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Operador-monstro-metaficcional: amplia¸ c˜ ao do operador-

3.6 ENCONTRANDO MAIS INDEXICAIS MONSTRUOSOS

3.6.2 Operador-monstro-metaficcional: amplia¸ c˜ ao do operador-

O operador que precisamos para dar conta da senten¸ca em (113) em muito se assemelha ao F M proposto em Predelli (2008), por´em, ao inv´es de mudar apenas a fixa¸c˜ao dos indexicais ligados `a coordenada de mundo do contexto, deve mudar tamb´em a fixa¸c˜ao de outras coordenadas, como a de agente do contexto (ca). Por conta desse novo operador ter sua abrangˆencia alargada, em rela¸c˜ao ao operador proposto pela AM, i.e., n˜ao atuar somente sobre os indexicais que se relacionam `a coordenada de mundo do contexto, e sim, sobre os indexicais que se relacionam `as coordenadas de pessoa, passamos a denominar a nova vers˜ao do operador-monstro-modal de operador-

monstro-metaficcional. Considere a seguinte defini¸c˜ao desse novo ope- rador.

JF M#(α, φ)K

c,w= V sseJφKc′,w′ = V, onde c′´e como c, exceto que (i)

cw = w′, e w′´e o mundo poss´ıvel determinado porJαKc,w e (ii) K(c′), onde K ´e alguma coordenada do contexto ficcional relevante (como

ca, ch, cl, etc.)

Ou seja, com o operador F M# o mundo do contexto ´e o mundo estabelecido pela fic¸c˜ao. Contudo, outras coordenadas contextuais podem ser tamb´em modificadas, as quais chamamos de coordenadas relevantes, e nesses casos s˜ao as coordenadas do contexto ficcional que

s˜ao utilizadas para a fixa¸c˜ao do valor de termos indexicais. Obviamente, seria necess´ario definir, e talvez prever minimamente, quais seriam as coordenadas contextuais relevantes a serem alteradas nos proferi- mentos. No entanto, no presente texto nos concentraremos apenas nos indexicais ‘eu’ e ‘ela’ e deixaremos a defini¸c˜ao de “coordenadas relevantes” para um pr´oximo estudo. A ideia ´e que, na estrutura em quest˜ao, ´e poss´ıvel mudar quaisquer coordenadas do contexto (quando isso se fizer necess´ario).

Com o operador que propomos, ´e poss´ıvel mobilizar o contexto ficcional c′ para fixar o valor do segundo ‘eu’ e de ‘dela’ em (113), al- can¸cando o resultado correto, que ´e, respectivamente, Maria e Mariana.

´

E necess´ario, contudo, resolver ainda uma quest˜ao: em (113) levamos em conta o contexto c∗ para a primeira ocorrˆencia de ‘eu’ e o contexto ficcional c′ para a segunda ocorrˆencia de ‘eu’, como delimitar, ent˜ao, o uso de um ou outro contexto? Seguindo a proposta de Schlenker (1999, 2003, 2010, 2011), a solu¸c˜ao para tanto est´a justamente no verbo de atitude ‘achar que’. De acordo com o autor, todo verbo desse tipo ´e uma esp´ecie de fronteira entre contextos, eles podem indicar que o contexto de proferimento deve ser considerado, ou ent˜ao que outros contextos devem ser levados em conta; em suma, verbos de atitude s˜ao potencialmente operadores-monstros, como vimos no Cap´ıtulo 2, e os operadores de atitude modificam o contexto de avalia¸c˜ao das express˜oes indexicais temporais ‘em dois dias’ e ‘dois dias atr´as’. Partindo desse pressuposto, o que temos para a an´alise da senten¸ca em (115), grosso modo, ´e o que ´e dado em (123).

(115) Euc∗ acho que euc′ poderia morar mais perto delac′.

(123) λw [ λc[ eu(c) acho-que]]c∗[λc F M#(α, [eu(c) ... ela(c)])(c′)]; em que c′ ´e o contexto da fic¸c˜ao dado porJαK.

Em (123) temos o contexto de proferimento c∗ para fixar os indexicais fora do escopo de F M#, o verbo de atitude ‘acho que’ como delimitador de fronteira contextual e o operador-monstro F M#como o respons´avel por efetuar uma mudan¸ca contextual que fornecer´a o contexto ficcional (c′) no qual os indexicais sob seu escopo encontram seus valores, conforme explicitado em (124).

(124) F M#(α, eu poderia morar mais perto dela)

(AM#’)JF M#(α, φ)K

c,w= V sseJφKc′,w′ = V, onde c′´e como c, exceto que (i) cw = w′, e w′ ´e o mundo poss´ıvel determinado porJαKc,w , e

(ii) K(c′), onde K ´e alguma coordenada do contexto ficcional relevante (como ca, ch, cl, etc.)

(AM#”) JF M#(α, eu poderia morar mais perto dela)K

c∗,w∗ = V sse Jeu poderia morar mais perto delaKc′,w′ = V, onde c′´e como c∗, exceto que (i) cw∗ = w′, e w′ ´e o mundo poss´ıvel determinado porJαKc∗,w∗, e (ii) K(c′), onde K ´e alguma coordenada do contexto ficcional relevante (como ca, ch, cl, etc.)

Se substituirmos as coordenadas de agente do contexto c′ e tamb´em os objetos/indiv´ıduos apontados em c′, no trecho relevante, chegaremos `

a par´afrase em (116) (repetida abaixo), que ´e nossa interpreta¸c˜ao da senten¸ca (113), no que tange os indexicais envolvidos depois do verbo de atitude ‘achar que’.

