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A construção de uma escola de educação infantil de tempo integral: "cavando os achadouros da infância"

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE TEMPO INTEGRAL: “CAVANDO OS ACHADOUROS DA INFÂNCIA”

Juliana Beatriz Machado Rodrigues

Ijuí, RS 2012

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UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE TEMPO INTEGRAL: “CAVANDO OS ACHADOUROS DA INFÂNCIA”

Juliana Beatriz Machado Rodrigues

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI. Orientadora: Dra. Noeli Valentina Weschenfelder

Ijuí, RS 2012

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JULIANA BEATRIZ MACHADO RODRIGUES

A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE TEMPO INTEGRAL: “CAVANDO OS ACHADOUROS DA INFÂNCIA”

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências, do Programa de Pós- Graduação em Educação nas Ciências.

Banca examinadora

_____________________________ Dra. Noeli Valentina Weschenfelder, Unijuí

Orientadora

_______________________________ Dra. Anna Rosa Fontella Santiago

________________________________ Dr. Armgard Lutz

_________________________________ Dra. Cristiana Callai de Souza, UFF

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Dedico esse trabalho ao meu filho Henrique, que me ensina a

ser mãe e entender as coisas das crianças.

Também, às crianças que compartilham comigo suas

primeiras experiências escolares e me ensinam ser coordenadora.

Ainda, às minhas colegas Sesquianas “santoangelenses”, sem elas a

história seria outra.

E por fim, ao meu irmão Dudu que pelos mistérios da vida segue

outros caminhos.

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O que é mais importante na vida? Agradecer. Escrever esse momento é

muito especial, parecia que nunca chegaria, mas chegou!

Agradeço a Deus pela oportunidade de estar aqui nesse plano, e desfrutar

de algo que muitos educadores desejam, mas não conseguem, o mestrado.

Ao Francisco, pelo amor, companherismo, paciência, escuta e por abrir mão

de muitas coisas para tornar esse sonho realidade.

Aos meus amores, pai e mãe por em outras dimensões me aceitarem como

filha, e me ensinarem a prosseguir sempre.

Minhas irmãs Ângela e Candida, pela compreensão, escuta e por assumir o

meu papel muitas vezes.

À minha orientadora Noeli, pela sensibilidade, humanidade e pela

sabedoria que tem, me ensinou através de muitas perguntas a ver o cotidiano da

escola de outra maneira e também por me permitir escrever do meu jeito.

À Anna Paula, Cinthia, Gilvânia, Queila, Silvana, por serem muitas vezes o

adulto mais experiente, me provocando e me ajudando a crescer.

À Larisa e Loide por serem as pontes a outras perspectivas.

Ao meu “chefe” Luciano por me permitir as muitas ausências e acreditar no

meu trabalho.

A todos os mestres que tive ao longo de toda a minha trajetória de “aluna”,

nobres, mesmo que com muitas roupagens.

Às minhas colegas do mestrado, Sandra e Flávia, que não me deixaram

abandonar o barco nos momentos difíceis que vivi, boas ouvintes sempre.

Aos membros da banca, pela sabedoria de ensinar-me outras

possibilidades.

(7)

