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Introdução

A obra retabular em Portugal anterior ao Grande Terramoto de Lisboa é, na sua maioria, anónima do artista autor do risco e artista executante do entalhe e douramento. O formato corporativo de trabalho das oficinas colocava o mestre artista entalhador, imaginário ou escultor e riscador como figura principal e os artífices, sem protagonismo, a trabalhar pela aprendizagem com a prática, ensinamento e repetição da obra dos mestres. Os regimentos e compromissos dos vários ofícios delimitavam a função e hierarquia de cada um. A obra final era entendida como uma glorificação a Deus e não de brio individual. Assinatura de autores ou datação são dados muito raros na retabulística Portuguesa. Um desses casos anónimos é referente à capela e retábulo dedicado a Santa Teresa, que se encontra numa Capela lateral da Igreja do Convento de Santo Alberto em Lisboa, atualmente parte integrante do percurso museológico do Museu Nacional de Arte Antiga. O retábulo encomendado pelas freiras carmelitas, coevo da constituição do convento nos inícios do séc. XVII, apresenta traça maneirista tardia e teve a função de relicário para albergar a mão de Santa Teresa, inserida em redoma de vidro (Fig. 1). Foi retirada para Espanha, antecipando o decreto de extinção das ordens religiosas em Portugal, em 1834.

Menos de 100 anos depois das freiras se instalarem em Lisboa, em 1675, o Padre Frei Belchior de Stª Anna, natural do Grajal, leitor de teologia no colégio de Coimbra, escreveu a

Chronica de Carmelitas Descalços, Particular do Reyno de Portugal, e Provincia de Sam Felippe, onde relata a vida e obra de todos os religiosos desta Ordem, com especial incidência nos feitos da mentora da Reformadora da Ordem - Santa Teresa de Ávila. O Padre descreve assim a sua obra: “(…) Dou à obra o título de Chronica, & não de Historia, sendo antes Chronista, que Historiador (…) as cousas se entendem melhor com a circunstancia do tempo, em que caìrão”2. Os relatos desta natureza devem ser interpretados tendo em conta a

1Conservadora – restauradora no Laboratório José Figueiredo, Direção-Geral do Património Cultural; e doutoranda pelo processo Bolonha em História da Arte, e de Arte, Património e Restauro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (elsa.murta@gmail.com).

2Fr. Belchior de Stª Anna, CHRONICA DECARMELITASdescalços Particular do Reino de Portugal E provincia de S.

subjetividade do autor e o sentido atribuído aos acontecimentos, muitas vezes construídos para lhes imputar maior simbolismo religioso. No entanto considerámos ser esta uma boa fonte de informação sobre a história da implantação da Ordem das Carmelitas Descalças em Lisboa, um bom auxiliar na leitura do programa iconográfico e da existência da relíquia neste local.

A leitura histórico-artística, iconográfica, de identificação material da obra e metodologia de conservação e restauro, refletem parte do trabalho efetuado para dissertação de Mestrado em Artes Decorativas, especialidade em Talha, para a UCP, por nós defendida em 20113.

Fig. 1 – Costas do relicário com mão

esquerda de Sª Teresa de Ávila. (Fonte: Arquivo do Museu Nacional de Arte Antiga, s/d)

Breve história da implantação da Ordem das Carmelitas Descalças em Portugal

Na Europa um movimento de leigos buscaram desde muito cedo viver um cristianismo mais autêntico, encetando uma peregrinação à Terra Santa. Alguns acabaram por se estabelecer no monte Carmelo e passaram a ser apelidados de carmelitas ou carmelitanos. Em 1209, a pedido deste movimento, Alberto de Vercelli Patriarca de Jerusalém deu-lhes uma regra severíssima, a abstinência perpétua e a habitação em celas isoladas. Esta regra, inspirada no

Vivere Deo do Profeta Elias, seguia o recolhimento e o silêncio4. Por esta razão o Patriarca

Alberto ficou para sempre ligado à figura do fundador da Ordem e o que primeiro delineou a regra carmelita.

