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Elos Coesivos

No documento Sinonímia e textura (páginas 66-70)

CAPÍTULO 2 TEXTURA

2.2 MODELO DE HASAN PARA AVALIAÇÃO DA TEXTURA

2.2.1 Elos Coesivos

Ao falar de textura, Hasan (1989, p. 73) afirma que o conceito mais importante é o de “elo” (“tie”). O termo “elo coesivo” (“cohesive tie”) implica uma relação, e essa relação se realiza entre dois elementos do texto, de modo que um deles tem de ser interpretado por referência ao outro. Se assumirmos que um texto é um espaço contí- nuo em que as mensagens individuais se seguem umas às outras, então os itens fun- cionam como as duas pontas do elo (“A” e “B”), que estão espacialmente separadas uma da outra; “A” pode ser parte de uma mensagem, e “B” parte de uma outra, mas há um elo entre as duas. A autora afirma que “a natureza desse elo é semântica: os dois elementos de qualquer elo se unem a partir de alguma relação de significado. Tais relações semânticas formam a base para a coesão entre as mensagens de um texto” (p. 73).

Na obra “Cohesion in English”, Halliday e Hasan (1976) tratam das formas de coesão, a saber: a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão lexical, já mencionadas no Capítulo 1. Esses são mecanismos no sistema de que dispõe um usuário para indicar os elos semânticos entre as partes do enunciado, sendo cada uma dessas categorias um dispositivo coesivo potencial, pois representa um recurso para a criação de coesão. Segundo Hasan (1984, p. 185), a coesão é efetivamente criada quando é empregado um elemento de uma dessas categorias, e um elo semân- tico se estabelece entre esse elemento e algum outro membro presente no ambiente

textual. Os dois elementos ligados formam o elo coesivo. Portanto, a idéia de “ser dois” é central à noção de coesão, e o emprego de elos coesivos é o que cria a coesão de um texto.

Importante é ressaltar que na análise dos textos, em 1989, Hasan (p.81) igno- ra as conjunções, justificando que elas são relações orgânicas, estabelecendo rela- ções entre orações, isto é, não são mecanismos de coesão entre termos de um elo que formam parte de alguma mensagem.

Partindo da idéia de elos, Hasan (1984 e 1989) estabelece três tipos de rela- ções semânticas entre os dois elementos de um elo: de correferencialidade, de co- classificação e de co-extensão. A correferencialidade ocorre quando a relação semân- tica entre as duas extremidades do elo coesivo for de identidade de referentes, ou se- ja, quando os referentes situacionais de ambas as extremidades são os mesmos. Essa relação de identidade referencial atribui continuidade textual, concretizada pelos me- canismos coesivos gramaticais: as formas pronominais (“ele”, “lhe”, “isso” “este”...), os artigos definidos (“o”, “a”) e as formas gramaticais que denotam comparação (“igual”, “mais...que”...). A autora apresenta o seguinte texto (1989, p. 73):

(21) Eu tinha uma nogueirinha Ela não tinha nada

Mas uma frutinha prateada

E uma pêra dourada.

Nesse exemplo, verifica-se que, entre a palavra “nogueirinha”, como elemento (A) de um elo, e “ela”, como elemento (B) deste elo, a relação semântica entre os dois elementos é a identidade de referentes (correferência), pois os referentes situacionais de ambos são os mesmos.

Na relação semântica de co-classificação, os referentes aos quais os dois elementos do elo se referem pertencem à mesma classe, mas cada ponta do elo coe- sivo refere-se a um elemento distinto dessa classe, isto é, seus referentes situacionais são distintos. Os mecanismos coesivos gramaticais de elos de co-classificação se concretizam pela substituição ou elipse (nominal, verbal, da oração). Hasan (1989, p. 73) cita a seguinte passagem:

(22) Eu toco violoncelo. Meu marido também.

Nesse caso, “tocar violoncelo” é elemento do elo A, e “também” (um caso de substituição, para a autora) é elemento do elo coesivo B. Mas, nesse exemplo, a rela- ção não é de identidade referencial, pois o “tocar violoncelo” executado pelo falante é um evento situacional diferente do “tocar violoncelo” que o marido dela executa. Em outras palavras, as circunstâncias pertencem à mesma classe, mas os dois referentes são diferentes entre si. A relação, nesse caso, não é de correferencialidade, mas de co-classificação. Desse modo, há uma diferença significativa entre a correferencialida- de e a co-classificação.

Os mecanismos coesivos gramaticais de correferencialidade e de co- classificação também são chamados, pela autora, de mecanismos de “codificação im- plícita”, uma vez que a interpretação de cada um deles somente se realiza com refe- rência a algum outro item do texto, “e é essa natureza essencialmente relacional dos mecanismos de codificação implícita que lhes permite funcionar como mecanismos coesivos” (1989, p. 73).

Na relação semântica de co-extensão, a relação é a de que ambos os elemen- tos do elo coesivo são explícitos e referem-se a algo dentro do mesmo campo geral de significado. Hasan exemplifica com as palavras: “prateado” e “dourado” (um caso de

antonímia), presentes nas últimas linhas do exemplo (21), pois tanto “prateado” como “dourado” referem-se a metais e, na categoria metal, a metal precioso. Contudo, a pesquisadora observa que essa definição é vaga; então, apresenta cinco tipos de me- canismos coesivos lexicais que servem para determinar, com maior precisão, o termo “campo geral de significado”, como fazendo parte das relações de co-extensão: sino- nímia, antonímia, hiponímia, meronímia e repetição (relação já explicitada na seção 1.2.2 do Capítulo 1, dedicada aos mecanismos coesivos lexicais).

Vale ressaltar que a autora, na análise dos textos, além de ignorar as conjun- ções, exclui também a colocação (uso de termos que fazem parte de um mesmo cam- po semântico, pertencem ao mesmo frame8 ou script9)10 das suas análises, como já mencionado.

Além disso, entende a autora que “itens lexicais explícitos” são palavras de conteúdo que aparecem nos textos que analisou11 (por exemplo: “pequena menina” e “ursinho de brinquedo”); enquanto, por contraste, “itens lexicais interpretados por coe- são” são aqueles a que se chega quando os dispositivos coesivos gramaticais são in- terpretados pela referência a alguma outra fonte, pois são “lidos” semanticamente à medida que seus referentes lingüísticos aparecem no texto (por exemplo: “ela”, “o le- vou”, “seus olhos”, “o penteou” e “lavá-lo”), ou de acordo com seus referentes situacio- nais que aparecem no contexto do texto. Dessa forma, a autora se pronuncia: “os dois

8

Frame: conjunto de conhecimentos de mundo armazenados na memória sob um determinado rótulo, sem ordenação seqüencial. Sobre frame, ver MINSKY, Marvin (1981), em especial, o Capítulo 3.

9

Script: conjunto de conhecimentos estereotipados em dada cultura. Sobre script, ver Schank (1979, p. 455-491).

10

Para Brown e Yuke (1983, p. 243), “enquanto um frame é geralmente considerado um conjunto de elementos sobre uma situação estereotipada, o script é mais programático, pois incorpora uma seqüên- cia estereotipada de ações que descrevem uma situação”.

11

Os textos da pesquisa de Hasan encontram-se na seção 4.6 “Modelos de Análise”, no Capítulo 4 deste estudo.

termos de um elo co-extensional são tipicamente unidades lingüísticas a que nos refe- rimos como ‘palavras-conteúdo’ ou ‘itens lexicais’” (HASAN, 1989, p. 80).

Dado o exposto, elo coesivo, então, para Hasan, é uma relação entre dois membros que se encontram dentro do mesmo espaço linear e contínuo de um texto e “costuram” relações semânticas. As relações semânticas de correferencialidade (mesmo referente situacional), co-classificação (referentes situacionais distintos) e co- extensão (mesmo campo geral de significado) concretizam-se via padrões léxico- gramaticais, chamados por Hasan de mecanismos de coesão. A textura e a coesão, portanto, manifestam-se por meio dessas relações efetuadas pelo produtor do texto.

No documento Sinonímia e textura (páginas 66-70)