Esta pesquisa investigou sobre o cotidiano de uma Escola de Turno Integral. A pesquisa foi de natureza qualitativa, realizada em uma Escola de Educação Infantil de tempo integral numa Unidade Operacional do SESC. A narrativa foi utilizada como elemento central para compor os capítulos da dissertação, ao mesmo tempo em que foram entrevistadas professoras e estagiárias, também nesse cotidiano utilizou-se filmagens e fotografias, observações, ações conjuntas e o diário de campo. A coleta de dados foi realizada no ano de 2011 e, entre os meses de fevereiro e maio de 2012. As imagens também têm presença marcante nessa dissertação, sejam fotografias ou as charges do autor Tonucci. Utilizaram-se dois métodos de pesquisa: a pesquisa-ação e a pesquisa com o cotidiano. A pesquisa permitiu entender que a mudança se dá nas pequenas coisas, no chão da escola, que leva tempo e que não são fáceis, mas sim urgentes e necessárias. Além disso, a dissertação provocou também outros movimentos na rede, pois a realidade da escola de Educação Infantil de tempo integral acontece em todas as quinze escolas do SESC no Estado do Rio Grande do Sul. Uma provocação aos colegas para pensarem sobre esse tempo de permanência das crianças na escola quer sejam nas nossas reuniões, nos encontros entre os pares, espaços de reflexões, no encontro do vivido com o desejado buscando cotidianamente viver, pensar, propor, planejar uma outra escola, uma escola infantil possível, necessária e urgente. Uma escola que estamos construindo, que buscamos como nos diz Gandini (1999, p.83) “encontrar inspiração a partir das coisas que fazemos”, construindo nossas teorias nos diálogos conosco mesmo, com autores, com as crianças e com as famílias. Uma escola que me respeita, que me oportuniza ser quem eu sou, que me faz feliz, que me modifica, que me valoriza, que me faz crescer, que me escuta, que me acolhe, que me faz rir e que me faz desejar voltar ou quem sabe não sair. Enfim, pensar, propor, viver uma escola de outro jeito, uma “escola da infância” (BARBOSA, 2009), um dos princípios da escola pesquisada, “a escola da infância é o lugar no qual se promove a convivência em grupo, a partilha, o respeito ao outro, o acolhimento e a celebração da diversidade” (SESC, 2012). Um desafio cotidiano, fazer as palavras acontecerem, romper com a tão famosa frase “só no papel”, transformar em práticas o que temos no papel, ou mesmo o que temos pensado, escrito, pesquisado, documentado. É vivendo que nos permitimos a ousar, a entender as “importâncias” para as crianças, para essa escola, para esse tempo. Construir uma escola de tempo integral com “as roupas do domingo, todos os dias” (FARIA, 2007) é o desafio, é o que se busca, é o que se quer. E assim fazer dela o que propõe Kohan (2004, pb.66-67), “um espaço de experiências, acontecimentos inesperados e imprevisíveis, mundo do devir e não apenas da história, tempo de aión e não somente do chrónos. (...) E um novo início para a educação”.

Palavras-chave: Infância; Educação Infantil; Cotidiano; Escola de Tempo Integral.

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ABSTRACT

This research investigated about the daily life of a Full-time school. The research was qualitative in nature, performed in a school of early childhood education full-time in an operational unit of the SESC. The narrative was used as a central element to compose the chapters of the dissertation, at the same time they were interviewed teachers and trainees, also that everyday we used footage and photographs, observations, joint actions and the field journal. Data collection was completed in the year of 2011 and, between the months of February and may of 2012. The images also have a strong presence in this dissertation, whether photos or the cartoons of author Tonucci. Utilizaram-if two search methods: action research and research with the everyday. The survey allowed to understand that change happens in small things, on the floor of the school, which takes time and that are not easy, but necessary and urgent. In addition, the dissertation also caused other movements on the network, because the reality of children's education school full time happens in all fifteen SESC schools in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. A provocation to colleagues to think about that time of permanence of children in school either in our meetings, in meetings between the pair, reflections, in the meeting of lived with the desired seeking daily live, think, propose, plan another school, a school for children possible, necessary and urgent. A school that we are building, we seek as Gandini tells us (1999, p. 83) "find inspiration from the things we do," building our theories in the dialogues with us even, with authors, with children and families. A school that respect me, who backed me be who I am, that makes me happy, I modify, which I appreciate, that makes me grow, that listens to me, which welcomes me, that makes me laugh and that makes me want to come back or maybe not exit. Anyway, thinking, propose, live a school in another way, a "School of childhood" (BARBOSA, 2009), one of the principles of the school search, "the school of childhood is the place in which promotes coexistence in a group, sharing, respect for the other, the reception and celebration of diversity” (SESC, 2012). A daily challenge, make the words happen, breaking with the famous phrase" only on paper ", turn into practice what we have on paper, or even what we have thougth, written, researched, documented. Is living that we allow ourselves to dare, to understand the "charges" for children to this school, for this time. Build a full-time school with "Sunday clothes, everyday" (FARIA, 2007) is the challenge, is what is sought, is what you want. And so make of it what proposes Kohan (2004, pb. 66-67), "a space of experience, unexpected events and unpredictable, the world of duty and not just of history, time of Chronus and not only chrónos. (...) And a new beginning for education ".

Keywords: children; Early Childhood Education; Daily Life; Full-time school.

