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OS ELEMENTOS DA TEORIA DE SCHLENKER

Nesta se¸c˜ao caracterizaremos alguns dos elementos b´asicos da reformula¸c˜ao te´orica proposta por Schlenker (1999, 2003, 2010) para a abordagem kaplaniana das express˜oes indexicais. Ser´a feita uma breve retomada da reelabora¸c˜ao proposta pelo autor quanto aos verbos de atitude e dicendi, aos contextos e aos indexicais. Mais especificamente, explicitaremos aspectos da ideia de Schlenker de que os indexicais s˜ao lexicalmente marcados com tra¸cos que os capacitam, ou n˜ao, a serem indexicais monstruosos.

Primeiro, os verbos de atitudes e os verbos dicendi na teoria de Schlenker, como vimos na se¸c˜ao 2.3, s˜ao quantificadores sobre contex- tos. Essa an´alise ´e similar `a an´alise proposta pela l´ogica modal padr˜ao, exceto pelo fato de que na l´ogica modal padr˜ao os verbos de atitude s˜ao quantificadores sobre mundos poss´ıveis. De acordo com o linguista “[...] attitude verbs [devem] be treated as quantifiers over contexts rather than as context-shifting modal operators.”(SCHLENKER, 2003, p. 64); se os verbos de atitude fossem “mudadores” de contexto todos os indexicais ap´os essas express˜oes seriam indexicais monstruosos, o que n˜ao ´e o caso, pois podemos encontrar indexicais bem-comportados (indexicais que respeitam os pressupostos kaplanianos) ap´os verbos de atitude.

Por sua vez, os contextos, que s˜ao respons´aveis pelo valor semˆan- tico dos indexicais, segundo Schlenker, s˜ao formados, no m´ınimo, por dois indiv´ıduos (agente e ouvinte do contexto), um local, um tempo e um mundo do contexto. A partir desses elementos, ´e constru´ıda a ˆ

enupla de coordenadas do contexto, ⟨ca, ch, ct, cl, cw⟩. Os elementos formadores de um contexto s˜ao os mesmos tanto para Schlenker (1999, 2003, 2010) quanto para Kaplan (1989), como visto no Cap´ıtulo 1, se¸c˜ao 1.2.

Quanto aos indexicais, foi demonstrado por Schlenker que inde- xicais monstruosos, que tˆem seu contexto de avalia¸c˜ao modificado por operadores de atitude, existem em l´ınguas naturais. No entanto, n˜ao foi discutido o fato de alguns indexicais n˜ao poderem ser modificados (serem unshiftable), ou seja, s´o serem avaliados a partir do contexto de proferimento hic et nunc, enquanto outros podem ser modificados (s˜ao shiftable) sob o escopo do operador de atitude, ou seja, podem ser avaliados em outro contexto (c′) que n˜ao o contexto de proferimento. Esse ponto ´e importante, e para ele Schlenker (1999, 2003) utiliza uma explica¸c˜ao baseada no l´exico, pois em um olhar superficial “[...] in principle every indexical should have the ability to be shifted under an

attitude verb”(SCHLENKER, 2003, p. 74).

Essas quest˜oes est˜ao ligadas `a classifica¸c˜ao dos indexicais feita pelo autor, para ele os indexicais estritos s˜ao itens que s˜ao lexicalmente marcados como dependentes do contexto e s˜ao esses termos, somente, que podem ser indexicais modificados/monstruosos; ao contr´ario dos termos que tˆem usos indexicais, como as express˜oes anaf´oricas. Assim, segundo Schlenker (2003, 2010), o tra¸co de dependˆencia do contexto das express˜oes indexicais vem do l´exico e, em consequˆencia, a capacidade dos indexicais serem ou n˜ao monstruosos tamb´em.

Uma importante quest˜ao colocada para a teoria de Schlenker trata do fato de alguns indexicais, como ‘no dia depois de amanh˜a’, n˜ao poderem ser monstruosos enquanto que outros, como ‘em dois dias’, terem essa capacidade, no que se diferenciam essas express˜oes? Ainda, como dar conta da habilidade dos pronomes logof´oricos de somente serem avaliados no contexto de relato e n˜ao no contexto de proferimento?

