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3 Enxadas às costas

4.2 Em busca de uma rotina não rotineira

Cada vez que digo uma coisa filosófica, o olho da Dona Benta fica parado e ela pensa, pensa...

- Ficam pensando o quê, Emília? - Pensando que entenderam. Monteiro Lobato

O ano de 2011, também é marcado como um momento histórico e importante para a urgência de constituir uma escola de tempo integral, pois agora todas as crianças estariam matriculadas em período integral. Apesar de muitos indícios e reflexões a organização da escola, ainda, estava pautada basicamente pela lógica dos dois turnos no início da coleta de dados. O contexto se apresentava da seguinte maneira:

Sala da turma A - quinze crianças, uma professora contratada de oito horas diárias cumprindo seu horário das 8:30 às 12:30 e das 13:30 às 17:30, uma estagiária que entrava as 7:30 saia às 14:00. O horário da segunda estagiária era das 11:30 às 17:30.

Sala da turma B - quinze crianças, uma professora contratada de oito horas diárias cumprindo seu horário das 8:00 às 12:00 e das 13:30 às 17:30, uma estagiária que iniciava seu turno de trabalho às 7:30, e neste momento também tinha como função receber as crianças da turma C que chegavam na escola neste horário, às 8:00 quando chegava a professora as crianças que aguardavam na sala da turma B eram encaminhadas a sua respectiva sala, finalizando seu turno às 13:30. O horário da segunda estagiária era das 11:45

às 17:45, esta moça ficava responsável de entregar as crianças quando as famílias se atrasavam.

Sala da turma C - quinze crianças, uma professora contratada de oito horas diárias cumprindo seu horário das 8:30 às 13:00 e das 14:00 às 17:30, uma estagiária que entrava às 8:00 e saia às 14:00. O horário da segunda estagiária era das 11:30 às 17:30.

Neste ano, tínhamos pela primeira vez, uma estagiária volante que a princípio ficaria responsável pelas oficinas de culinária, hora do conto e substituindo as professoras nos dias em que tinham horário de planejamento. Assinalo que até o mês de abril, essa organização aconteceu, já nos meses seguintes acabou por somente substituir as professoras e estagiárias que tinham que se ausentar por motivo de doença.

Nesse período muitos tensionamentos foram vividos no que diz respeito aos espaços e tempos. O que fazer com as crianças que não dormem? Ela não quer dormir? Ela não quer comer? Relatos de situações que aconteciam no refeitório ou no sono que eram insustentáveis, não dialogavam com os princípios da escola, mas ao mesmo tempo aconteciam e precisavam ser modificados. Ao longo do ano, diante dos questionamentos, algumas estratégias surgiram, a fim de inserir no planejamento, propostas diferenciadas e formações sobre o sono, do descanso e da alimentação. Ações pontuais que resolveriam, superficialmente, a fotografia da escola.

Nessa época acreditava que se fizessem intervenções quanto ao espaço, mudando-o, as coisas iriam mudar. Hoje, consigo perceber que a mudança do espaço também é algo importante, fundamental e necessário, mas era necessário mudar as relações, as concepções de que todos os momentos são importantes e de que não há como separar o educar e o cuidar.

Assim, o turno da manhã encerrava, para os adultos, entre às 12:00 e 12:30, mas para as crianças não. Que práticas eram vividas nesse “intervalo”? Como esse espaço-tempo era vivido pelas crianças? Isso precisava ser pauta das reflexões, da formação em ação? Precisávamos mudar, mas como? Faltava pessoal, isso eu não posso negar, e ao mesmo tempo não tínhamos autonomia de contratar a qualquer momento, pois temos um planejamento orçamentário e um diretor regional que avalia as solicitações. O que tínhamos

era um número suficiente de estagiárias. Elas poderiam ser responsáveis pelos momentos dos intervalos meu e das professoras? Seria possível responsabilizar as estagiárias pelos momentos tão importantes como a hora do sono, do descanso e da alimentação, deixando explicito de quem cabe a função de educar e quem cabe a função de cuidar?

Novamente o tempo/espaço intervalo se colocava e nos interrogava. As quarenta e cinco crianças estavam na escola, durante nada menos que, dez horas por dia. O que demandava, necessariamente, mais uma professora. Acreditava que uma contratação a mais já melhoria e muito, pois a esta pessoa caberia a responsabilidade pedagógica pelos momentos que as professores saem para planejar e para os momentos que acontecem os intervalos. Um intervalo como já afirmei, apenas para os adultos, não para as crianças.