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SUMÁRIO Dedicatória 4 Agradecimentos 5 Resumo 6 Lista de figuras 8 1 Coisário... 11

2 Longe das obras verdes... 18

2.1 Escolhas metodológicas... 19

2.2 Contextos da pesquisa... 24

2.3 Os sujeitos da pesquisa... 26

2.4 O desafio de ser pesquisadora no cotidiano que estava imersa... 27

3 Enxadas às costas... 28

3.1 Quem nunca viveu não sabe como é, só vai saber isso vivendo... 34 4 Duzentas maneiras de pensar o cotidiano... 44

4.1 Tudo o que eu não invento é falso... 51

4.2 Em busca de uma rotina não rotineira... 58

4.3 Desenhando as oficinas... 64

4.4 Os começares... 66

4.5 Fico um tempão pensando, pensando e não vem as ideias... 68

4.6 Quantas vezes o espaço passou por mim... 70

4.7 Aparelhando-se nas intensidades do tempo... 86

5 Os tempos negados ou invisibilizados ... 94

5.1 O refeitório vai mudar quando escutarmos as crianças... 94

5.2 A gente passa o dia inteiro assim, né, apressando eles... 109

5.3 Eu não quero dormir hoje!... 125

6 Últimas impressões de Juliana... 135

Quanta árvore! Referências consultadas... 139

APÊNDICE 145

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Criança brincando de meleca 46

Figura 2: Visita a casa de uma criança da turma D 56

Figura 3: Visita a casa de uma criança da turma B 56

Figura 4: Mãos segurando um brinquedo 70

Figura 5: Professora e duas crianças 70

Figura 6: Crianças e professora brincando no espaço da praia 70

Figura 7: Olhares infantis 70

Figura 8: Menino brincando de fazer comida 79

Figura 9: Crianças brincando no espaço do churrasco 79

Figura 10: Menina de costa 82

Figura 11: Duas meninas no barco 82

Figura 12: Menino olhando para baixo 82

Figura 13: Mão no remo 82

Figura 14: Crianças brincando no barco no pátio da escola 82 Figura 15: Contemplando a caixa temática dos fantoches 84 Figura 16: Apresentando a caixa temática dos fantoches 84

Figura 17: Meninos pilotando o avião 85

Figura 18: Meninos brincando de abastecimento 86

Figura 19: Menino abastecendo o avião 86

Figura 20: Os perigos do turno integral na escola 88

Figura 21: Os perigos de um turno integral pleno na escola 89

Figura 22: Doze horas na creche 90

Figura 23: Momento do sono 91

Figura 24: Crianças lanchando 91

Figura 25: Crianças escovando os dentes 92

Figura 26: Crianças melecando 92

Figura 27: Crianças barulhando em frente ao espelho 92

Figura 28: Oficina de culinária 92

Figura 29: Reflexões em casa 97

Figura 30: Creche: hora de comer 98

(11)

Figura 32: Encontros 103

Figura 33: Aprendizagens 103

Figura 34: Amigas no refeitório 103

Figura 35: Servindo-se de suco 103

Figura 36: Rompendo com o instituído 103

Figura 37: Modelagem de argila 1 109

Figura 38: Modelagem de argila 2 110

Figura 39: Modelagem de argila 3 110

Figura 40: Espaço de sono desorganizado 115

Figura 41: Cama 115

Figura 42: Descaso do espaço do sono 115

Figura 43: Crianças dormindo 118

Figura 44: Menino colocando a fronha 121

Figura 45: Menina colocando o lençol 121

Figura 46: Estagiária fazendo um menino dormir 121

Figura 47: Menina lendo deitada 123

Figura 48: Meninos conversando nos colchões 123

Figura 49: Contação de história no sono 124

Figura 50: Menino ouvindo história deitado 124

Figura 51: Mão na orelha do amigo para dormir 124

Figura 52: Mão na orelha do primo para dormir 124

Figura 53: Relações no momento do sono 124

Figura 54: Disponibilidade do adulto para com a criança 124

Figura 55 O olhar 124

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1. Coisário1

- Vamos! (...) Escreva bem no alto do papel: Memórias da Marquesa de Rabicó. Em letras bem graúdas.

Visconde escreveu: MEMÓRIAS DA MARQUESA DE RABICÓ.

- Agora escreva: Capítulo Primeiro.

O Visconde escreveu e ficou à espera do resto. Emília, de testinha franzida, não sabia como começar. Isso de começar não é fácil. Muito mais simples é acabar. Pinga-se um ponto final e pronto; ou então escreve-se um latinzinho: FINIS. Mas começar é terrível. Emília pensou, pensou, e por fim disse:

- Bote um ponto; ou, antes, bote vários pontos de interrogação. Bote seis...

