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Significado Kaplan versus Frege

1.4 EXPRESS ˜ OES N ˜ AO-INDEXICAIS E INDEXICAIS

1.4.3 Significado Kaplan versus Frege

Nesta se¸c˜ao trataremos de algumas das aproxima¸c˜oes que Ka- plan (1989) tenta elaborar em rela¸c˜ao `a sua teoria do significado dos indexicais, que inclui o car´ater e o conte´udo, e a teoria do significado de Frege (1892) para as descri¸c˜oes definidas, que inclui o sentido e a referˆencia. Kaplan (1989) faz isso, para na verdade, mostrar que a teoria da referˆencia indireta de Frege n˜ao ´e adequada para dar conta dos aspectos do significado dos indexicais enquanto que a teoria da referˆencia direta, que ele defende, ´e.

Ao tentar esclarecer algumas no¸c˜oes epistemol´ogicas sobre os aspectos fregeanos do significado, objeto do pensamento e a significˆan- cia cognitiva de um objeto do pensamento, em rela¸c˜ao aos aspectos kaplanianos do significado, car´ater e conte´udo, Kaplan afirma que esses

pares podem ser correspondentes, pois “[...] a character may be likened to a manner of presentation of a content. This suggests that we identify objects of thought with contents and the cognitive significance of such objects with characters.”(KAPLAN, 1989, p. 530). A partir disso, ter- se-´ıa uma correspondˆencia tal qual mostrada na Figura 8.

Figura 8: Correspondˆencias das teorias do significado de acordo com Kaplan.

A significˆancia cognitiva, que est´a correlacionada na Figura 8 ao car´ater, j´a foi abordada rapidamente na se¸c˜ao 1.4.2, na situa¸c˜ao em que as cal¸cas de Kaplan estavam pegando fogo e a significˆancia cognitiva dele (que representa as atitudes tomadas frente ao epis´odio) varia dependendo do car´ater da senten¸ca pensada por ele, pois segundo Kaplan (1989) “my behavior is sensitive to whether I think, ‘His pants are on fire’ or ‘My pants are on fire’, though the object of thought may be the same.”(KAPLAN, 1989, p. 533). Considere uma outra situa¸c˜ao, similar a essa:

(23) Um passageiro chamado Cl´ovis entra em um ˆonibus e faz uma longa viagem, que dura muitos dias. Ap´os chegar ao seu destino e aguardar a sua vez de descer, Cl´ovis enxerga um homem no espelho do ˆonibus com um aspecto sujo, barba por fazer e pensa: ‘A barba dele est´a muito feia’, mas em seguida percebe que aquele homem ´e ele pr´oprio (Cl´ovis) e ent˜ao pensa: ‘A

minha barba est´a muito feia’.

Nessa situa¸c˜ao, consideramos duas senten¸cas, ‘A barba dele est´a muito feia’ e ‘A minha barba est´a muito feia’, que s˜ao detentoras do mesmo conte´udo, ou seja, o mesmo objeto do pensamento, que pode ser parafraseado como ‘A barba do Cl´ovis est´a muito feia’ ou ser represen- tado como ⟨barba-do-Cl´ovis, est´a-muito-feia⟩. Mas os caracteres s˜ao diferentes, pois em ‘A barba dele est´a muito feia’ o falante n˜ao percebe que ´e ele o mal-arrumado e aponta outra pessoa como possuidora dessa caracter´ıstica, e por consequˆencia, a significˆancia cognitiva do pensamento ´e tal que o falante n˜ao tomaria atitude para melhorar sua pr´opria aparˆencia.

No entanto, na senten¸ca ‘A minha barba est´a muito feia’ o car´ater ´e tal que o agente do contexto tem a percep¸c˜ao de que est´a mal-arrumado e, al´em disso, a significˆancia cognitiva do pensamento tamb´em ´e diferente da anterior, pois certamente Cl´ovis far´a a barba o mais r´apido poss´ıvel. Desse modo, a diferen¸ca entre os caracteres das senten¸cas coincide com a diferen¸ca percebida na significˆancia cognitiva, assim como se observa que o conte´udo das senten¸cas ´e o mesmo, ou seja, o seu objeto de pensamento/proposi¸c˜ao ´e o mesmo.

Na situa¸c˜ao que retrata o engano de Cl´ovis, as correspondˆencias entre os elementos constitutivos das teorias de Frege (1892) e de Kaplan (1989) funcionam adequadamente, pois o que temos, do ponto de vista de teoria de Kaplan, s˜ao dois caracteres diferentes para o mesmo conte´udo, ou, do ponto de vista de teoria de Frege, duas significˆancias cognitivas de um pensamento para um objeto do pensamento.

No entanto, n˜ao se pode afirmar que o mesmo ocorre na situ- a¸c˜ao (24), trazida de Kaplan (1989, p. 530). Em (24), a teoria de Frege (1892) n˜ao mimetiza satisfatoriamente o significado dos indexicais (precisamente a varia¸c˜ao no conte´udo de (B)), enquanto que a teoria do car´ater e do conte´udo de Kaplan (1989) ´e adequada para essa fun¸c˜ao.

(24) If you and I both say to ourselves, (B) ‘I am getting bored’

Segundo Kaplan (1989, p. 530),

In Frege’s theory, a given manner of presentation presents the same object to all mankind. But for us, a given manner of presentation - a character - [...] will, in general, present different objects (of thought) to different persons [...].

Sendo assim, atrav´es da teoria de Frege (1892) a senten¸ca em (B), mesmo proferida por pessoas diferentes em contextos diferentes, n˜ao vai produzir proposi¸c˜oes diferentes, j´a que temos um mesmo modo de apresenta¸c˜ao. Em outras palavras, uma dada significˆancia cognitiva (= car´ater) gera o mesmo objeto do pensamento (= conte´udo) para todos os indiv´ıduos que proferem uma mesma senten¸ca, como a dada em (24) (B). Para Kaplan (1989), por seu turno, apesar do car´ater da senten¸ca (B) ser o mesmo quando diferentes pessoas proferem-na, o conte´udo vai variar a cada proferimento. Logo, a an´alise proposta por Frege (1892) n˜ao ´e adequada pois n˜ao d´a conta da varia¸c˜ao do conte´udo de uma senten¸ca com indexicais como ‘Eu estou chateado’, que se proferida pelo Jo˜ao, pela Maria e pelo Carlos tem o mesmo car´ater, i.e., ⟨ca, estar-chateado⟩, mas apresenta conte´udos diferentes, como pode ser observado pelas proposi¸c˜oes estruturadas a seguir⟨Jo˜ao, estar-chateado⟩, ⟨Maria, estar-chateado⟩ e ⟨Carlos, estar-chateado⟩.

Assim sendo, apesar das teorias de Frege (1892) e Kaplan (1989) terem um certo grau de correspondˆencias, como as que foram apontadas por Kaplan (1989) e esquematizadas na Figura 8, a teoria de Frege da referˆencia indireta n˜ao comporta as facetas do significado dos indexicais que s´o podem ser modelados em uma teoria da referˆencia direta e com o aux´ılio do car´ater e do conte´udo.