O isolamento e afastamento dos aglomerados populacionais, expunha a vida dos religiosos aos perigos resultantes da independência da vida eremítica e após serem expulsos da Terra Santa e perseguidos pelos islâmicos no segundo quartel do séc. XIII, regressaram ao continente Europeu. No decorrer de 1251 terão chegada a Moura em Portugal, os primeiros

3Elsa Murta, “A estética e a materialidade: A talha na Igreja de Santo Alberto, em Lisboa” (Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, 2010).

4António de Jesus Lourenço, “Carmelitas (Ordem do Carmo)”, in Dicionário de História Religiosa de Portugal, (dir.) Carlos Moreira de Azevedo. (Rio de Mouro: Círculo de Leitores, Vol. A-C, 2000), p. 294.

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carmelitas vindos de Malta5. Durante cerca de um século mais nenhum cenóbio carmelita foi

constituído em Portugal e é a partir deste que irão irradiar Irmãos para todo o mundo português. A situação feminina não era muito diferente da masculina. Grupos de mulheres viviam à sombra da espiritualidade dos conventos dos religiosos. Em Espanha, no convento da Encarnação de Ávila, em 1535 tomava o hábito D. Teresa de Ahumada e Cepeda, a seguir conhecida por Santa Teresa de Jesus6. Esta religiosa, sediada no convento de Ávila em 1540,

reformou a ordem e devolveu-lhe a primitiva austeridade.

“Quando D. Teotónio de Bragança frequentava os estudos na Universidade de Salamanca encontrou-se com Teresa de Jesus e ficou ao corrente da sua reforma. Mais tarde, sendo bispo de Évora, correspondeu-se com a religiosa e pediu-lhe insistentemente que fundasse um convento na sua diocese. Embora ela mostrasse grande desejo de vir a Portugal, não chegou a fazê-lo, mas enviou Frei Ambrósio Mariano a Lisboa, que fundou o primeiro convento dos Descalços, (para os lados da Pampulha7), no dia 15 de Outubro de 1581 (…)”8,

tomando o nome de Convento de S. Filippe.

Como premonição, Portugal entrava definitivamente na era dos Filipes.

No início do ano de 1583, D. Filipe I abandona Portugal para nunca mais voltar ao seu novo reino, deixando o “(…) governo a D. Alberto, arquiduque de Áustria, cardeal e sobrinho do novo rei, que cobriu o decénio que vai de Janeiro desse ano a Julho de 1593 e que respondeu à fórmula do vice-rei de sangue real, na ausência do monarca”9. O pedido para a constituição

de uma casa feminina de religiosas carmelitas descalças em Lisboa era premente e foi de imediato aceite e dado andamento por interceção do próprio Eminentíssimo Senhor o Cardeal

Alberto. Foi nessa conjuntura que entraram pela fronteira grande número de religiosos masculinos e femininos Espanhóis. Implantaram-se em diversas congregações em solo Português, nomeadamente em Lisboa, com pleno assentimento do vice-rei, religioso por natureza, dos vereadores da Câmara e dos nobres do reino. Do lado de Espanha, Madre S. Teresa, por via espiritual, também testemunhava “hum grande desejo de vir fundar a este Reino Casas da sua reforma, parecendo-lhe que teria grandes argumentos com os sugeitos Portugueses, tam bem inclinados, q nem as liberdades que trás consigo a guerra os estragão (…). Em oração com «Deos», ao saber que “El Rey Dom Sebastião nos campos de Africa, onde o levàra o zelo de dilatar a Fè de Christo, se perdeo, com a maior parte da nobreza deste Reino, a 4 de Agosto de 1578 (…) entre as lágrimas, & suspiros disse ao Senhor em modo de queixa amorosa: Ay meu Deos, como permitistes aos vossos tal perda, aos inimigos tal victoria? Se eu os achei dispostos para trazelos a mim (respondeo o senhor) de que te affliges tu? (…) ”10.

