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Parte 2: Contribuições da análise estética freudiana para a elaboração do conceito de

1.2.1 A elaboração onírica

Acompanhar a genealogia do conceito de sublimação a partir das passagens da obra de Freud nas quais ele aparece é insuficiente para compreendermos todos os seus sentidos. Sabemos que este é um dos conceitos mais obscuros e espinhosos da psicanálise. Para melhor esclarecê-lo abordaremos a sublimação, nesta segunda parte do capítulo, a partir de um viés diferente: não mais por meio do exame das citações nas quais o termo aparece – que foi sobretudo nos textos teóricos −, mas situando-a em outros textos, como uma exigência do processo de teorização que vai do patológico para o normal e do normal para o intersubjetivo/cultural - artístico. Defenderemos que a criação artística reside no paradigma da sublimação. Com isso, argumentaremos em favor da tese geral do capítulo segundo a qual o exame freudiano da cultura contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da concepção de sublimação, que parece ser exemplar quando da solidariedade entre a reflexão metapsicológica e a investigação da cultura.

Publicada em 1900, A interpretação dos sonhos baseia-se em uma pesquisa dos fenômenos oníricos − ditos normais −, e apresenta o primeiro modelo de funcionamento do aparelho mental. A obra, considerada inaugural da psicanálise, propõe um método de interpretação dos sonhos que se estenderá para a interpretação dos sintomas neuróticos e das produções artísticas e culturais. Apresentar as bases do método de interpretação dos sonhos e a noção de trabalho do sonho nos auxiliará a compreender a concepção psicanalítica de arte e a razão pela qual o sonho será considerado uma “quase obra”.

Apontaremos o movimento de generalização do método da interpretação dos sonhos para os lapsos, que aparece em Psicopatologia da vida quotidiana (1901), e a partir da leitura de O chiste e sua relação com o inconsciente (1905) indicaremos que uma passagem é operada nesse momento da produção de Freud: da análise do indivíduo para a análise da cultura, do registro individual para o registro coletivo. O chiste aparece como o primeiro modelo freudiano de obra artística. Ele é um “lapso voluntário”, um “sonho deliberado”, em suma, uma formação “artística”. Mostraremos que o método de

interpretar os sonhos é, uma vez mais, generalizado para a análise dos chistes. Discutiremos a hipótese de que as raízes da sublimação estão presentes nesse fenômeno intersubjetivo, que parece inaugurar a abordagem freudiana da arte e estar na fronteira entre a estética e a psicologia.

Em seguida examinaremos algumas teses do pensamento estético de Freud, introduzidas em Caracteres psicopáticos no cenário (1906) e em O poeta e a fantasia (1908), para iniciarmos o exame dos textos considerados de aplicação: O delírio e os

sonhos em “Gradiva” de W. Jensen (1907), O motivo da eleição do cofre (1913), Uma recordação infantil de Leonardo da Vinci (1910), O Moisés de Michelangelo (1914), Alguns tipos de caráter elucidados pelo trabalho psicanalítico (1916), Dostoievski e o parricídio (1927), Uma neurose demoníaca no século XVII (1923), O estranho (1919), e Prêmio Goethe (1930). Na discussão desses textos evidenciaremos o conteúdo das

interpretações das obras de arte examinadas por Freud, as diferenças entre as análises biográficas e as análises voltadas para o universo da obra. Indicaremos de que maneira o modelo do trabalho do sonho é apropriado pelo artista no seu processo de criação. Mostraremos estar subentendida na concepção de fruição artística o exemplo de obtenção de prazer oriundo do estudo dos chistes. Identificaremos mais variantes que compõem a técnica da elaboração artística e que provocam emoção no espectador da obra. E, finalmente, precisaremos em que sentido os pontos por nós evidenciados dos textos estéticos de Freud contribuem para a aquisição de uma compreensão mais apurada do conceito de sublimação.

