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O conceito de totalidade da capela de Nossa Senhora da Nazaré – Cravaz

No documento O Retábulo no Espaço Ibero-Americano (páginas 117-127)

Pedro Vasconcelos Cardoso

1. O conceito de totalidade da capela de Nossa Senhora da Nazaré – Cravaz

O espaço interior da capela de Nossa Senhora da Nazaré, em Cravaz (Tarouca), sugere um modelo que teve larga aceitação na capital portuguesa e que se tornou “uma característica

das igrejas de corte”10. Nele se alargou o uso da talha, anteriormente confinada aos altares, a

outas zonas do templo, nomeadamente à nave através de grandes molduras que enquadram pinturas conjugadas com a arte azulejar, de forma a que todo o templo fosse revestido por diversas manifestações artísticas. Não será alheio ao local de origem deste modelo - a cidade de Lisboa - o uso de embutidos de mármores que é também sua característica, uma vez que era na capital que as influências artísticas italianas se faziam sentir com mais força, através da arte da corte, ou das elites mais informadas que adoptavam os modelos romanos11, sendo o mármore

o material de eleição da retabulística de Roma.

Apesar de se ter verificado uma tendência, bem mais expressiva a sul, para a talha barroca se conjugar com os embutidos de mármore, principalmente no embasamento12, a capela de Nossa

Senhora da Nazaré, em Cravaz, não deixa de aderir ao uso dessa pedra, sendo no entanto quase uma excepção13 no que concerne à utilização destes, se considerarmos os pequenos templos

particulares que ainda subsistem nos arciprestados de Tarouca e Lamego (Fig. 2). Tal parece consubstanciar a ideia, já referida, de que este espaço terá seguido o modelo do programa decorativo muito em voga nos finais de Seiscentos em igrejas e conventos de Lisboa. Em Cravaz, eventualmente por manifesta falta de recursos económicos ou de artistas regionais que soubessem executar a técnica de embutidos marmóreos, o seu uso passa pela imitação destes nas ilhargas da mesa de altar, banqueta e parte do sotobanco (Fig. 2).

Fig. 2 – Pormenor do sotobanco e ilharga da mesa de altar da

capela de N. Sra.da Nazaré, Cravaz (Tarouca), onde se imitam embutidos de mármore, a exemplo do que era usual nas igrejas da capital ou do sul do país.

(Fotografia do autor: 2014)

10SMITH, Robert C. – A talha em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1963, p. 80. Muitas vezes nesta época as igrejas foram “embelezadas por ordem de fidalgas para servir a conventos privilegiados de freiras”.

11São os casos da capela de São Gonçalo, no convento de São Domingos de Benfica ou o altar da Santíssima Trindade, na igreja de São Roque, em Lisboa. O recurso a embutidos de mármore é já notado no período Proto-barroco, “constituindo os mármores com

embutidos, de influência italiana, excepções associadas a clientelas mais esclarecidas e de maiores recursos financeiros”. LAMEIRA, Francisco - O retábulo em Portugal: das origens ao declínio. Faro: Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve; Centro de História da Arte da Universidade de Évora, 2005, p. 90. Continuaram a ser utilizados no Barroco Pleno por “algumas elites mais esclarecidas, normalmente associadas à corte, e de maiores recursos financeiros, tendo sido empregues, quer na

totalidade dos retábulos,(...) quer nos seus embasamentos (...)”. Ibidem, p. 94.

12Apontamos como exemplo do modelo que temos referido os espaços de dois cenóbios olisiponenses cujos altares-mores conjugam a talha dourada com os embutidos de mármore: a igreja do convento dos Cardaes e a da Encarnação das Comendadeiras de Avis.

13Apenas registamos nas capelas particulares dos dois arciprestados de Tarouca e Lamego outra imitação de embutidos de mármores no que resta da banqueta do altar da capela da quinta da Chumbeira, em Cambres.