Madre S. Teresa, nas suas orações com Deus, apercebeu-se do desaire português e do perigo que esse facto podia vir a constituir para Portugal e para a fé Cristã, a derrota frente aos mouros. Durante alguns dias continuou a pedir “(…) ao Senhor, que lhe fizesse mercê de levar sua Religião a Portugal, para nella ser servido com à perfeição, que os Portugueses costumão ter em tudo o que fazem. (…) E dia da Assumpção da Rainha dos Anjos me disse o Senhor: Tu, filha, não iràs a Portugal fundar Casas de tua reforma, mas irão tuas filhas, e teus filhos, porque

5José Carlos Vechina, “Carmelitas descalços”, in Ob. Cit,. Carlos Moreira de Azevedo, (dir.), p. 298. 6P. Fr. Belchior de S. Anna,. Ob. Cit. , p.765.

7Fr. Belchior de St.ª Anna,. Ob. Cit., p. 94

8José Carlos Vechina, “Carmelitas descalços”, in Ob. Cit,. Carlos Moreira de Azevedo, (dir.), p. 299. 9 Fernando Bouza, D. Filipe I. (Lisboa: Círculo de Leitores, 2005), p. 195.

quero augmentando o numero dos bons Religiosos, que há naquelle Reino, com os teus, que creça o motivo de eu suspender o castigo, que lhe dei, & usar de misericórdia com elle (…)”11.

Depois de escolhida a cidade de Lisboa para a fundação da primeira casa feminina preparou-se a vinda das religiosas. “Foi a primeira escolhida, a Madre Prioresa daquelle Convento de Sevilha Maria de Sam Joseph, na qual todos reconhecião tam avantajado talento, & virtude tam consumada (…)”12. A grande viagem iniciou-se no dia 10 de Dezembro do ano

de 1584, rumo a Lisboa, vindas de Sevilha, “(…) uma companhia que sobia o número mais de vinte (…)”13,Entre elas quatro importantes irmãs carmelitas, a Madre Maria de S. José que viria

a tomar o nome de D. Maria de Salazar, Branca de Jesus Freire, filha de rico-homem, Inês de Stº Eliseu e Maria dos Santos. A comitiva conseguiu chegar a Coina e “(…) alli embarcarão para Lisboa, & com vento favorável, brevemente forão desembarcar perto do Convento dos nossos Religiosos, os quaes sahirão atè a praia, donde em procissaõ, cantando o Te Deum Laudamus, as levarão à sua igreja em que entràrão, dando o relógio meio-dia, vespora de Natal”14. O cronista conta com bastantes detalhes algumas das peripécias da viagem: a comitiva,

“no mesmo ponto que entrarão pela raia deste Reyno, hum ferocíssimo, & grande cão raivoso, o qual encontrando primeiro ao Padre Fr. António de Jesus, levantado no ar de pullo, lhe pegou com os dentes no chapeo, & derribou da cavalgadura, à qual mordeo, & passando adiante com a mesma fúria, arrememteo ao Padre Provincial, que com a capa o lançou de si, como se com hũa lança o afastara. Acometeo entam o coche em que vinhão as Religiosas, mas não chegou a offendelas, por se lhe opor Pedro Cereço Pardo, & o atravessar com a espada. (…) Sem outro acontecimento digno de historia, chegàrão a Coina, onde cahirão mortas as duas cavalgaduras, que tinha mordido o cão danado, que quis Deos conservarlhes a vida em quanto durou o caminho por terra, para o qual erão necessárias”15.