O Visconde abriu a boca.

- Vamos, Visconde. Bote aí seis pontos de interrogação – insistiu a boneca.

Não vê que estou indecisa, interrogando-me a mim mesma?

E foi assim que as “Memórias da Marquesa de Rabicó” principiaram de um modo absolutamente imprevisto: Capítulo Primeiro ? ? ? ? ? ? ?

Monteiro Lobato

O começo da escrita é isso mesmo, muito difícil, ensaiamos muitas vezes para que então a página em branco se modifique em muitas relações. Escrevemos um pouco do que sabemos, do que nos inquieta, nos interroga, nos mobiliza, enfim um pouco de nós. A escolha por iniciar com a Emília se dá no encontro com o que habita em mim, uma personagem muito presente na minha infância, e, é nesse encontro das minhas experiências da infância com as muitas infâncias que, cotidianamente, me deparo na escola que emerge essa temática.

Da minha escola infantil lembro, com carinho, da professora, dos meus materiais organizados pela minha mãe, dos amigos e da satisfação em fazer as “atividades”. Às vezes, achava um jeito de burlar as regras quando tinha que preencher com bolas de papel crepom, por exemplo, a bandeira do Brasil. Aprendi depois de realizar repetidas vezes a mesma atividade, que se eu fizesse bolas de tamanhos maiores, terminava mais rápido o “trabalhinho”. Às

1

O título Coisário foi inspirado no termo utilizado por Gaston Bachelard (1988, p. 160) para definir que temos muitas reservas que nos constituem em nosso coisário, segundo ele, “nosso coisário nos é precioso, oniricamente precioso, pois nos oferece os benefícios dos devaneios ligados".

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vezes não dava muito certo, pois à professora já sinalizava e tinha que fazer tudo novamente, queria acabar logo com aquela proposta, mas era apenas uma “aluna” e a mim não cabia argumentar ou opinar a respeito do planejamento.

Fiz a pré-escola na Escola Estadual Otávio Bós, a minha sala ficava logo na entrada da escola, uma sala com cara de Ensino Fundamental adaptada para a Educação Infantil. As mesas e as cadeiras eram um pouco menores e assim como nas outras turmas, ocupavam um espaço nobre na sala de aula, porém eram organizadas em grupos. A parede do fundo da sala tinha um painel que preenchia a maior parte do espaço, pintado com tinta óleo com a temática de ursos.

Lembro da caixa onde guardava materiais com o nome escrito com letras maiúsculas identificando os meus pertences, das brincadeiras na grama, e do dentista que aplicava flúor. Nessa época, para não dizer que ainda encontramos essa concepção, o papel da Educação Infantil era preparar para a primeira série, então passávamos os dias a fazer muitos trabalhinhos, pintar desenhos mimeografados, pontilhar, alinhavar, preencher linhas, contornar. Pintar com canetinhas era impossível, elas serviam somente para contornar os desenhos e as linhas, assim a caixa de trabalhos ia crescendo. Também vivíamos algumas propostas no caderno com linha, copiando algumas coisas do quadro negro, precisávamos treinar essa habilidade. As brincadeiras restringiam-se ao pátio, e após o lanche lembro-me de mudarmos as mesas de lugar e a viver paralelamente outras propostas.

No ingresso no magistério, um período marcado por muita rebeldia, resistência ao instituído. Mais uma vez na condição de aluna precisava executar, agora com um diferencial, a avaliação como centro do processo de silenciamento. Aparecendo em cena nesse período, a nota, como resultado da avaliação e logo como controle dos corpos e das vozes de um dos atores do processo, os alunos. O desejo de viver uma escola diferente era o que me movia e como consequência muitas visitas à sala da coordenação do curso com o objetivo de me mobilizar a pensar se era mesmo o magistério que eu queria cursar.

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Depois das disciplinas concluídas, chegava hora de viver o tão esperado estágio da docência. Iniciando minha experiência como professora numa turma de primeira série, não foi uma experiência da qual tenho muitas lembranças positivas, foi um tempo muito difícil e por que não dizer, sem saber o que e como fazer, além do sentimento de solidão frente a esse momento tão importante para mim e para aquelas crianças. Nesse momento que escrevo, fico a refletir que “formação” é essa, fiquei três anos nos bancos escolares, quando me deparei com a escola e as crianças, surgiram muitas incertezas e não saberes. A insegurança se dá, acredito que pela fragmentação do conhecimento sem relação com a prática.

Nos primeiros planejamentos tudo ocorreu de forma tranquila, os dias passavam e a complexa tarefa de ser alfabetizadora e saber por onde continuar vem à tona. A escolha pela primeira série se deu na convicção, mesmo sob minhas bases teóricas possíveis no momento, que existia outra forma de ensinar a ler e a escrever. No entanto, acabei, muitas vezes, não sabendo para que lado ir, sem diálogos, reflexões, acompanhamentos de “parceiros mais experientes”, (HORN, 2004) que também compactuassem com essa perspectiva. Acabei meu estágio com o sentimento de frustração do pouco que fiz pelas crianças, de não ter tido forças de provar que existiam outros jeitos, mais desafiadores, mais críticos e mais humanos de alfabetizar uma criança.

Com o sentimento de incompetência, fui buscar na Pedagogia as respostas aos muitos questionamentos e os porquês que emergiram nesse espaço-tempo de ser professora alfabetizadora. Encontro nas palavras de Kinney e Wharton (2009, p.29) o conceito de educadora que está sempre em movimento:

um professor (educador) que seja às vezes o diretor, às vezes o cenógrafo, às vezes o homem que sobe e desce a cortina, e às vezes o “ponto” (...) que dispensa a maquiagem e é até mesmo o público – o público que assiste, às vezes aplaude, às vezes permanece em silêncio, tomado pela emoção.

Cursei a Pedagogia na UNIJUÍ, escola que me mostrou muitas possibilidades, leituras, escritas, a práxis da ação-reflexão e ação, a pesquisa e a constante (re)construção de conceitos. Viajei por outros mares, ora

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turbulentos, ora de calmaria. Nesse mesmo período, recebi o convite para trabalhar numa escola particular, inicialmente com o jardim nível B, e dois anos depois com a primeira série, por três anos. Lembro de ter recebido da coordenadora, livros didáticos, diários da professora, matrizes prontas como referência para o trabalho e a qual deveria ser seguido. Tive medo de fracassar novamente ou, por outro lado, repetir práticas que, até então, eu condenava e criticava no magistério. O que era certo e o que era errado afinal? Os dias passavam, algumas respostas começavam a ser construídas, me sentia muito feliz e realizada com o que estava fazendo. As aprendizagens das crianças, as falas dos pais eram como um combustível diário para buscar sempre mais, ler, refletir e atingir o meu objetivo, comprovar que existem outras maneiras de aprender a ler e é claro de ensinar.

Em 2005, inicio outro momento da minha vida profissional, desafio e aprendizado são duas palavras que descrevem o que eu vivi e, atualmente, me deparo, cotidianamente, na Escola de Educação Infantil do SESC – Sesquinho como supervisora2 pedagógica. Conheci inúmeras pessoas que são muito especiais e que me proporcionaram o que propõem Alves e Dimenstain “ter olho novo para ver as coisas velhas de maneira diferente”(2003, p. 107).

Tive que desconstruir muitas certezas, me deparando com a urgente e necessária leitura. Nessa trajetória conheci pares, colegas, professores que, assim como eu buscam constantemente respostas e construir mais perguntas, incansáveis alunos.

Ao conhecer essas pessoas, o entendimento de que precisamos do outro para dialogar, questionar, para buscar soluções, ver o que com nossos olhos não conseguem ver, através da relação com as outras coordenadoras e também da relação com o grupo que trabalho diariamente e é claro com as crianças que fui me constituindo coordenadora. Escrevendo, me reporto a tantas vezes que as professoras faziam perguntas querendo ouvir as respostas partindo da perspectiva do certo ou errado, queriam que eu indicasse

2

Supervisora pedagógica é a nomenclatura utilizada pela instituição pesquisada para referir-se ao cargo de coordenadora pedagógica. Mas ao longo do texto essa nomenclatura será substituída por coordenadora pedagógica devido a mesma estar carregada de sentidos que não dialogam com as concepções dessa dissertação.

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caminhos, o que muitas vezes eu fiz, acabava que o planejamento e os projetos tinham a minha cara e não a das professoras.

Hoje, vejo a minha atuação bem diferente, problematizo, sinalizo a reflexão para os grupos de estudo que criamos ao longo do processo, por perceber a necessidade desses encontros sistemáticos.

Os anos passam, e em 2007 a escola que funcionava somente no turno da tarde começa a funcionar como uma escola de tempo integral, surgindo então muitos questionamentos: as práticas pedagógicas que estão sendo vividas e construídas na escola de tempo integral respeitam as infâncias? Quem pensa o tempo o qual nomeio de negado e ou invisibilizado (tratarei mais desse assunto no capítulo 4), que acontece entre as 12:00 até às 13:30? Somente as crianças vivem esse tempo? Ou então, deveríamos dizer: turno da manhã, turno do meio dia e turno da tarde? São questões que me acompanharam e me levaram a problematizar o tema da dissertação a fim de investigar: Quais os limites e as potencialidades da educação integral na Educação Infantil do SESC?

Em 2010, era hora de trilhar outros caminhos, fui buscar no mestrado construir algumas respostas a essas perguntas, dialogar com outros referenciais e o que era inevitável nesse processo, elaborar mais perguntas.

O mestrado proporcionou muitos estranhamentos com as minhas práticas, ao mesmo tempo o entendimento de outras tantas. Os encontros em outras disciplinas, com os colegas que vinham de outras áreas do conhecimento, enriqueciam nossas discussões, outras perspectivas, mas que se complementavam fazendo com que mudássemos, dia após dia, nossa maneira de ver o mundo, as relações e o conhecimento.

Nesse momento que escrevo percebo, claramente, que escrever é preciso, e nada como terminar as minhas memórias me referindo ao Mário Osório Marques, quando me desafia a pensar, e agora, acreditar que escrever é uma “provocação ao pensar, como o suave deslizar da reflexão, como busca do aprender, princípio da investigação” (MARQUES, 2003, p. 26). Perceber o quanto tudo isso me constituiu e por isso guardo-as em meu coisário, bem como entender que as minhas temáticas, emergiam das minhas experiências cotidianas.

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Diante de investigar a escola escolhida com isso o inevitável, me contar, dar visibilidade a um processo que vem sendo costurado a muitas mãos e já há um bom tempo, um processo implicado, desejado e por que não dizer apaixonado. Merecedor de outros lugares, agora na academia. Como fazer toda a dimensão, que é viver essa escola, tomar “corpo” numa escrita dissertativa? Deixando claro para o leitor todo o percurso, as intencionalidades que encontrará a cada página lida e virada, para isso acontecer marquei muitos encontros. Alguns longos, doloridos, necessários e urgentes, outros intensos e sensíveis.

Com isso, confesso que receosa um pouco, pois acredito que a minha escrita não se identifica com os padrões da academia, aconteceria um embate, constante, se tivesse escolhido esse caminho, as palavras não teriam força para dialogar com o cotidiano, não contariam. Então, o leitor encontrará palavras que falem dessa dinâmica presente em todos os encontros assumidos, entre cognição, memória e invenção (PÉREZ e ALVES, s. a.).

Ao me contar, fui construindo teorias, jeitos de compartilhar que me identificassem, é por isso que escolhi a personagem Emília para começar. Encontrarão assim, nas páginas dos meus escritos Emilies ou porque não Julianes (BARROS, 2003), um convite para que as linguagens, que tanto falamos, possam, também, aparecer na academia como um saber, sim, sensível, e profundo.

Nesses encontros que estabeleci, foi preciso escolher, o que melhor se aproximaria com todas as coisas que venho pensando, que antes não pensava e amanhã, provavelmente, estarão diferentes. Movimento inacabado, inseparável e que, infelizmente, tive que separá-los.

Foi preciso organizar de uma forma separada a trajetória construída ao longo da pesquisa, ao mesmo tempo em que acredito que não aconteceu em nenhum momento essa separação, as coisas se interligavam. Sob essa ótica, apresento a dissertação em seis capítulos, onde procuro formular questões a fim de compartilhar a minha trajetória como pesquisadora.

No capítulo, “Longe das obras verdes”, descrevo a proposta de investigação, as escolhas metodológicas, o contexto da pesquisa e os sujeitos, e ainda, o desafio de pesquisar no espaço em que estamos inseridos.

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Já, no capítulo, “Enxadas às costas”, apresento alguns desafios e encantamentos de uma escola de tempo integral, bem como os conceitos de escola, professora, criança e infâncias que permeiam todo o trabalho através de autores e dados empíricos.

No capítulo, “Duzentas maneiras de pensar o cotidiano”, trago o conceito de cotidiano, espaço, tempo, trajetória da implantação do turno integral e algumas práticas vividas pela instituição pesquisada.

No capítulo, “Os tempos negados ou invisibilizados”, trago as práticas que estão sendo vividas, construídas e pensadas no espaço-tempo do: refeitório, sono e descanso.

No último capítulo, “Últimas impressões de Juliana”, descrevo as considerações sobre a escola de Educação Infantil de tempo integral pautada no respeito às infâncias que ali habitam.

E por fim, ao invés de utilizar o título “Referências” substitui por uma fala do meu filho ao me ver imersa em livros e artigos, e exclamar: “Mamãe, quanta árvore!” Ele não deixava de ter razão.

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2 Longe das obras verdes3

Entendi que obras verdes seriam aquelas feitas no dia. Daí que também a vó me ensinou a não desprezar as coisas desprezíveis

E nem os seres desprezados. Manoel de Barros A escrita da dissertação parte da perspectiva de visibilizar um processo vivenciado por professoras e estagiárias e guiado por mim como coordenadora da escola, na (re)construção das muitas possibilidades, refletindo sobre os fazeres cotidianos. Por isso, a escolha do título deste capítulo, um processo que acontece muito longe das obras verdes, há um bom tempo. Não tenho a intenção de fazer denúncias, de trabalhar na ideia da falta ou de apontar erros. Busco através desta dissertação, construir, potencializar as práticas, agregar valor às pessoas que fazem essa escola, aos colegas da rede e a tantas educadoras que buscarão, através das minhas palavras, as reflexões e os entendimentos sobre seus fazeres na escola de tempo integral.

Uma escrita construída a muitas mãos, as educadoras que se fizeram presentes no momento da pesquisa e outras tantas que compartilharam comigo alguns momentos da minha trajetória e por diversos motivos, hoje, não conjugam da mesma caminhada, destaco que tais marcas estão presentes sim nos meus escritos, na convicção de algumas certezas ou nas muitas incertezas. Faço minha, a perspectiva de Ferraço (2007, p. 81) “sou todos aqueles que ali estão e também aqueles que já não estão”.

Diante do exposto, ressalto que envolvida no contexto da pesquisa, muitas perguntas se faziam presentes nos momentos iniciais das leituras e da escrita: como pesquisar num espaço-tempo com que tenho muita intimidade? Como fazer o estranhamento necessário a uma escrita dissertativa? Quais os procedimentos metodológicos que poderiam ser utilizados? Como eleger entre tantos momentos vividos os que seriam contemplados ou não na escrita da dissertação? Concordo com Pérez e Alves (s.a.) quando elas dizem que:

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“O combustível que move a investigação é o desejo de buscar junto com professora e crianças outros princípios organizadores do trabalho pedagógico assumindo a tarefa no lugar do dever; assim a fragmentação é substituída pela invenção; a classificação e a subalternização de sujeitos e saberes é substituída pela escuta sensível (p.6).” Então, ao viver essa escola fui percebendo quais eram as nossas marcas, o que nos diferenciava das demais escolas da rede. Essas marcas formam as estacas iniciais para compor todas as páginas que seguem. Já a cada orientação o leque se abria, pois o campo investigado estava sempre em movimento, fato que em alguns momentos dificultava um pouco o meu entendimento quanto ao foco, a pergunta e o objetivo da dissertação. Assim, ao narrar a nossa história, entendo que tudo começou a se delinear e a tomar “corpo”, aos poucos fui percebendo o quão rico são as relações, construções, necessidades nesse contexto, em que eu estava imersa, tudo se fazia presente nas letras e imagens por mim eleitas.

Portanto, com esta pesquisa pretendi refletir sobre algumas práticas pedagógicas no cotidiano de uma escola infantil de tempo integral. Quais os limites e as potencialidades? Socializando as práticas que para mim são marcantes e, é claro, me tocam a ponto de elegê-las como importantes, potentes, bem como por entender que tais práticas constituem-se momentos que distinguem uma oferta de Educação Infantil integral da não integral, como por exemplo: o momento do almoço, do descanso e do sono, tendo dois protagonistas as crianças e os adultos (professoras e estagiárias).