É igualmente característica do modelo olisiponense o uso de pintura de grande dimensão emoldurada por largas cercaduras de talha, colocada nas paredes laterais dos templos, sempre rematadas por azulejaria na parte inferior. As molduras dos quadros são “ornadas de folhas de

acanto e óvulos”14. Daqui resulta um interior coberto de azulejos e talha rematando-se

mutuamente, inclusive com a pintura, aspecto que se verifica, embora numa escala de dimensões mais reduzidas, nesta capela regional (Fig. 3). O modelo foi aqui adaptado, de forma sábia, para integrar a abertura de uma das paredes laterais, habitual neste tipo de espaços, uma vez que era necessário estabelecer uma comunicação entre a capela e o interior da habitação dos seus proprietários. Esse local, usado pela família instituidora do templo para assistir aos actos litúrgicos, recatada dos olhares públicos, mediante grades enxaquetadas, foi emoldurado por grossa cercadura de talha15. Esta solução permitiu um jogo de simetria com a parede do

lado do Evangelho, onde existe em espaço idêntico uma pintura da Fuga para o Egipto (Fig. 3). Tal trouxe unidade à concepção de totalidade do espaço, permitindo também manter-se próximo do modelo espacial, já referido, de “obra de arte total” em voga na capital durante o período do Barroco Pleno.

Fig. 3 – Interior de “obra de arte total” da capela de N. Sra. da Nazaré, Cravaz (Tarouca).

É perceptível a conjugação entre as artes da azulejaria, da talha e da pintura, numa tentativa de obter um espaço de totalidade de grande aparato.

(Fotografia do autor: 2015)

14SMITH, Robert C. – A talha em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1963, p. 80. Este modelo foi seguido em outros espaços fora da cidade de Lisboa, como é o caso da igreja da Misericórdia, em Évora ou de Santo António, em Lagos.

15Na moldura usou-se um pequeno friso de óvulos e dardos cercado por outro, mais grosso, onde surgem ramagens de acanto com fénixes debicando bagos.

UMA “OBRA DE ARTE TOTAL”: A TALHA DA CAPELA PARTICULAR […]

1.1 – O programa iconográfico do tecto da capela de Nossa Senhora da Nazaré, em Cravaz

Outro espaço de Lisboa, o antecoro do convento das Flamengas, apresenta a mesma tipologia e conceito que acabamos de referir. O bel composto do seu interior é, de acordo com Luís de Moura Sobral, de 1680. Ainda segundo este autor, o programa iconográfico completo que exibe nas paredes e tecto alude aos Mistérios do Rosário, desde a Anunciação à Coroação

da Virgem, passando pela Natividade até à Ascensão de Cristo. As mesmas quinze cenas (Mistérios) preenchem os caixotões principais16do tecto da capela (Fig. 4). O Rosário parece

ser o tema principal do programa deste pequeno templo, tal como da sala do antecoro das Flamengas. Recordamos aqui a eventualidade de o primitivo retábulo da capela de Cravaz ter albergado a pintura, agora existente na sua sacristia, com duas figuras envergando os hábitos dominicanos, a lembrar São Domingos e Santa Catarina de Siena, tendo sido ao fundador dessa Ordem que, em aparição, Nossa Senhora terá entregue as contas do Rosário (Fig. 1). O Terço integra-se na mentalidade Reformada do pós-Trento, uma vez que “está intimamente ligada à

luta da Igreja contra os “infiéis” e contra todo o tipo de “heresias”. (...) O Rosário ajudará (...) milagrosamente os Católicos contra o Islão, contra os Protestantes e finalmente contra os Turcos, tendo sido a vitória de Lepanto de 1571 atribuída ao seu patrocínio”17.

Por outro lado, Portugal sempre relacionou ou dedicou importantes momentos da sua história a desígnios da Virgem18. A intercessão pedida à Mãe de Cristo e a devoção sentida à

Sua pessoa por sucessivos monarcas19, em especial nos momentos relacionados com a

soberania da nação, será responsável pelo grande número de instituições de capelas particulares dedicadas a Maria por parte das famílias nobres ou fidalgas, uma vez que esta era também uma forma de se mostrarem apoiantes da Casa Real portuguesa. Tal contribuiu significativamente para que o nome de Maria, sob as mais diversas invocações, e em grande número sob a forma de Imaculada Conceição, fosse o de maior patrocínio nas capelas particulares dos arciprestados

16Entenda-se como caixotões principais aqueles que se encontram ao centro, mais perto do cume, e também junto ao altar. Esta hierarquia estabelece prioridades entre as figuras nele apresentadas. Cristo e Nossa Senhora, ocupam os painéis centrais e junto ao altar, enquanto que os santos aparecem junto à porta de entrada e nos painéis laterais, menos elevados na abóbada, e por isso mais próximos do mundo terreno. Cristo, junto ao altar, surge do lado do Evangelho e ao centro, uma vez que esse lugar é o de maior importância face ao da Epístola, para onde se renegou os painéis da Virgem que ficam perto do retábulo. Esta hierarquia na disposição das imagens era regulamentada pelas próprias Constituições Sinodais. Segundo a disposição tridentina às imagens sacras devia-se atribuir o seguinte grau de hierarquia: à de Cristo e à cruz “se deva maior