Diante do exposto, constato que, a realidade do quadro de funcionários não iria mudar, foi preciso buscar outra forma de resolver tal situação. Assim, em conjunto com as professoras e refletindo sobre quais eram os momentos de maiores tensionamentos, diante da realidade que não poderíamos mudar, decidimos então, alterar nossos horários para o ano de 2012. Faz-se necessário aqui destacar o desejo da equipe em querer uma escola de qualidade, trata-se de problematizar que o tensionamento não era apenas das professoras, mas sim, da instituição que precisaria garantir condições de trabalho favoráveis e, em consequência manter a qualidade no atendimento das crianças.

Organizamos, assim, uma nova rotina de trabalho: cada turma com uma professora de oito horas diárias e duas estagiárias de seis horas diárias. Abaixo descrevemos essa organização:

Turma B:

Uma professora: das 8:00 às 11:30 e das 13:00 às 17:30 – coordena o momento após o almoço do último grupo com as crianças que não dormem. Estagiária 1: horário: 7:30 às 13:30 ficando responsável pela recepção da turma na sala, por acompanhar o grupo 1 para o almoço e as crianças no momento do sono. Estagiária 2: horário: 11:00 às 17:00 ficando responsável por acompanhar o grupo 2 para o almoço e as crianças no momento do sono.

Turma C:

Uma professora: das 8:30 às 11:00 e das 12:00 às 17:30 – coordena o momento do sono. Estagiária 1: horário: 7:30 às 13:30 ficando responsável pela recepção das turmas C e D na sala, por acompanhar o grupo 1 para o almoço e as crianças no momento do sono. Estagiária 2: horário: 11:00 às 17:00, ficando responsável por acompanhar o grupo 3 para o almoço e as crianças que não dormem.

Turma D:

Uma professora: das 8:30 às 13:15 e das 14:30 às 17:45 – coordena o momento do almoço e é responsável pelo final do turno. Estagiária 1: horário: 8:00 às 14:00, acompanha o grupo 3 para o almoço e as crianças que não dormem. Estagiária 2: horário: 11:00 às 17:00, ficando responsável por acompanhar o grupo 2 para o almoço e as crianças no sono.

Neste ano de 2012, tivemos um aumento no quadro das estagiárias volantes, devido ao aumento de crianças nas turmas, assim organizamos seus turnos

A estagiária volante 1 com quatro horas diárias, faz o seguinte horário: de terça a quinta-feira das 9:00 às 13:00 – ficando responsável por auxiliar as estagiárias das turmas B, C e D, no dia do planejamento das professoras e também do momento do almoço. Na segunda-feira, faz o horário: 11: 00 às 15:00, responsável pelo almoço e também em acordar as crianças do sono, pois nesse dia acontece o grupo de estudos das professoras, das 13:30 às 15:30.

Estagiária volante 2, com 6 horas diárias, de terça a quinta-feira das 11:00 às 17:00 ficando responsável por auxiliar as estagiárias das turmas B, C e D no dia do planejamento das professoras e também do momento do almoço e acordar as crianças no sono. Na segunda-feira fica, responsável por organizar o sono, auxiliar no momento do almoço e acordar as crianças do sono, na sexta-feira fica responsável no momento do almoço, acordar as crianças do sono auxiliando-os a retirar os lençóis e fronhas para levá-los para casa.

Como podemos perceber, no ano de 2012, passamos atender não mais quarenta e cinco crianças e, sim sessenta. Aumentaram quinze crianças no total e o número de professoras continuou o mesmo, acredito que mais uma vez, a concepção de turno integral vem à tona, pois uma coisa é ter vinte crianças na sala de uma escola de turno parcial e outra bem diferente é ter vinte crianças numa sala da escola de tempo integral. A justificativa para o aumento de crianças matriculadas se deu a partir de adequações da legislação. As salas comportam esse número, isso não negamos, mas para que aconteça uma escola de tempo integral não precisamos somente de salas que comportem um número “x” de crianças.