As experiências de Freud com os métodos da sugestão hipnótica, com o método catártico e a análise psíquica abriram um campo propício à sistematização de um método de tratamento mais eficaz que os anteriores por ser capaz de ampliar a concepção sobre a natureza das neuroses. Freud, em A interpretação dos sonhos (1900), não aplica simplesmente um método destinado às neuroses para as formações ditas “normais”; investiga, por intermédio deste segundo grupo, aspectos que não foram elucidados pelo primeiro. Por esse motivo, a pesquisa dos sonhos foi definida como um “[...] trabalho preparatório para a exploração dos problemas mais difíceis da psicologia das neuroses”.76

Mas seja qual for o objetivo de Freud em Traumdeutung, se é investigar os sonhos para elucidar o mecanismo da histeria, colher subsídios para compreender a

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estrutura e o funcionamento do psiquismo ou solidificar um método que, mais tarde, será aplicado aos fenômenos culturais, há uma descrição minuciosa sobre a forma de o método operar e dos processos que resultam na formação de um sonho. Como o propósito, aqui, é compreender a noção freudiana de trabalho do sonho ou elaboração onírica para, então, identificarmos as influências dessa concepção na definição psicanalítica de sublimação, parece-nos relevante comentar o papel da interpretação e os mecanismos psíquicos responsáveis pela produção dos sonhos.

Freud (1900) atenta para uma confusão em que muitos analistas incorrem ao buscarem a essência do sonho no seu conteúdo latente ignorando a distinção entre pensamento onírico latente e trabalho do sonho. No fundo, diz ele, “O sonho não é mais que uma forma particular de nosso pensamento possibilitada pelas condições do estado de dormir. O trabalho do sonho produz essa forma, e ele é a essência do sonho, a explicação de sua especificidade”.77 Peter Gay (1989) esclarece que, se a pressão dos desejos para alcançar a consciência fosse menor, ou se a necessidade de resistir a tal processo fosse menos preemente, o trabalho do sonho seria menos complexo. Ele é o “guardião do sono” e “sua função é a de converter impulsos e lembranças inaceitáveis numa história inofensiva capaz de neutralizar seu impacto e permitir que se expressem”.78

Não por acaso, Freud utiliza as seguintes metáforas para denominar a tarefa do intérprete dos sonhos: paleógrafo, tradutor e decodificador. Ele supõe haver dois textos psíquicos: o conteúdo manifesto e os pensamentos latentes que aparecem a nós como duas versões do mesmo conteúdo em duas línguas diferentes. “[...] Uma diferença de linguagens, portanto, e não uma diferença como a que existe entre duas línguas. No caso de duas linguas, há uma gramática que se mantém constante, assim como há a possibilidade de um código comum viabilizando a tradução, ao passo que, nos sonhos, cada sonhador cria sua própria gramática”.79 Os conteúdos dos sonhos surgiriam como a transcrição dos pensamentos do sonho em outra modalidade de expressão, e o intérprete deveria conhecer os caracteres e leis sintáticas se quisesse transformar o texto traduzido no texto original. Freud compara o sonho a um rébus, a uma charada com figuras aparentemente aburdas passível de leitura apenas se nos conformarmos com sua aparente falta de sentido e se substituirmos cada figura por uma sílaba ou palavra.

77A interpretação dos sonhos, AE IV e V, p. 502. 78

Gay, P. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 118. 79

A pesquisa das relações entre o conteúdo manifesto e pensamentos latentes do sonho e a investigação dos processos pelos quais estes últimos se convertem nos primeiros conduz o autor à formulação da noção de trabalho do sonho, responsável pela transformação do conteúdo latente em conteúdo manifesto. As principais funções do trabalho onírico são a condensação, o deslocamento, os meios de representabilidade – ou figuração − e a elaboração secundária.80 Tais funções, embora sejam exclusivas dos sonhos, podem ser detectadas na formação dos sintomas neuróticos, nos lapsos lingüísticos e nos chistes.

A condensação aparece em A interpretação dos sonhos (1900) como o fenômeno responsável pela desproporção entre o texto do conteúdo latente e o texto do conteúdo manifesto. Via de regra, o material elucidado pela interpretação é sempre maior que o conteúdo manifesto. A pesquisa das massas de pensamento levou Freud a constatar que os elementos que compõem o pensamento onírico são reunidos em poucas representações e que somente por meio da investigação das ligações e das conexões entre as representações é possível ter acesso a esse pensamento. Quando uma concatenação de pensamentos parece não ter nenhuma relação com o material que deu origem ao sonho, o seu sentido freqüentemente vem representado no conteúdo do sonho e é indispensável à interpretação.