adoração, & reverencia, (…) que nas outras Imagens de Santos naõ concorre, (…) a Mãy de Deos se lhe deve maior

veneraçaõ, que aos Anjos,& aos Santos, (…) preferindo-a, naõ somente a todos os Santos, mas aos Anjos,& Archanjos”. Deste modo Cristo surgiria como a figura mais importante dentro do espaço sacro, seguindo-se Maria, Sua Mãe, e finalmente os santos. PORTUGAL, D. Miguel de – Constituicoens Synodaes do Bispado de Lamego: 1639. Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1683, pp. 14-15.

17SOBRAL, Luís de Moura – Un bel composto: a obra de arte total do primeiro Barroco português. In Actas: Struggle

for Synthesis, The Total Work of Art in the 17th and 18th Centuries, Simpósio Internacional. Lisboa: IPPAR; Ministério da Cultura, 1999, vol. 1, p. 310.

18“Great Portuguese moments are often Marian moments, wich embrace events either directly realted or dedicated to

the Virgin Mary.(...) Portugal can be identified as a Marian nation. Devotion to the Virgin Mary plays an importante role in

the personal piety of many Portuguese (...)”. CLEMENTE, D. Manuel – Devotion to the Virgin Mary in Portugal. In CARVALHO, Maria de Lourdes Simões de; ROBINSON, Julia, coord. – Crowning Glory: Images of the Virgin in the arts of

Portugal. Lisboa: Gabinete das relações internacionais, Ministério da Cultura de Portugal; The Newark Museum, 1997, p. 87. 19D. Afonso Henriques, “the churches he built were dedicated to the Virgin Mary”; D. João I agradece a vitória de Aljubarrota com a construção do mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha); D. João IV após conquistar a independência de Portugal face a Espanha consagra o país à Virgem da Conceição. Vd. Ibidem.

de Tarouca e Lamego20. A devoção à Virgem era por isso comum entre as famílias nobres

portuguesas.

A veneração que Lhe era prestada manifesta-se na capela de Cravaz de forma eloquente, não só através da imagem central do retábulo, como nas representações dos Mistérios pintados nos caixotões. Essas cenas bíblicas, do tecto da capela de Carvaz, rodeadas pelas figuras dos apóstolos21, remete-nos para uma arte catequética onde a parenética dos salutares exemplos,

das figuras virtuosas que fizeram a história da Igreja, nos lembra que o sofrimento em nome dos ensinamentos de Cristo é compensado pela ressurreição, ou vida eterna após a morte – como se pode ver nos últimos painéis do tecto junto ao altar: a Ascensão de Cristo, Assunção

de Nossa Senhorae Coroação Desta pelo Pai e Filho, após uma vida sem pecado (Fig. 4). Mas a doutrina da Igreja não se esgota nas figurações bíblicas do tecto, antes sai reforçada nos quatro cantos desta cobertura. Neles, como se fossem os quatro pilares do edifício, encontramos São Gregório Papa, São Jerónimo, Santo Agostinho e Santo Ambrósio, os quatro primeiros Doutores da Igreja latina22e de alguma forma pilares da sua doutrina.

As legendas desenhadas por baixo de cada caixotão, bem como a utilidade das cenas pintadas, que auxiliam na recitação do Terço, provam que esta arte estava ao serviço da fé, como catecismo aberto. Para além desse lado prático, cumpria, através da exaltação dos sentidos, outra função: a nobilitação do espaço. Nesta realizava-se a vontade dos instituidores e seus descendentes em prestar louvor, neste caso “para mayor honra de Deus e de Nossa

Senhora de Nazareh”23, mas também de “valorização egocêntrica, permitindo o destaque

social dos que possuem recursos para facilitar à colectividade o encontro com o divino”24, com

aparato semelhante ao que se podia encontrar nos espaços sacros públicos da região. Desta forma, e também através da arte, as famílias destas capelas particulares afirmavam-se socialmente entre a comunidade local e perpetuavam a sua condição de nobreza.