Entretanto o Padre Prior de S. Felipe, FR. Ambrósio Mariano procurava um sítio apropriado para aí fundar um convento que servisse à comitiva carmelita, o qual encontrou, não muito longe de Alcântara, “ (…) veio a escolher o que hoje habitão, na freguesia de Santos o velho, & vizinho ao mar (em lugar eminête) que fica gozando de vistas em extremo agradáveis, assi das muitas embarcações de toda a sorte, de que he mui frequentado o porto de Lisboa, como de valles, & montes que coroão o mar da outra parte (…). Erão as casas não mui grandes, mas tinhão hum quintal arrezoado. Nellas accomodou o Mosteiro, repartindoas em celas, Igreja, Coro, & officinas, tudo tam pequeno, & estreito, que sò podia agradar a quem mais vivesse, & conversasse no Ceo, que na terra”16. Percebemos pela descrição que o convento terá sido erigido

a partir de construções pré-existentes, umas casas muito pequenas.

“Escolheo a Madre Maria de Saõ Joseph para Orago do Mosteiro, o glorioso S. Alberto e estranharam as freiras irmãs do Carmelo de Ávila, dedicado a S. José, não ser esta a invocação escolhida para o primeiro mosteiro de carmelitas descalças em Lisboa”. A invocação do orago da igreja a Alberto Vercelli, patriarca de Jerusalém é pouco consensual entre os vários autores e cronistas. Alguns apontavam D. Alberto, arquiduque de Áustria, cardeal e sobrinho do rei Filipe I, em 1585 em funções de vice-rei de Portugal, um apoiante manifesto do grande amor

11Fr. Belchior de Stª Anna – Ob. Cit., p. 77-78. 12Fr. Belchior de Stª Anna – Ob. Cit., p. 140. 13Fr. Belchior de Stª Anna – Ob. Cit., p. 141. 14Fr. Belchior de Stª Anna – Ob. Cit. p. 143. 15Fr. Belchior de Stª Anna – Ob. Cit. pp. 142-143. 16Fr. Belchior de Stª Anna – Ob. Cit. p. 147.

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que tinha à ordem, para orago desta igreja. No entanto à época não era ainda um santo, nem podia ser invocado para este espaço religioso. Contudo é provável que tenha influenciado a escolha do orago da igreja, como forma das religiosas agradecerem o apoio do Cardeal à nova instituição religiosa.

Implantação urbana do convento, cerca e igreja

Após a entrada das religiosas nas casas onde estaria já acomodado o Mosteiro, não deverão ter demorado muito tempo até começarem a construção faseada da igreja, fruto do aproveitamento de edifício pré-existente.

A imagem que podemos idealizar de Lisboa no início do séc. XVII é a de uma cidade disposta em banda, mais concentrada junto ao rio e junto ao centro da cidade dentro de muralhas, estreitando e rareando o complexo habitacional para cima para lá das colinas. Em meados do século, rompendo a barreira da cerca da muralha Fernandina, sob a pressão de um significativo aumento da população e do interesse em tudo o que estivesse relacionado com o mar e o descobrimento do caminho marítimo para a Índia, vai estender-se no sentido marginal. Este era o “local onde a vida acontecia, onde a espetacularidade das ações tinha o seu auge, amiúde em manifestações de carácter religioso. As inúmeras procissões, Te Deum, lausperenes, oitavários eram vividas com o fervor constante de um povo que misturava ingenuamente a superstição com a fé”17. Era uma zona constituída por quintas de recreio, palácios, conventos e

núcleos populacionais de gente humilde, vivendo da pesca e de atividades ligadas ao rio, acompanhando o percurso das embarcações, que todos os dias demandavam o porto de Lisboa. Em 1628 já se contabilizavam em Portugal 15 conventos de carmelitas descalços, integrando religiosos portugueses com núcleos de constituição espanhóis18.