O conceito de ponto nodal foi elaborado pela pesquisa das cadeias de associações. Corresponde a representações distintas umas das outras e providas de intenso valor psíquico, que tenderiam a um movimento de convergência em um único ponto. Roudinesco e Plon (1998) sublinham que a análise do sonho da monografia botânica possibilitou a Freud demonstrar a maneira pela qual ambas as representações desempenham o papel de nós ou pontos de condensação nos quais pensamentos latentes cristalizam-se por se prestarem a inúmeras interpretações. O exemplo desse sonho, sobretudo a análise dos motivos que culminam na eleição das duas palavras “monografia” e “botânica”, ilustra bem o mecanismo da condensação. Ambas as palavras foram pensadas como tendo uma série de encadeamentos ligados em algum ponto ao evento que suscitou o sonho, isto é, a conversa que Freud travou com o amigo

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As duas primeiras são consideradas mais relevantes que as demais por serem processos inerentes ao funcionamento inconsciente e por se encontrarem em outras formações psíquicas. Nos termos de Gay (1989), “[...] o deslocamento e a condensação oníricas são os dois mestres artesãos a cuja atividade podemos atribuir principalmente a configuração do sonho”. Gay, Freud: uma vida para nosso tempo, p. 313.

e que mobilizou grande quantidade de afeto. Nesse sentido, “monografia” e “botânica” “[...] só pertencem ao conteúdo manifesto por possuírem o mais rico contato com a maioria dos pensamentos oníricos ou, dito de outro modo, por condensarem inúmeros significados suscitados pela conversa”.81

Resumidamente, dentre as fontes originárias que dão forma aos sonhos, duas forças psíquicas destacam-se: uma que forma o desejo expresso pelo sonho e outra que exerce a censura sobre esse desejo, obrigando a uma distorção de sua expressão. O trabalho de deslocamento é o local por excelência da censura psíquica na medida em que permite que o afeto escape da resistência mobilizada pela censura. O valor dos elementos de um pensamento onírico é desprezado na formação de um sonho pelo fato de a catexia de uma representação psíquicamente mais investida poder ser deslocada para outra representação. Para que uma massa de representações ingresse na consciência uma força psíquica age retirando energia das representações inconscientes carregadas de afeto e deslocando-as para representações substitutas: “Na formação onírica ocorre, então, uma transferência e um deslocamento das intensidades psíquicas dos elementos singulares, do qual deriva a diferença de texto entre conteúdo e pensamento onírico”.82

Cada elemento do conteúdo do sonho é, segundo Freud, sobredeterminado, isto é, é representado várias vezes no pensamento do sonho. Os dois processos, a condensação e o deslocamento, atestam, no plano do sentido, uma “sobredeterminação”. Esta comanda a condensação, que oculta no conteúdo manifesto uma multiplicidade de significações. Do mesmo modo, comanda o deslocamento, que trabalha com as intensidades psíquicas. “Para criar novos valores, deslocar ênfases, ‘pôr de lado’ o ponto de intensidade, é preciso que o deslocamento siga o caminho da sobredeterminação.”83

A elaboração secundária, outra operação do trabalho do sonho, modifica o sonho a fim de que apareça na forma de uma história coerente e compreensível. Sua finalidade é fazer que o sonho perca sua aparência de absurdo, aproximando-o do pensamento diurno. Essa função do trabalho do sonho articula suas partes dispersas e é responsável pelo que Freud denominou (Kittgedanken) “pensamentos argamassa”, que tem um papel aglutinador; estabelece os nexos entre os fragmentos do sonho.

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Nakasu, M. V. P. “O sentido e o lugar da interpretação na clínica freudiana”. Dissertação de mestrado em Filosofia, UFSCar, 2002, p. 55.

82A interpretação dos sonhos, AE IV e V, p. 313. 83

Os “meios de representabilidade do sonho” ou “meios de figuração” exercem forte influência sobre a seleção do material que chega ao sonho.

