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Existem operadores-monstros? Talvez nos pr´ oxi-

1.7 OS PONTOS DE TENS ˜ AO DA TEORIA DE KAPLAN

1.7.2 Existem operadores-monstros? Talvez nos pr´ oxi-

Conforme adiantamos na se¸c˜ao 1.7, a proibi¸c˜ao contra operadores- monstros de Kaplan (1989) vem sendo contestada por argumentos como os de Schlenker (1999, 2003, 2010) e os de Predelli (2008), que mostram, entre outras coisas, que a conclus˜ao de Kaplan (1989) foi baseada em um exemplo ´unico, e por isso insuficiente. Insuficientes, tamb´em

foram as buscas e os dados nos quais o fil´osofo se baseou, j´a que o Kaplan (1989) analisou, exclusivamente, dados do inglˆes para fazer a afirma¸c˜ao generalizada sobre a impossibilidade de operadores-monstros existirem em l´ınguas naturais. Nesta se¸c˜ao ser˜ao apresentados, de modo breve pois esses s˜ao t´opicos dos pr´oximos cap´ıtulos, os argumentos e os elementos que Schlenker (1999, 2003, 2010) e que Predelli (2008) utilizam para combater a proibi¸c˜ao de Kaplan (1989) e o modo como organizamos textualmente esses itens.

As pesquisas e resultados que buscam refutar a afirma¸c˜ao de Ka- plan (1989) quanto `a n˜ao-existˆencia de monstros que ser˜ao abordadas nos cap´ıtulos seguintes podem ser separadas em trˆes dom´ınios, que s˜ao:

ˆ dom´ınio temporal; ˆ dom´ınio modal; ˆ dom´ınio pronominal.

Esses dom´ınios est˜ao ligados `as coordenadas que formam um contexto de avalia¸c˜ao e sofrem influˆencias de trˆes operadores:

(i) Monstro: operador de atitude;

(ii) Monstro: operador modal;

(iii) Monstro: operador metaficcional.

1.7.2.1 Dom´ınios e operadores-monstros: caracter´ısticas gerais

S˜ao expostas, na sequˆencia, algumas das caracter´ısticas gerais de cada um desses dom´ınios e dos operadores-monstros, elementos esses utilizados contra a teoria kaplaniana dos indexicais.

(i) Dom´ınio temporal

Em rela¸c˜ao ao dom´ınio temporal, Schlenker (1999, 2003, 2010) ´e o autor que re´une mais dados que se op˜oem `a proibi¸c˜ao contra operadores-monstros de Kaplan (1989). Ele apresenta dados do inglˆes como as express˜oes adverbiais temporais ‘in two days’ e ‘two days ago’ que podem ter seus caracteres controlados por operadores-monstros, como os verbos de atitude. Os operadores de atitude, segundo Schlenker (2003, 2010), podem modificar o contexto de avalia¸c˜ao do indexical em

seu escopo. Por consequˆencia, o indexical monstruoso temporal pode se fixar no contexto reportado c′, e n˜ao no contexto de proferimento

hic et nunc c∗, ao contr´ario do que afirmara Kaplan (1989).

(ii) Dom´ınio modal

No que diz respeito ao dom´ınio modal, a abordagem que podemos destacar ´e a de Predelli (2008). Essa abordagem n˜ao ´e peculiar a uma determinada l´ıngua, e sim uma abordagem que pode ser levada em conta para todas as l´ınguas, visto que ela se aplica a esp´ecies de discursos e `as rela¸c˜oes desses com a fic¸c˜ao. Predelli (2008) trabalha com discursos metaficcionais, ou seja, senten¸cas sobre fic¸c˜ao, e por conta disso, refuta, entre outras coisas, a proposta de Lewis (1978) para o discurso sobre fic¸c˜ao e a abordagem de Kaplan (1989) para os indexicais. O autor demonstra, em sua concep¸c˜ao, que um operador- monstro pode atuar sobre o car´ater de um indexical e, ao mimetizar esse fenˆomeno, ele fornece uma an´alise adequada `a nossa intui¸c˜ao sobre a semˆantica das senten¸cas metaficcionais com indexicais. O operador- monstro de Predelli (2008) ´e um operador modal que, pela sua dupla indexa¸c˜ao, pode mudar tanto o ponto de avalia¸c˜ao de uma senten¸ca (mundo poss´ıvel), quanto o contexto em que a senten¸ca ´e avaliada. Esse ´ultimo tipo de mudan¸ca ´e o tipo condenado por Kaplan (1989).

(iii) Dom´ınio pronominal(LEWIS, 1978)

No dom´ınio pronominal ou que se relaciona com as coordenadas de pessoa da ˆenupla contextual, Schlenker (1999, 2003, 2010) refuta a teoria de Kaplan atrav´es de dados colhidos de l´ınguas como o am´arico24 em que os indexicais ap´os um verbo de atitude apresentam um com- portamento monstruoso. Isso se d´a, pois os indexicais pronominais se fixam ao contexto reportado (c′) e n˜ao ao contexto de proferimento hic

et nunc (c∗). Considere, para observar o comportamento dos indexicais no am´arico e no PB, a situa¸c˜ao em (36) e as senten¸cas de (37) a (39) (SCHLENKER, 2003, p. 31):

(36) Situa¸c˜ao a ser relatada: Jo˜ao disse: “Eu sou um her´oi”

24A l´ıngua am´arica ´e uma l´ıngua sem´ıtica e ´e o idioma oficial da Eti´opia, com cerca de 26 milh˜oes de falantes nativos.

(37) Am´arico25 (literalmente): Jo˜aoi disse que euisou um her´oi. (38) PB: * Jo˜aoi disse que eui sou um her´oi.

(39) PB: Jo˜aoi disse que elei ´e um her´oi.

No caso do am´arico, (37), o indexical ‘eu’ n˜ao se refere ao falante da senten¸ca em (37), do contexto de proferimento hic et nunc (c∗), e sim ao Jo˜ao que ´e o agente do contexto que est´a sendo reportado (c′). Na senten¸ca (38) do PB, por sua vez, ao indexical ‘eu’ ´e imposta uma interpreta¸c˜ao de agente do contexto reportado (c′a), o que vai contra a intui¸c˜ao do falante e torna a senten¸ca agramatical. Pode-se afirmar que o PB, nesse exemplo, apresenta um indexical bem-comportado, ou seja, nos moldes da teoria de Kaplan (1989) em que o item ‘eu’ s´o pode se referir ao agente do contexto de proferimento (c∗a). Assim sendo, de acordo com a situa¸c˜ao (36), como (39) exemplifica, a ´unica maneira de se referir ao agente do contexto relatado (c′a) no PB ´e pelo uso do demonstrativo ‘ele’, que nesse caso ´e um elemento anaf´orico, e n˜ao um indexical.

Com essa esquematiza¸c˜ao geral posta, salientamos que explo- raremos nos cap´ıtulos seguintes, com mais detalhes, os dom´ınios em que podem ser encontrados operadores-monstros e os indexicais monstruo- sos. Al´em disso, mostraremos que o PB tˆem operadores desse tipo e, por consequˆencia, indexicais monstruosos. Come¸caremos, no Cap´ıtulo 2, analisando o dom´ınio temporal.