Na Rua das Janelas Verdes, de ambos os lados da rua, sucedia-se uma concentração de edifícios de carácter monacal19: o convento de Nª Sª dos Remédios (Marianos a Santos-o-

Velho), mosteiro de S. Alberto (ou das Albertas), convento de S. João de Deus (S. Filippe Real), igreja de S. Francisco de Paula e o mosteiro do Santíssimo Sacramento de Religiosos de S. Domingos, já em Alcântara. Na Corografia Portuguesa o mosteiro de Sº Alberto foi descrito da seguinte forma: “O Mosteyro de Santo Alberto fica mais adiante do convento dos Marianos da banda do mar, com deliciosa vista para elle: he de Religiosas Carmelitas descalças, todas muy observantes de sua Regra, cujo numero naõ passa de vinte & hũa. (…) A igreja he pequena, de hũa só nave, com a porta para o Norte, & tem àlem da Capella mor dous Altares Collateraes, & 17Reforçando esta ideia, temos a interpretação de Gustavo de Matos Sequeira sobre o ambiente religioso híbrido vivido em Lisboa durante o reinado de D. João V: “Dentro deste ambiente, com os livreiros de ar livre, e os cegos papelistas a vender sermonários, vidas de santos, relações de milagres e folhinhas dos Congregados do Oratório, de mistura com as Trovas da Madre Leocádia ou do Pretinho do Japão (…) o povo de Lisboa (…) visitava o Lagarto da Penha, não deixava de ir encher uma vasilha da milagrosa água de Santo Alberto ao Terreiro do Carmo (…) pagar o seu tributo a Santo Aleixo, fiado de que o Santo o livraria da bicharia do corpo (…)”,Cfr., Gustavo de Matos Sequeira. D. João V – Conferências e Estudos, Comemorativos

do Segundo Centenário da sua Morte (1750 – 1950). (Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1952), p. 55. Citado por, Sílvia Ferreira. A Talha Dourada do Altar-mor da Igreja de Santa Catarina, em Lisboa. A Intervenção do Entalhador Santos Pacheco. (Dissertação de Mestrado em História da Arte, Vol. I, Lisboa, 2002). pp.16-18.

18Pe Miguel de Oliveira. História Eclesiástica de Portugal. (Mem Martins: Publicações Europa-América, Edição Revista e atualizada, 1994), p.160.

19Ainda segundo descrição de Gustavo de Matos Sequeira: “À volta dos conventos seiscentistas (Trinas do Rato, as Francesinhas, o Mocambo, as Bernardas, as Brízidas, os Barbadinhos, S. João de Deus, os Marianos e ainda a Esperança, o Calvário, as Flamengas, o Sacramento e, mais tarde, as Necessidades), formavam-se aglomerados populacionais. As clausuras chamavam os ricos e socorriam os pobres. A uns dava-lhes amparo espiritual (…) a outros dava-lhes o caldo à Portaria (…)”, Gustavo de Matos Sequeira. (Ob. Cit), p. 50.

duas Capellas no corpo da igreja da banda da Epistola, hũa do Santo Christo, Imagem milagrosa, & outra de Santa Theresa, aonde em hũa ambula de cristal està inclusa hũa maõ desta Santa, que he hũa das Reliquias, que há neste Reyno. Tem este Mosteyro quatro mil cruzados de renda”20.

Segundo a descrição efetuada pelos cronistas da Ordem, o terramoto de 1755 obrigou as religiosas a sair de sua casa, pois toda a parte conventual foi muito danificada: “O convento ficou tão arruinado, que todas as religiosas estiveram bastante tempo abarracadas na Quinta do Provedor dos Armazéns, a S. Sebastião da Pedreira. Depois retiraram-se para o Palácio do Conde da Ribeira, à Junqueira, e daí foram para o seu mosteiro, onde estiveram abarracadas, na cerca, enquanto não se concertou”21. Em parte reedificado em muito modesta escala, teve na

altura conserto a cerca arborizada do convento, o pequeno claustro, e a traça da igreja com toda a decoração barroca no seu interior. Os autos de extinção do convento em 1890 referem: “(…) pequenas celas, um pequeno refeitório, pequenas casinhas, pequena livraria e algumas pequenas salas, (…) tudo tão pequeno e estreito que só podia agradar a quem mais vivesse e conversasse mais no céu que na terra”22. Mas essa seria a vocação essencial desta Ordem, “(…) à imagem

das rigorosas disposições da reformadora do Carmelo, Teresa de Ávila, que dizia não ser justo que casa de pobres fizesse ruído ao cair no dia do Juízo…”23.