Essa figuração, forma de expressão própria do sonho, é ao mesmo tempo uma “desfiguração” dos pensamentos latentes, pois as imagens que ocupam o lugar da palavra não o fazem de forma evidente e nem obedecem a um código fixo de substituição [...] As imagens do sonho manifesto nos remetem não às coisas, mas às palavras, ou, mais precisamente, as imagens remetem às imagens, numa composição pictórica onde a articulação dos elementos ocupam o lugar de palavras.84

Os pensamentos oníricos − isto é, os conteúdos que substituem cabalmente o sonho se não existisse a censura −, se organizam como um complexo de pensamentos e recordações que possuem todas as propriedades das ligações de pensamentos características do estado de vigília. Tais pensamentos não partem de um centro apenas, mas de vários, possuem inúmeros pontos de contato e com regularidade junto a uma ligação de pensamento se apresentam pensamentos contrários. As mais variadas relações lógicas unem tais conteúdos. Por exemplo, existem os primeiros e os segundos planos, as digressões, as elucidações, as demonstrações e as objeções.

Tendo em vista que o pensamento origina-se de imagens sensoriais cuja matéria-prima são as impressões – que num momento posterior se ligam às palavras que, por sua vez, vão se articular em pensamento −, o trabalho do sonho procede regressivamente, transformando os pensamentos em imagens, operando, assim, um retorno à expressão imagística e concreta. Mas se o recurso da figuração onírica confere ao sonho uma riqueza, como lembra Garcia-Rosa, devido aos recursos que a encenação imaginária põe a serviço dos pensamentos latentes, também representa uma limitação, a dificuldade de expressar os conteúdos mais abstratos do pensamento latente ou o que dele diz respeitos a termos conjuntivos.

Ao entrar em ação, o trabalho do sonho elimina os traços lógicos dos pensamentos oníricos. Diante disso, Freud se pergunta: “Que figuração recebem no sonho os ‘se, porque, assim como, então...’ e todas as outras conjunções sem as quais não podemos compreender orações nem discursos?”.85 A seu ver, o sonho não dispõe de meio algum para representar as relações lógicas entre os pensamentos oníricos tal qual ela existe na vida de vigília. Quase sempre ele omite essas preposições. Cabe à interpretação restaurar a trama que o trabalho do sonho aniquilou.

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G-Rosa, Introdução à metapsicologia 2, p. 86. 85A interpretação dos sonhos, AE IV e V, p. 318.

A incapacidade de expressão das relações lógicas relaciona-se ao material psíquico com o qual o sonho é feito. O mesmo acontece nas artes figurativas, na pintura e nas artes plásticas: o material utilizado nesses casos não é apto a representar os tipos de relações comuns ao pensamento de vigília. Assim, traços como a argumentação, a ironia e a comparação, presentes no pensamento desperto, estão ausentes nos sonhos.86 Isso não significa, porém, que o sonho não disponha de meios próprios para representar as relações lógicas, como a pintura e outras expressões artísticas possuem.

Ora, quais são, então, as ferramentas de que o trabalho do sonho se vale para representar as relações do material onírico, tão difíceis de representar? O sonho pode unificar fragmentos do pensamento onírico como situação ou processo, refletindo, nesse sentido, “uma conexão lógica como simultaneidade”. Sempre que há dois elementos, um ao lado do outro, isso indica que os elementos correspondentes entre os pensamentos oníricos mantêm um nexo particularmente íntimo. Para representar as relações causais o sonho apresenta outro procedimento: quando no pensamento onírico há a formulação “por que isto era assim e assim e ocorreu isto e aquilo”, o mais freqüente é que se represente a primeira parte como sonho-prólogo e a outra parte como sonho principal. Isso pode se dar inversamente também, mas sempre a outra parte corresponderá à parte mais detalhada do sonho. Outra forma de representar um nexo causal é transformando uma figura do sonho − seja pessoa ou coisa − em outra. A causação pode ser representada pela sucessão, mas, de qualquer modo, “na maioria dos casos a relação causal não é representada de modo algum, mas se perde na sucessão dos elementos, inevitável no processo do sonhar”.87

O sonho não é capaz de expressar a alternativa “ou isto ou aquilo”, pode representar os dois termos. Nos pensamentos oníricos não ocorre uma alternativa, mas um “e”, uma simples coordenação conjuntiva. Em relação à oposição e à contradição, o “não” não inexiste para o sonho. O sonho pode compor os opostos em uma unidade ou representá-los em um elemento idêntico. Entre as relações lógicas apenas uma é favorecida pelo mecanismo da formação do sonho: a relação da semelhança, a concordância, o “assim como”. Estes são os primeiros pontos de apoio na formação dos sonhos e, freqüentemente, o trabalho do sonho cria novas congruências quando aquelas

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Freud menciona que “[...] o que o aparente pensar do sonho reflete é o conteúdo dos pensamentos oníricos, não a relação recíproca entre os pensamentos oníricos, em cujo estabelecimento consiste o pensar”. A interpretação dos sonhos, AE IV e V, p. 319.

existentes não podem abrir caminho até o sonho devido à censura da resistência. Nesses casos, a condensação vem em ajuda da “figuração”.

A inversão, mudança para o contrário, é um dos meios de representação preferidos pelo trabalho do sonho. Antes de tudo, ele impõe a vigência da realização de desejo em relação a um elemento determinado dos pensamentos oníricos. A expressão “bem que poderia ter ocorrido o inverso” é a melhor maneira de representar a relação do ego frente a um conteúdo penoso. A inversão, mudança para o contrário, é um dos meios de representação preferidos pela elaboração onírica. Há, igualmente, a inversão temporal, na qual o final do assunto ou a conclusão da ligação do pensamento é representada no início do sonho.

Freud faz uma ampla descrição da intencionalidade de alguns traços formais da representação onírica em relação aos pensamentos do sonho. Algo que chama sua atenção dentre os caracteres formais são as diferenças de intensidade sensorial entre os produtos oníricos singulares e de nitidez entre partes dos sonhos ou entre sonhos inteiros comparados entre si. “O fator da realidade não conta para a determinação das intensidades das imagens oníricas”.88 Os elementos mais intensos são os mais significativos e constituem o centro dos pensamentos oníricos, são por meio deles que a realização de desejo se expressa.

Em relação ao figural e ao abstrato, o autor afirma que dentre diversos fios colaterais dos pensamentos oníricos o trabalho do sonho prefere os fios que permitem uma representação – figuração – visual e se esforça em trocar os pensamentos abstratos em outra forma lingüística, desde que seja passível de representação. Ele admite que, por regra geral, uma expressão incolor e abstrata do pensamento onírico é substituída por outra, figural e concreta. Assim, lemos: “Para o sonho, o figural é o susceptível de representação, pode ser introduzido em uma situação, em contrapartida, a expressão abstrata ofereceria à figuração onírica dificuldades semelhantes às que oporia, por exemplo, um artigo político de fundo de um periódico a sua ilustração”.89

Para conseguir a representabilidade isenta de censura, o trabalho do sonho usa as vias já facilitadas no pensamento inconsciente. Prefere as mudanças do material reprimido que, na qualidade de chiste e alusão, tem permitido também tornar consciente

88A interpretação dos sonhos, AE IV e V, p. 334. 89A interpretação dos sonhos, AE IV e V, p. 345.

e nas quais repousam todas as fantasias dos neuróticos. Sendo assim ele opera uma remodelação lingüística. A poesia vem em seu auxílio para clarear essa idéia:

Se uma poesia deve ser criada respeitando a rima, a segunda série de versos está ligada a duas condições: deve expressar o sentido que lhe corresponde e achar a consonância com os versos da primeira série. As melhores poesias são aquelas em que não se nota o propósito de rimar, mas que os dois pensamentos selecionaram de antemão, por indução recíproca, sua expressão lingüística, atrás da qual uma ligeira reelaboração permite fazer surgir a consonância.90

Os procedimentos dos quais se vale a figuração onírica resultam em uma concepção freudiana da imagem. O sexto capítulo de A interpretação dos sonhos