Na figuração dos apóstolos regista-se a ausência de dois deles: São Judas Tadeu e Judas Iscariotes. Este último foi em alguns casos substituído por São Paulo, como se verifica no tecto de Cravaz, devido ao seu papel de traidor, enquanto que o primeiro parece ter sido trocado por São Lucas, que ocupa um lugar destacado no tecto, na fiada central, tal como São Pedro, o apóstolo em quem Cristo confiou a sua Igreja (Fig. 4). A importância dada a São Lucas no espaço liga-se com a lenda do orago da capela. Segunda a crença popular esta imagem de Nossa Senhora da Nazaré foi “esculpida pelo próprio São José na presença de Maria e encarnada

por São Lucas”25, uma vez que este também era pintor, facto que nos é destacado pelo artista

que pintou o evangelista no tecto de Cravaz26. Ainda de acordo com a lenda a imagem foi levada

da cidade da Nazaré “por hum mõge Grego, chamado Cyriaco, em tempo que se levãtou nas 20Nestes dois arciprestados a invocação de Nossa Senhora da Conceição só é suplantada pela de Santo António, mas se juntarmos a figura da Virgem debaixo das diversas invocações esta é o orago que existiu em maior número entre as capelas particulares. 21“Chamaõ a esta Senhora de Nazareth; porque tem por tradição, que era do tempo dos Aposstolos, & que estava em aquella

Cidade(...)”. Estes foram, após a morte de Cristo, companheiros da Virgem, como se atesta na cena do Pentecostes ou da Dormição de Maria. MARIA, Frei Agostinho de Santa – Santuario Mariano. Lisboa: Officina de Antonio Pedroso Galrão, 1707, vol. 2, p. 160.

22TAVARES, Jorge Campos – Dicionário de Santos. 3.ª Ed. Porto: Lello Editores, 2004, p. 48.

23Arquivo Particular da Casa do Morgado de Nossa Senhora da Nazaré de Cravaz, Escriptura de duação e nomeação

e vincolo, da Capella e instituição de legado.f. 1.

24ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Espaços de culto público e privado nas margens do Douro: uma abordagem.

Poligrafia. Porto: Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brandão. Nº5, (1996), p. 57.

25 NOÉ, Paula - Ermida da Memória / Capela de Nossa Senhora da Nazaré / Capelinha do Sítio. In

http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=1433(2015.09.15; 12 h).

26Neste, para além de uma legenda, “S. Lucas Evangelista, médico E pintor”, aparece o santo a pintar uma imagem de Nossa Senhora com o menino ao colo.

UMA “OBRA DE ARTE TOTAL”: A TALHA DA CAPELA PARTICULAR […]

partes de Oriẽ te hũa heresia contra oculto & veneração das imagẽ s(...)”27. Este entregou-a “a

Saõ Jeronymo estando em Belem, donde o Santo Doutor pela grande, & estreita amizade, que professava com seu grande Padre a Aguia dos Doutores, Agostinho Bispo de Hipponia, lha mandou a Africa, que a recebeo como joya digna de verdadeira estimação”28. Este, porque

“amava tanto aos seus filhos de Hespanha”29enviou-a para o convento de Cauliniana, junto à

cidade de Mérida, de onde “foi trazida a esta ultima parte do mundo [ao Sítio da Nazaré] pello

monge Romano, tendolhe companhia el Rey Dom Rodrigo, no anno de Christo, setecẽ tos & quatorze (...)”30. Face à lenda da Senhora da Nazaré, justifica-se a inclusão de São Lucas em

lugar tão destacado neste tecto, bem como a inclusão dos Doutores da Igreja.

Fig. 4 – Santos e episódios bíblicos do tecto de caixotão da capela de N. Sra. da Nazaré, Carvaz (Tarouca).

Destacam-se na cumeeira as cenas dos Mistérios do Rosário e o painel dedicado a S. Lucas, santo que se envolve na lenda do orago da capela, justificando a legenda pintada indicando que foi evangelista, médico e pintor. Nota-se ainda, pela distribuição que é feita da iconografia do tecto, o maior relevo ou importância que

é dada às figuras de Cristo e da Virgem, colocados junto à zona do altar e próximos do cume. (Esquema do autor: 2014)

27BRITO, Frei Bernardo – Monarchia Lusitana: segunda parte. Lisboa: Pedro Craesbeeck, 1609, p. 273v.

28MARIA, Frei Agostinho de Santa – Santuario Mariano. Lisboa: Officina de Antonio Pedroso Galrão, 1707, vol. 2, p. 146. 29Ibidem.