(116) Ana acha que Maria poderia morar mais perto de Mariana.

A hist´oria ´e bastante complexa at´e aqui, mas falta ainda com- putar o verbo modal ‘poderia’ e o predicado verbal ‘morar’.

Com rela¸c˜ao `a ‘morar’ ´e preciso notar que o item, da mesma forma que os indexicais ‘eu’ e ‘dela’, deve ser avaliado em rela¸c˜ao ao mundo ficcional, pois a mudan¸ca de localiza¸c˜ao das personagens se d´a no mundo da fic¸c˜ao; portanto, a proposi¸c˜ao⟨Maria, morar-mais-perto- de, Mariana⟩ ´e avaliada nos mundos ficcionais. Note que isso j´a ´e feito pelo operador-monstro-metaficcional, F M#, ao garantir que o mundo a ser considerado ´e w′ (cw= w′, e w′ ´e o mundo poss´ıvel determinado porJαKc,w).

A contribui¸c˜ao do verbo modal na senten¸ca em (113) ´e bem mais complexa; uma par´afrase razo´avel para o papel desse verbo seria: nos mundos poss´ıveis que est˜ao de acordo com o que acredita o falante, a pe¸ca seria melhor se a personagem Maria se mudasse para mais perto da personagem Mariana. O termo em negrito, “o falante”, se refere a qual falante? Obviamente se refere `a atriz que foi indagada, se refere `a Ana. Podemos pensar que o modal tem uma fonte de ordena¸c˜ao teleol´ogica, segundo a qual os mundos pr´oximos do ideal (ou seja, mundos em que a pe¸ca ´e melhor) para o falante, s˜ao mundos ficcionais acess´ıveis, a partir da fic¸c˜ao relevante, nos quais Maria mora mais perto de Mariana.

Esse foi s´o um esbo¸co do papel que o modal ‘poderia’ desempenha na senten¸ca em (113), visto que uma an´alise completa desse item foge ao escopo desta disserta¸c˜ao. O nosso principal objetivo ´e mostrar que um operador-monstro-metaficcional, amplia¸c˜ao do operador-monstro-

modal (PREDELLI, 2008), ´e requerido pela senten¸ca em (113), e tamb´em buscamos com a nossa proposta refor¸car os argumentos de que os operadores-monstros s˜ao necess´arios para a descri¸c˜ao das l´ınguas na- turais. Al´em disso, se nossa an´alise estiver correta, o indexical ‘eu’ pode ser fixado em um contexto diferente do contexto de proferimento hic

et nunc, contrariando o que foi proposto por Kaplan (1989) para todas

as express˜oes indexicais em l´ıngua natural (abordagem apresentada no Cap´ıtulo 1) e por Schlenker (1999, 2003, 2010, 2011) para o indexical ‘I’ (eu) no caso do inglˆes (abordagem discutida no Cap´ıtulo 2). E tamb´em, que os contextos ficcionais podem ser mobilizados para fixar diferentes tipos de indexicais, al´em dos indexicais ligados `a coordenada de mundo do contexto.

E, finalmente, a partir do caso que discutimos, tamb´em ´e poss´ıvel notar que para o indexical ‘eu’ nem sempre o agente do contexto e o referente coincidem16. Assim sendo, apesar da par´afrase em (116) capturar nossa intui¸c˜ao sobre a interpreta¸c˜ao da senten¸ca em (113), temos tamb´em uma forte intui¸c˜ao de que a Ana ´e a agente de ambos os ‘eu’ presentes na senten¸ca (113). Assim, ´e necess´ario aqui separar com cuidado a no¸c˜ao kaplaniana de ‘agente do contexto’ (que faz o proferimento) de ‘referente’ (indiv´ıduo) do termo ‘eu’. Como mostram Corazza et al. (2002), em casos simples ´e poss´ıvel igualar o agente do proferimento com o referente de ‘eu’; contudo, em diversos outros casos, tal equivalˆencia n˜ao ´e poss´ıvel. Considere o seguinte exemplo: imagine o professor A em sua sala conversando com um aluno; a sala do professor A ´e de frente `a sala do professor B. O professor B n˜ao est´a e v´arios alunos batem `a sua porta para depois irem embora. Irritado, o professor A escreve um bilhete com os dizeres ‘Eu n˜ao estou aqui agora’ e o cola na porta da sala do professor B. Para todos os efeitos pr´aticos, o referente ‘eu’ do bilhete ´e o professor B; pense agora no ponto de vista do aluno, que viu o professor A escrevendo o bilhete; mesmo do seu ponto de vista, o referente do ‘eu’ ser´a o professor B (pelo menos para manter a coerˆencia e relevˆancia da mensagem), contudo, o agente do ‘eu’ ´e certamente o professor A. Estamos, portanto, diante de um caso em que o agente e o referente de ‘eu’ n˜ao se equivalem, e algo semelhante vale para o exemplo em (113), em que, para o segundo ‘eu’, o agente do contexto ´e a Ana (atriz) enquanto que o referente que temos em mente ´e a Maria (personagem). (CORAZZA; FISH; GORVETT, 2002)

16Agradecemos ao parecerista anˆonimo da Revista Letras (UFPR) que tamb´em chamou aten¸c˜ao a esse aspecto, quando da emiss˜ao do parecer favor´avel `a publica¸c˜ao do artigo Monstros no discurso (meta)ficcional, nessa revista.

3.7 OPERADORES-MONSTROS E INDEXICAIS MONSTRUOSOS: