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Formação das Relações Sinonímicas

No documento Sinonímia e textura (páginas 121-125)

CAPÍTULO 2 TEXTURA

2.4 PROPOSTA DE CATEGORIZAÇÃO POR ELOS COESIVOS

3.1.4 Formação das Relações Sinonímicas

Como já afirmado, o processo sinonímico se realiza no âmbito textual, isto é, em princípio toda substituição sinonímica é, simultaneamente, lexical e discursiva.

No entanto, por um lado, algumas palavras intervêm no texto com suas carac- terísticas semânticas; por outro, é no contexto sintagmático de uso que tais caracterís- ticas assumem suas determinações definitivas. Desse modo, há situações em que os procedimentos de substituição fundamentam-se, originariamente, ora nos paradigmas lexicais da língua, ora na construção sintagmática do texto.

Neste momento da investigação, faz-se necessário explicar o fato de existi- rem, na instância do texto, relações coesivas referenciais que se distinguem por dois

domínios distintos, embora inter-relacionados: a) um de ordem propriamente lexical; b) outro de ordem especificamente instancial24.

Essa distinção leva a considerar os itens sinonímicos, por um lado, mecanis- mos coesivos particulares inseridos no sistema da língua e, por outro, enquanto me- canismos coesivos compreendidos à unidade textual, inseridos, assim, no co-texto.

A duplicidade de condições, aqui considerada, leva em conta o significado le- xical da unidade (ou os seus sentidos potenciais), enquanto elemento do sistema, e o significado textual que essa unidade assume, com base no “repertório de usos domi- nados e conhecidos” (SCHMIDT, 1978, p. 62) e com base, ainda, nas expansões figu- rativas criadas pela instância particular de cada texto.

Por essa linha de consideração, entende-se, portanto, que há situações em que os procedimentos de substituição sinonímica fundamentam-se ora nos paradig- mas lexicais da língua, ora na construção sintagmática do texto. Isso significa que há condições distintas da substituição coesiva lexical nas ocorrências da sinonímia, ou seja, podem ser conferidas pelo sistema ou são ligadas ao texto, em conformidade com Antunes (1996, p. 264).

Nesse sentido, a sinonímia identificada pela relação existente no sistema, po- de ser determinada pela função da linguagem que predomina em uma determinada situação discursiva. Usando a terminologia de Halliday (1989, p. 18-19), pode-se dizer que, quando a função representacional (ou experiencial) está em foco, a sinonímia adquire um caráter mais denotativo, que pressupõe a natureza convencional do signo. Nesse caso, a sinonímia é descritiva para Lyons (1995, p. 59), mesmo estabelecendo

24

A palavra “instancial” aparece no texto de Hasan (1984, p. 201 e 1989, p. 81), em inglês “instantial”, jargão lingüístico criado pela autora, que significa, por ela explicado, inteiramente específico a um único texto, ou seja, significativo à unidade textual.

maior ou menor identidade entre os termos sinônimos, pois diz respeito a uma deter- minada gama de contexto.

Nessa mesma visão, Hasan (1984, p. 201-202) afirma que há palavras rela- cionadas ao sistema e há palavras relacionadas ao contexto do texto, ao contexto lin- güístico do enunciado. A autora cita os termos “escrever” e “rabiscar” que são coeren- tes entre si. O elo semântico entre eles é o da similaridade de seu significado experi- encial (de uso). Entretanto, a similaridade de significado experiencial entre esses dois itens é um fato relativo ao sistema da língua. Por isso, torna-se possível criar uma ci- tação em que eles são dissociados de um contexto de enunciação real. Já as relações lexicais instancias são ligadas ao texto. Sua inteligibilidade é um artefato do próprio texto, e não se estendem ao sistema, já que sua significação é adquirida pelo contexto lingüístico específico de um único texto.

Observando o enunciado:

(60) O carro desapareceu na avenida. A lata enferrujada nunca mais foi vista.

Nesse caso, o sintagma nominal “a lata enferrujada” é considerado, do ponto de vista funcional, sinônimo de “carro”, pela identidade de referência. A identidade de referência, no exemplo (60), manifesta-se no texto e assume fatores desse texto.

Dessa forma, quando a função expressiva predomina no discurso, a sinonímia ultrapassa o seu valor puramente lexical, para poder desempenhar outros “atos ilocu- tórios”, como criticar, elogiar, ironizar, ou até mesmo informar. Assim, a sinonímia ins- tancial, muitas vezes, pode trazer novas informações, o que vai além de seu papel coesivo; é o que Lyons (1997, p. 91) chama de significado expressivo (não-descritivo).

Em ocorrências que incluem unidades ou expressões sinônimas, por um lado, encontram-se palavras que, desde o sistema, não são sinônimas, ou o são muito par- cialmente, mas, em razão das formações discursivas em que se inserem, ganham um valor de equivalência e desempenham uma função claramente reiterativa e relevante para a continuidade do texto. Ao contrário disso, encontram-se palavras que, no nível do léxico, são consideradas em relação de sinonímia, mas que, no âmbito do texto, parecem não preencher uma função coesiva, dada a desvinculação tópica ou predica- tiva que manifestam, ou seja, embora sinônimas, não estabelecem uma interligação em duas ou mais passagens do texto, posição defendida por Antunes (1996, p. 236).

Há que se ponderar ainda a visão de Lyons (1979, p. 480) quando afirma que “mais do que qualquer outra relação de sentido é a sinonímia dependente do contexto, e de maneira interessante do ponto de vista teórico”. O autor acrescenta que, em prin- cípio, todas as relações de sentido são dependentes do contexto, mas a sinonímia determinada pelo contexto é de particular importância. Ela pode inserir-se no quadro do princípio geral de que na língua a mesma informação pode ser comunicada sintag- mática ou paradigmaticamente. Se uma unidade lexical qualquer é freqüentemente modificada sintagmaticamente de um modo particular, isso pode ter, diacronicamente, o efeito de transferir a distinção do sintagmático para o paradigmático e tornar redun- dante a modificação sintagmática explícita. Por exemplo, isso é o que ocorre com o sentido do verbo “morrer de fome”. Antes significava apenas “morrer”; modificado sin- tagmaticamente por “de fome”, assumiu, então, o sentido que agora se usa. É o mes- mo caso de “Estou morrendo de frio”.

Isso posto, neste estudo, as relações sinonímicas são construídas no contexto do texto ou a partir das relações lexicais inseridas no sistema da língua. Assim, no tex-

to, o produtor pode tornar sinônimas palavras ou expressões que em outro contexto não o são.

No documento Sinonímia e textura (páginas 121-125)