As imagens de São Bento e São Bernardo, santos fundamentais para a Ordem de Cister, com conventos muito próximos desta capela31, e a influência destes sobre as famílias nobres

locais terá sido uma realidade32. Este facto contaminou a iconografia devocional da região. São

Bernardo, para além da enorme veneração que prestou à Virgem, incrementando o seu culto33

e dedicando-Lhe quase todos os conventos por ele erigidos, também é referido como um dos santos a quem Esta apareceu. Essa cena, onde se narra a lactação de São Bernardo por Maria, aparece em outra capela particular da região, em Ferreirim, a cerca de 5 km de Cravaz, dedicada à Imaculada Conceição34, provando a forte influência da vivência cisterciense junto das famílias

nobres locais. Da mesma forma, a São Gonçalo, terá aparecido a Mãe de Deus, convencendo-o a ingressar na Ordem dominicana, fundada por aquele a quem a Virgem entregara o rosário – São Domingos. Esta surgiu novamente ao santo amarantino para lhe revelar o dia do seu falecimento35, acompanhando-o no momento da sua morte.

São Timóteo terá assistido ao trânsito de Maria36, justificando também a sua figuração

neste tecto de uma capela dedicada à Mãe de Deus. A salvação no momento da morte, através da oração e dos salutares exemplos da vida dos santos, como manda a doutrina da Igreja Católica, torna-se na principal lição a retirar do programa da capela. Os santos ocupam a zona menos importante da cobertura (junto à porta), deixando as figuras mais importantes da Igreja, Cristo e a Virgem, para os caixotões centrais e mais próximos do altar. Tanto a iconografia como a sua distribuição obedecem a uma intencionalidade catequética que resulta dos ensinamentos do Concílio de Trento.

A ideia de aparato do conjunto é acentuada pela policromia das molduras da talha dos caixotões e pelos florões de folhas de acanto entre os diversos painéis, que se estruturam em formas quadrangulares (Fig. 3). Este modelo de tecto é o mais frequente nas igrejas paroquiais dos arciprestados de Lamego e Tarouca, o que revela uma apetência local por esta solução para rematar as coberturas dos templos. A concepção de totalidade do espaço sacro diverge neste ponto do modelo lisboeta, sendo a cobertura em caixotões a sua maior inovação e contributo regional para esse tipo de conceito.

1.2 – A talha do altar e molduras da capela de Nossa Senhora da Nazaré

No altar da capela de Nossa Senhora da Nazaré, em Cravaz, a talha alarga a sua zona de intervenção expandindo-se para as ilhargas, cobrindo toda a parede testeira (Fig. 3). Tal

31O mosteiro de São João de Tarouca fica a cerca de 3 km enquanto que o de Salzedas a cerca de 10 km.

32Pelo menos um familiar dos instituidores da capela, frei Jerónimo do Sacramento, chegou a professar no mosteiro cisterciense de São João de Tarouca. Arquivo Particular da Casa do Morgado de Nossa Senhora da Nazaré de Cravaz,

Ascendencia de Timotheo Pereira Lobo da Silva. f. 1v. Sobre a influência exercida por estes mosteiros cistercienses nas famílias locais consultar CARDOSO, Pedro Vasconcelos - Estudo da arte da talha das capelas particulares dos arciprestados de

Lamego e Tarouca. Porto: [s.n.], 2014, vol. 1. Dissertação de Doutoramento em Estudos de Património apresentada à Universidade Católica do Porto – Escola das Artes. Edição policopiada.

33A devoção que tinha por Maria pode ser comprovada por escritos da sua autoria como o “Tratado dos Louvores da

Virgem Mãe”. São Bernardo foi “grande impulsionador do culto da Virgem Maria”. TAVARES, Jorge Campos – Dicionário

de Santos. 3.ª Ed. Porto: Lello Editores, 2004, p. 32.

34Nesta capela, na fiada de caixotões junto à entrada aparecem igualmente santos a quem terá aparecido Nossa Senhora. 35“(...) chegado finalmente o prazo em que Deos tinha determinado levar este seu fiel servo, precedendo revelação da

sacratissima Virgem do dia do seu transito, preparado com os Sacramentos da Igreja, & nos braços da mesma Senhora, que cercada de grande multitude de Anjos naquela hora o acompanhava, se desatou sua sanctissima alma das prisões da carne

(...)". Cardoso, Jorge – Agiologio lusitano dos sanctos, e varoens illustres em virtude do Reino de Portugal, e suas conquistas. Lisboa: Officina Craesbeekiana, 1652, vol. 1, p. 97.

36“Foi discípulo favorito de S. Paulo e depois primeiro bispo de Éfeso. Terá acompanhado os últimos momentos da

No documento O Retábulo no Espaço Ibero-Americano (páginas 117-127)