A Igreja de Santo Alberto

A Igreja das Albertas, apesar do seu exterior sóbrio, é muito rica interiormente. Corresponde à tipologia que o historiador Norte-americano George Kubler em 1972 denominou estilo chão (Portuguese Plain Architecture). Segue também a recém-divulgada tratadística da nova linguagem clássica, uma “arquitetura matematizada”24 cujas formulas e modelos

geométricos formaram os conhecimentos e aptidões dos arquitetos e engenheiros que, nesta época, eram quase sempre ligados à engenharia militar. As duas únicas capelas laterais situam- se do lado direito da igreja, não sendo intercomunicantes comunicam diretamente com a nave separadas por teia em madeira. O retábulo mor, retábulos laterais, colaterais e paredes em geral, foram executados segundo um programa decorativo diferenciado, cuidado, executado faseadamente por mãos diferentes mas de muita competência. Situa-se em pleno desenvolvimento de um conceito novo, de saberes e vivências com uma plástica adequada à vertente catequizadora da igreja, pela animação e dinamização de formas e representações entalhadas, pintadas, painéis azulejares, que se convencionou denominar barroco, segundo um “bel composto”25, de matérias em relação de estreita complementaridade. Apesar de ser uma

obra anonima encontraram-se marcas entalhadas na madeira previamente a ser dourada. Podem ser referentes à assinatura ao artista entalhador, ou como medida estatística, um meio de identificar a quantidade de obra feita e a ser paga. Nas talhas que revestem os arcos de passagem para as capelas laterais, encontramos uma dessas marcas, também já referenciada em obras

20P. António de Carvalho. “Da Parochia de Santos”. In Corografia Portuguesa. (Braga, Capitulo XXXV, tomo III, 1712), p. 528-529.

21João Bautista de Castro. Ob. Cit., p. 426 22José Luís Porfírio (coord). Ob. Cit., p. 21 23José Luís Porfírio (coord). Ob. Cit., p. 21

24Rafael Moreira. “Arquitetura: Renascimento e classicismo”, in História da Arte Portuguesa, Paulo Pereira (Dir.). (Rio de Mouro: Círculo de Leitores, vol.5, 2007), p. 179.

25, Luís de Moura Sobral, “Um bel composto: a obra total do primeiro Barroco português”. In Struggle for Synthesis.

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entalhadas na região de Lisboa e do Alentejo. Trata-se de marcas de goiva, similares a uma boca sorridente (Fig. 2).

A Capela de Santa Teresa de sintaxe maneirista e o retábulo relicário

O retábulo da capela lateral de Santa Teresa conserva uma estrutura maneirista, mas de época tardia. Embora as linhas compositivas sejam direitas sem volumetria dinâmica das superfícies, o entablamento tem já alguma diferenciação de planos a acompanhar as colunas. A principal característica deteta-se ao nível das decorações ornamentais pela sobrecarga decorativa, todos os campos foram preenchidos por enrolamentos de decoração fitomórfica, folhagem de acanto formando volutas, festões de flores, frutos, alguns pássaros e laçadas com enrolamento de volutas, ainda de gosto renascentista, caso das ferroneries. Ao centro, num nicho fechado por porta envidraçada e estampa, encontrava-se a relíquia da mão de Santa Teresa de Ávila. Esta zona central era fechada, salvaguardada, por porta, da qual apenas restam os

No documento O Retábulo no Espaço Ibero-Americano (páginas 181-195)