categoria é apropriada quando efeitos de tumores ou outros dados chave disponíveis são sugestivos ou conflitantes ou apresentam quantidade limitada e, desta forma, não são adequados para demonstrar convincentemente, o potencial carcinogênico para seres humanos. Nesta categoria estão (EPA, 1996):

a) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, mas para as quais existe evidência sugestiva que levanta suspeitas sobre efeitos carcinogênicos;

b) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque a evidência existente é composta pôr dados conflitantes;

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c) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque existem dados inadequados para realizar uma avaliação;

d) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque não existe disponibilidade de dados para conduzir uma avaliação.

Não provável: Este categoria é apropriada quando a evidência de estudos experimentais em animais é satisfatória para decidir que não existe base para suspeita de perigo para seres humanos, como os seguintes (na ausência de dados de seres humanos que sugerem um efeito potencial de câncer) (EPA, 1996):

a) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos porque foram avaliados em pelo menos dois estudos bem conduzidos em duas espécies apropriadas de animais sem demonstrar efeitos carcinogênicos;

b) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos pelo fato de terem sido avaliados apropriadamente em animais e demonstraram efeitos carcinogênicos irrelevantes para seres humanos;

c) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos quando a carcinogenicidade é dependente da dose ou da via de exposição;

d) substâncias não prováveis com sendo carcinogênicos para seres humanos baseado em uma extensiva experiência com seres humanos que tenha demonstrado falta de efeito.

As ações regulamentadoras para definir o método apropriado para avaliação de risco têm levado em conta todos estes critérios. Geralmente, é assumido pelas agências responsáveis pela determinação de normas a serem seguidas pelos avaliadores de risco que, na ausência de uma forte evidência do contrário, para uma substância química, os resultados obtidos em experimentação animal com altas doses, realizado em diferentes vias de exposição, em espécies de roedores de curta duração de vida, associado com órgãos “sensíveis” (como fígado de rato), e tumores benignos são suficientes para predizer o risco de câncer em seres humanos com finalidade de avaliação de risco (EPA, 1996).

As diferentes classes de substâncias são categorizadas de acordo com a força das evidências encontradas em relação as mesmas. Conforme pode se observar a seguir a categorização é a seguinte (Quadro II.16) (EPA, 1996):

A - Carcinogênico humano comprovado: evidências suficientes em seres humanos.

B1 - Provável carcinogênico humano: dados em seres humanos limitados e dados suficientes em animais.

B2 - Provável carcinogênico humano: dados em seres humanos inadequados e dados suficientes em animais.

Referências

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