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1.4 EXPRESS ˜ OES N ˜ AO-INDEXICAIS E INDEXICAIS

1.4.2 Express˜ oes indexicais

As express˜oes indexicais, como j´a ressaltamos, s˜ao express˜oes que dependem do contexto para que seu valor semˆantico seja determinado. Por conta disso, se comportam de maneira diversa das n˜ao-indexicais,

15Conceito de Kripke (1980), j´a visto na se¸ao 1.1: um termo de uma linguagem que designa o mesmo objeto x em todos os mundos poss´ıveis em que x existe.

16O conceito de senten¸cas eternas foi elaborado inicialmente como “[...] a sentence whose truth value stays fixed through time and from speaker to speaker.”(QUINE, 1960, p. 193).

pois se caracterizam por ter o car´ater sens´ıvel ao contexto, i.e., o seu

car´ater pode mudar a cada novo contexto, e o conte´udo varia conforme

o contexto. Isso se d´a por que a determina¸c˜ao do car´ater e do conte´udo funciona em cadeia: a determina¸c˜ao do valor semˆantico depende da fixa¸c˜ao do conte´udo que depende, por sua vez, da determina¸c˜ao do car´ater.

Para exemplificar essa faceta das express˜oes indexicais considere uma situa¸c˜ao em que Lula profere em 3 de outubro de 2011: ‘Eu estou feliz hoje’, e Serra profere em 4 de outubro de 2011: ‘Eu estou feliz hoje’. O car´ater das duas senten¸cas pode ser parafraseado como: “o agente do contexto est´a feliz no tempo do contexto”. No entanto, j´a que o car´ater ´e sens´ıvel aos contextos em que as senten¸cas foram proferidas, os conte´udos gerados s˜ao diferentes, ou seja, os fatores contextuais (agente e tempo do contexto) s˜ao os mesmos, no entanto os seus valores ´e que s˜ao diferentes (Lula/Serra e 3/4 de outubro de 2011). Estes ´ultimos s˜ao, justamente, os elementos relevantes para determinar o valor de verdade das senten¸cas. Dessa forma, podemos observar que os proferimentos de ‘Eu estou feliz hoje’ s˜ao t˜ao diferentes em conte´udos quanto s˜ao as senten¸cas em (21) e (22).

(21) Lula est´a feliz no dia 3 de outubro de 2011. (22) Serra est´a feliz no dia 4 de outubro de 2011.

A partir dos proferimentos de Serra e de Lula observamos o comportamento mais comum das senten¸cas com indexicais, qual seja, as senten¸cas apresentam o mesmo car´ater e dois conte´udos diferentes. No entanto, a partir de agora vamos tratar da situa¸c˜ao inversa, uma situ- a¸c˜ao em que h´a dois caracteres diferentes sendo apresentados por duas senten¸cas, tamb´em diferentes, mas que veiculam um mesmo conte´udo. Para isso, considere a seguinte situa¸c˜ao trazida de Kaplan (1989) e que muito se repete na literatura sobre indexicais:

If I see, reflected in a window, the image of a man whose pants appear to be on fire, my behavior is sensitive to whether I think, ‘His pants are on fire’ or ‘My pants are on fire’, though the object of thought17may be the same. (

KAPLAN, 1989, p. 533).

Nesse caso, ‘Minhas cal¸cas est˜ao pegando fogo’ e ‘As cal¸cas dele est˜ao

pegando fogo’ s˜ao senten¸cas que dizem o mesmo sobre o mundo, i.e., o conte´udo das duas ´e equivalente `a ⟨cal¸cas-de-Kaplan, estar-pegando- fogo⟩ ou ‘As cal¸cas de Kaplan est˜ao pegando fogo’. No entanto, as senten¸cas tˆem caracteres diferentes, pois em ‘Minhas cal¸cas est˜ao pegando fogo’ o contexto do proferimento gera a informa¸c˜ao de que

as cal¸cas do falante (ca) est˜ao pegando fogo; j´a em ‘As cal¸cas dele est˜ao pegando fogo’ o proferimento e uso do demonstrativo indica que a pessoa, para a qual est´a se apontando, est´a na situa¸c˜ao descrita, ou seja, o car´ater aqui ´e algo como as cal¸cas do demonstratum est˜ao pegando fogo.

Al´em de observamos, atrav´es dessa situa¸c˜ao, que duas represen- ta¸c˜oes distintas (‘Minhas cal¸cas est˜ao pegando fogo’, car´ater△1; ‘As cal¸cas dele est˜ao pegando fogo’, car´ater △2) tˆem o mesmo conte´udo (As cal¸cas de Kaplan est˜ao pegando fogo), tamb´em ´e importante notar que o comportamento de Kaplan quando ele pensa cada uma dessas senten¸cas ´e bem diferente, pois ele pode observar calmamente as cal¸cas de outra pessoa pegando fogo (△2, sem saber que se trata de si mesmo) e n˜ao tomar atitude nenhuma, no entanto, se as cal¸cas dele estiverem pegando fogo (△1, n˜ao h´a como n˜ao saber que se trata de si mesmo), certamente Kaplan tomar´a a iniciativa de apag´a-lo.

Assim sendo, as diferen¸cas de comportamento de Kaplan s´o s˜ao representadas no n´ıvel do car´ater das senten¸cas (‘As cal¸cas do falante’; ‘As cal¸cas da pessoa apontada’), pois como vimos △1 e △2 tˆem o mesmo conte´udo, e n˜ao seria poss´ıvel explicar comportamentos diferentes a partir do mesmo conte´udo. Logo, o valor cognitivo de uma senten¸ca deve ser dado pelo car´ater que ´e capaz de fornecer marcas que diferenciam cada representa¸c˜ao ou pensamento, e n˜ao pelo conte´udo, visto que esse n˜ao ´e capaz de gerar a diferen¸ca cognitiva percebida entre as senten¸cas ‘As cal¸cas dele est˜ao pegando fogo’ e ‘Minhas cal¸cas est˜ao pegando fogo’.

Nessa se¸c˜ao, atrav´es dos proferimentos realizados por Lula e por Serra e da situa¸c˜ao em que Kaplan est´a com as cal¸cas pegando fogo, exemplificamos os tipos de rela¸c˜oes decorrentes de senten¸cas com indexicais que tˆem conte´udos diferentes e o mesmo car´ater, e que tˆem caracteres diferentes e o mesmo conte´udo. Para finalizar, apresentaremos as esquematiza¸c˜oes feitas por Leezenberg (2001, p. 153) e Abbott (2010, p. 185) para as express˜oes indexicais e n˜ao-indexicais e como podem ser caracterizados os caracteres e os conte´udos desses elementos.(LEEZENBERG, 2001)

Na Figura 6, adaptada de Leezenberg (2001)18, observamos que

os indexicais tˆem caracteres que variam de acordo com os contextos, mas ao se fixar um contexto o conte´udo ´e constante. Os indexicais19, assim, diferem dos nomes pr´oprios e das descri¸c˜oes, pois as descri¸c˜oes definidas tˆem o car´ater constante e o conte´udo vari´avel, e os nomes

pr´oprios tˆem o car´ater e o conte´udo constantes.

Figura 6: Indexicais, nomes pr´oprios e descri¸c˜oes.

Na Figura 720, por sua vez, apresentamos o esquema proposto por Abbott (2010, p. 185), tamb´em em rela¸c˜ao `a teoria do significado de Kaplan para as express˜oes indexicais e n˜ao-indexicais.

= constante.

19Kaplan afirma que para se encontrar um sinˆonimo para um indexical ´e necess´ario que se procure por um item com o mesmo car´ater do anterior, pois se ele possuir o mesmo conte´udo em um contexto particular n˜ao ser´a seu sinˆonimo, j´a que “Meanings tell us how the content of a word or phrase is determined by the context of use. Thus the meaning of a word or phrase is what I have called its character.”(KAPLAN, 1989, p. 521). Por exemplo, o conte´udo de ‘eu’ usado por mim e o conte´udo de ‘tu’ usado por vocˆe (se referindo a mim) pode ser o mesmo, os dois remetem ao escritor desse texto, mas n˜ao tornam os indexicais ‘eu’ e ‘tu’ sinˆonimos; para o serem deveriam ter o mesmo car´ater.

20As express˜oes “conceitos individuais”, encontradas na coluna do conte´udo, s˜ao fun¸c˜oes de mundos poss´ıveis para indiv´ıduos (ABBOTT, 2010, p. 90).

Figura 7: Express˜oes indexicais e n˜ao-indexicais.