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Na se¸c˜ao anterior foram apresentados superficialmente os di- ferentes pap´eis que contextos e mundos poss´ıveis desempenham na atribui¸c˜ao dos valores semˆanticos das senten¸cas com express˜oes indexi- cais. Foi verificado que os indexicais n˜ao mantˆem rela¸c˜ao de escopo com os operadores intensionais como ‘necessariamente’, e que, por isso, senten¸cas com indexicais avaliadas em contextos pr´oprios s˜ao verdadeiras a priori e senten¸cas contendo indexicais e operadores como ‘necessariamente’ n˜ao s˜ao necessariamente verdadeiras. Nesta se¸c˜ao abordaremos os aspectos do significado dos indexicais e detalharemos o papel dos contextos e dos mundos poss´ıveis, nas fun¸c˜oes de car´ater e de conte´udo, para a atribui¸c˜ao dos valores semˆanticos `as express˜oes e `

as senten¸cas com indexicais.

1.3.1 Car´ater

O primeiro passo para se determinar o significado dos indexicais ´

e estabelecer o seu car´ater. O car´ater ´e uma fun¸c˜ao cujos argumentos s˜ao contextos e que resulta em conte´udos, i.e., o car´ater contribui para a determina¸c˜ao do conte´udo da express˜ao indexical em cada contexto. Desse modo, por exemplo, o car´ater do indexical ‘eu’ ´e uma fun¸c˜ao sobre contextos, cujo valor em cada contexto ´e o agente do contexto, ou ca; o car´ater do indexical ‘aqui’ ´e uma fun¸c˜ao sobre contextos cujo valor em cada contexto c ´e a localiza¸c˜ao de c ou cl; o car´ater de um predicado, como ‘ser inteligente’, ´e uma fun¸c˜ao sobre

contextos que resulta na mesma propriedade em cada contexto c, no caso, o car´ater resulta na propriedade ‘ser-inteligente’ para cada contexto c. O car´ater de uma senten¸ca ´e uma fun¸c˜ao de contextos para o conte´udo proposicional estruturado daquela senten¸ca em cada contexto c. Por exemplo, o car´ater da senten¸ca ‘Eu sou inteligente’ ´e uma fun¸c˜ao cujo valor em cada contexto c ´e a proposi¸c˜ao [λw⟨ca, ser-inteligente⟩](w).

1.3.2 Conte´udo

Ap´os ter sido dado o primeiro passo, isto ´e, ter sido determinado o resultado da fun¸c˜ao do car´ater da express˜ao/senten¸ca, teremos o conte´udo. A partir do conte´udo ´e que fixamos o valor semˆantico da express˜ao lingu´ıstica. Por conta dessas duas etapas, podemos pensar o conte´udo como uma fun¸c˜ao que tˆem como argumentos o car´ater e a circunstˆancia de avalia¸c˜ao (ou mundo poss´ıvel) e que resulta, por sua vez, em um determinado valor semˆantico.

Em outras palavras, express˜oes lingu´ısticas tˆem conte´udos em, ou com respeito a contextos, pois o conte´udo de uma express˜ao indexical vem tomando forma desde o car´ater; o conte´udo ´e uma fun¸c˜ao de uma fun¸c˜ao.

Por exemplo, o conte´udo de ‘eu’ com respeito ao contexto c ´e o agente de c, i.e., o indiv´ıduo especificado pelo uso do indexical ‘eu’; o conte´udo de ‘aqui’ ´e a localiza¸c˜ao de c, i.e., o local especificado pelo proferimento do agente do contexto; o conte´udo de ‘agora’ ´e o tempo de

c, i.e., o tempo especificado pelo momento do proferimento feito pelo

agente do contexto. O conte´udo de um predicado, com respeito a um contexto, ´e uma propriedade ou rela¸c˜ao. O conte´udo de uma senten¸ca, com respeito a um contexto, ´e uma proposi¸c˜ao estruturada, isto ´e, uma proposi¸c˜ao que pode ter indiv´ıduos, propriedades e rela¸c˜oes como constituintes. Por exemplo, considere a senten¸ca ‘Eu estou cansado’, supondo que o agente do contexto c ´e o Jeca Tatu. Ent˜ao, o conte´udo de ‘eu’ em c ´e o pr´oprio Jeca Tatu, enquanto o conte´udo de ‘estar cansado’ em c ´e a propriedade estar-cansado. Assim, o conte´udo da senten¸ca ‘Eu estou cansado’ em c, ´e uma proposi¸c˜ao cujos constituintes podem ser representados como⟨Jeca Tatu, estar-cansado⟩.

A Figura 4 mostra uma adapta¸c˜ao do esquema proposto por Kaplan (1989, p. 506) que sumariza o comportamento e rela¸c˜oes mantidas pelo car´ater e conte´udo das express˜oes indexicais. Na Figura 5, por sua vez, temos a vers˜ao proposta por Schlenker (2010, p. 7) para

o car´ater e conte´udo de Kaplan (1989), na qual podemos observar o caminho que percorremos at´e chegarmos ao significado das express˜oes indexicais.

Figura 4: Kaplan: car´ater e conte´udo dos indexicais.

1.3.3 Condi¸c˜oes de verdade para os indexicais

Visto que na se¸c˜ao anterior foram apresentadas as etapas neces- s´arias, segundo Kaplan (1989), para que sejam determinados os valores semˆanticos das express˜oes indexicais, vamos conhecer, nesta se¸c˜ao, as condi¸c˜oes de verdade estabelecidas pelo autor para esses elementos lingu´ısticos.

Conforme j´a discutido, a ocorrˆencia de uma senten¸ca contendo indexicais tem um conte´udo que depende do contexto, e um valor semˆantico que depende do mundo poss´ıvel; por consequˆencia, as con- di¸c˜oes de verdade precisam ser relativizadas a ambos, ao contexto e ao mundo poss´ıvel. Dessa maneira, Kaplan prop˜oe uma no¸c˜ao de verdade em que s˜ao mobilizados mundos poss´ıveis e contextos: “If c is a context, then an occurrence of ϕ in c is true iff the content expressed by ϕ in this context is true when evaluated with respect to the circumstance of the context.”(1989, p. 522). Basicamente, o que a no¸c˜ao de verdade de Kaplan quer dizer ´e que uma express˜ao ϕ ´e verdadeira em um contexto, se o conte´udo de ϕ ´e verdadeiro no mundo poss´ıvel de c.