Tenho clareza que muitas escolas de Educação Infantil que atendem a mesma realidade de tempo integral, vivem em condições precárias, menos privilegiadas do que a nossa escola. Não podemos nos comparar a ninguém, nem mesmo dentro da rede que atuamos. Pois isso seria um modo de aceitar as coisas, silenciar as vozes, alienar-se, conformar-se, ao que precisamos lutar cada vez mais. Parto da realidade que estamos inseridos, para lutar pela garantia de condições adequadas de trabalho, por espaços e práticas que respeitem a infância e as crianças e os adultos.

Uma das grandes mudanças, a partir das alterações aqui descritas, podemos visualizar que com a inserção das professoras nos momentos que tínhamos equívocos e tensionamentos, como, por exemplo, a hora do sono e o refeitório, a questão das crianças que não dormem e que, basicamente estão ali, nos remete muita responsabilidade, nos provoca buscar outras alternativas sempre, intervir, pensar sobre, propor algo que amplie os olhares, as possibilidades e as urgências. Trata-se de um autorizar compartilhado no grupo, para perceber os momentos que antes aconteciam com a superficialidade do olhar hoje, nos implica fazer diferente, transpor, acreditar, às vezes não aceitar- permitir, não fazer de conta que não viu ou ouviu. É pensar na vida e, isso é muito diferente da escolarização dos momentos. Como é a experiência de dormir, comer, descansar com os amigos com quem convivemos 10 horas por dia na escola? Ou, que só nos enxergamos nesses momentos?

A presença das professoras nos momentos do tempo negado ou invisibilizado, para mim trata-se de um desafio diário, não é um simples estar ali, ou mesmo ser responsável por esse espaço-tempo, mas trata-se de relação que se estabelecem, como se vive, o entendimento que aquele espaço-tempo educa. É importante, pois parte-se do respeito e nos torna diferentes, nos modifica. Por outro lado, quando não conseguimos enxergar esse diferencial, e as intencionalidades que almejamos acontecer, acabamos por exercer um “controle” sobre os corpos dos adultos e, consequentemente, das crianças, um não educar. Somos educadores e isso implica outras posturas. Não sei se a todas as professoras isso é claro, mas já é um começo.

Consolidar uma prática de educação integral é um desafio de muitas mãos, processo, reflexão, com muito tempo de formação, e isso não acontece da noite para o dia, precisamos entender porque fazemos, muitas práticas que respeitem as infâncias acontecem nesses momentos e as que não acontecem, aos poucos, vamos provocando espaços de perguntas e pertencimentos. Faz- se necessário abrir mão de muitas certezas, e esse caminho não é tranquilo, com verdades consolidadas, muito pelo contrário, como já afirmei anteriormente, exige muito trabalho, tempo dedicado e priorizado.

E nesses momentos são muitas as perguntas, e também um sentimento, muitas vezes, de impotência, de querer dar conta de tudo, como se isso fosse possível, e a mim, enquanto coordenadora, toda essa responsabilidade, imaginar mudanças como num conto da Cinderela. Essas mudanças requerem muita formação, tempo, desconstrução, leituras, busca, implicar-se e mesmo desejando muito isso, provocando, propondo reflexões, o caminho é singular, é um eterno movimento que tem horas que se mostra tranquilo, em outro momento muito tensionado, em outros até negado. Nem sempre todos os fazeres da escola de tempo integral estarão alinhados com o que acreditamos, pois somos diferentes, mas permitir-nos olhá-los, descortinar-los já é um grande passo. A escola é feita de pessoas, e como pessoas temos nossas limitações, temos nossas caminhadas, precisamos é potencializar nossas conquistas fazendo com que elas contagiem outras que buscamos construir.

Por outro lado, com essa mudança também percebo o cansaço das professoras, nesses momentos que elegemos como prioridade de ação, o

espaço-tempo é complexo, diverso, tenso, rico, necessário e precisa de um olhar diferente. Nestes, as crianças estão mais agitadas, com fome, sono, saudade de casa, cansadas, querem ser vistas e ouvidas, precisam de uma professora “inteira”. Acabamos, por vezes, agindo sob a ótica do fazer para dar conta de tudo, para que as coisas funcionem, me pergunto: Esse é o jeito? Quem estamos priorizando? Que tempo estamos vivendo? Como dar conta desse singular no coletivo? Dos diferentes tempos das crianças, dos professores, da equipe da limpeza, dos fornecedores, das famílias?