Schlenker (1999) oferece uma solu¸c˜ao baseada em estipula¸c˜oes lexicais, que chama de ‘mecanismo de filtragem’. Esse mecanismo ´e feito morfossintaticamente: a distin¸c˜ao ´e feita entre vari´aveis do contexto matriz (de proferimento) e do contexto encaixado (do relato), e.g., ‘amanh˜a(c)’ onde c ´e uma vari´avel de contexto encaixado. Essa solu¸c˜ao produz duas classes de indexicais:

(i) os elementos que s´o podem ser avaliados em rela¸c˜ao ao con- texto do proferimento (c∗);

(ii) os elementos que podem ser avaliados em rela¸c˜ao a algum contexto qualquer.

´

E postulado um tra¸co bin´ario para essa duas classes ‘+c∗’ ou ‘+contexto do proferimento’; as express˜oes que s˜ao indexicais possuem natural- mente o tra¸co ‘+indexical’, j´a que dependem de um contexto para receberem um valor semˆantico.

Na concep¸c˜ao fundada no l´exico de Schlenker (1999, 2003), a vari´avel de contexto c∗ refere-se, exclusivamente, ao contexto de proferimento, assim como ´e feito nesta disserta¸c˜ao. A partir disso, ´e estipulado que algumas express˜oes indexicais podem somente ter como argumento c∗, enquanto outras express˜oes indexicais podem ter como argumento uma vari´avel de algum contexto e ainda outros itens, como os logof´oricos, podem tomar como argumento n˜ao-c∗.

Assim sendo, por exemplo, o indexical ‘I’ do inglˆes possui o tra¸co +indexical e +c∗, segundo Schlenker (2003, 2010), j´a que ´e

um termo que ´e dependente do contexto e n˜ao pode ser avaliado em outro contexto, mesmo quando est´a sob o escopo do operador de atitude, a n˜ao ser no contexto de proferimento; a express˜ao indexical ‘em dois dias’, por seu turno, possui os tra¸cos +indexical e contexto n˜ao-especificado; os pronomes logof´oricos, finalmente, s˜ao marcados pelos tra¸cos +indexical e -c∗, porque eles s˜ao “[...] elements that may only appear in the scope of an attitude operator, and must thus be semantically dependent on the context variable introduced by such operators.”(SCHLENKER, 2003, p. 75).

As entradas lexicais para os indexicais kaplanianos (bem-comporta- dos), monstruosos (modificados) e para os pronomes logof´oricos est˜ao representadas na Figura 15.

Figura 15: Tipologia dos indexicais de Schlenker (1999).

Com base nessas entradas lexicais algumas representa¸c˜oes s˜ao bloqueadas, por exemplo, o indexical ‘I’ do inglˆes ´e caracterizado na teoria de Schlenker como +indexical e +c∗. Assim sendo, n˜ao ´e permitido que ele seja um indexical monstruoso quando est´a sob o escopo do operador de atitude, pois esse item possui como referente o agente do contexto de proferimento (c∗a). Com base na ideia do inglˆes e no comportamento do indexical ‘I’, podemos representar a senten¸ca em (d), como (d’), em que o indexical bem-comportado do inglˆes, nesse caso, toma como argumento o contexto de proferimento c∗.

A formaliza¸c˜ao apresentada em (d”), por sua vez, representa um indexical que pode ser monstruoso e n˜ao tem restri¸c˜ao quanto ao contexto que toma como argumento, pois possui esse tra¸co n˜ao- especificado, e por isso, ilustra um indexical como o de primeira pessoa do am´arico que tem como referente o agente do contexto relatado (c′a)27. 27As representa¸oes em (d’) e em (d”) s˜ao baseadas nas apresentadas por Schlenker (2003, p. 78).

(d) John says that I am a hero.

(d’) SAY⟨a,h,l,t,w⟩ c∗ hero(I(c∗), tempo(c∗), local(c∗), mundo(c∗)) (d”) SAY⟨a,h,l,t,w⟩c hero(I(c), tempo(c), local(c), mundo(c))

O sistema desenvolvido por Schlenker ´e adequado mas, como o pr´oprio autor declara, ´e estipulativo, j´a que o mecanismo de filtragem possui estipula¸c˜oes lexicais que n˜ao s˜ao motivadas independentemente. E, “[...] one would like to couch these stipulations in a theoretical vo- cabulary which is independently needed for other parts os the grammar” (SCHLENKER, 2003, p. 81).

2.7 COMENT´ARIOS IMPORTANTES SOBRE AS CONCEP ¸C ˜OES