2.1 Escolhas metodológicas

Diante da riqueza do cotidiano da escola de Educação Infantil, como não investigá-lo? Sendo assim, utilizei dois métodos de pesquisa: a pesquisa-ação e a pesquisa com o cotidiano.

Encontro na pesquisa-ação dois motivos a ponto de elegê-la: o melhor método que me auxiliará para responder o problema da pesquisa e o segundo que traz alguns conceitos, reflexões que enquanto professora, mulher, cidadã e, agora me exercitando como pesquisadora, acredito ser potente em qualquer

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construção de conhecimento. Algumas palavras me tocam ao ler Barbier (2007), trata-se da necessária escuta sensível, como eixo norteador de todos os momentos, entre o registro dos dados e a análise dos mesmos, o trabalho com os outros, a ligação do pensamento e da ação, a participação coletiva e a mudança. Nesse sentido, para o autor, “o espírito mesmo da pesquisa-ação consiste em uma abordagem em espiral, significa que todo avanço em pesquisa-ação implica o efeito recursivo em função de uma reflexão permanente sobre a ação” (p. 117).

Na pesquisa com o cotidiano destaco Certeau (1996), Nunes (2006), Ferraço (2007), Alves (2004, 2009, 2010), Barbosa (2009), estabelecendo a ponte para os entendimentos, os percursos, as reflexões, os estranhamentos, na tentativa de responder ao problema de pesquisa: Quais os limites e as potencialidades da educação integral na Educação Infantil do SESC?

E assim, concordo com Alves (2010) quando ela argumenta a necessidade de estudar o cotidiano, respaldando, então, a relevância dessa investigação pois,

nos tantos cotidianos em que vivemos, formamos redes de conhecimentos e significações e é dentro delas que criamos novas formas de compreender e agir no mundo. Com isso, entendemos que estudá-las é uma necessidade – para conhecer nossos problemas e criar modos de superá-los. (p. 6)

Quais as estratégias que estamos construindo para conhecer nossos problemas em busca de superação? Compactuando a essa ideia, Ferraço (2007, p.92) diz:

os sujeitos cotidianos, a cada dia, inventam-se e, ao se inventarem, inventam a escola. Por isso, não há repetição, não há mesmice. A rotina é algo que se realiza a cada dia de forma diferente e que se expressa nas tentativas de enfrentamentos das questões que se colocam nas escolas. A cada dia, há outras questões e outros enfrentamentos, com a marca da humildade dos praticantes, ao assumirem que não podem e não conseguem controlar tudo e todos ao mesmo tempo, cientes de que a lógica determinista e causal não lhes possibilita uma ação que rompa com as estruturas que aprisionam a vida na escola.

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Não há como engessar o cotidiano trazendo-o para nossas pesquisas a partir de concepções metodológicas que aparentemente nos trariam a falsa ideia de compreendê-lo, o que ao contrário se esvaziaria de sentido, pois como não há uma única lógica que embasa as escolhas, também não há uma única lógica para compreendê-lo, continuando com o autor:

Pelo contrário, nas saídas inventadas, diante dos impasses vividos, os sujeitos cotidianos das escolas sabem que são muitas e diferentes as inseguranças, os desafios, as dúvidas, os caminhos e atalhos a serem trilhados. Isso porque não há uma única lógica que rege esses processos, mas há diferentes possibilidades de lógicas

Outra ideia que nos parece fundamental nas pesquisas com o cotidiano, tem a ver com a dimensão “do lugar”, “do habitado”, “do praticado”, “do vivido”, “do usado” (FERRAÇO, 2007, p.81). Com isso, utilizei a narrativa como elemento central para compor todos os capítulos da dissertação, ao mesmo tempo em que entrevistei as professoras e estagiárias, estando imersa nesse cotidiano também realizei filmagens e fotografias, observações, ações conjuntas e o diário de campo feito por mim. Também foi possível utilizar, com o devido consentimento das professoras, suas fotografias e registros diários. A coleta de dados foi realizada no ano de 2011 e nos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2012.

As imagens também têm presença marcante nessa dissertação, sejam fotografias feitas por mim ou o acervo fotográfico da escola e das professoras no ano de 2011 e 2012, bem como charges do autor Tonucci de anos diversos, 1974, 1975, 1981 e 1984, encontradas nos livros “Com olhos de criança” e “Frato 40 anos com olhos de criança”.

A escolha de algumas charges de Tonucci vem ao encontro da mesma justificativa que escolhi para a personagem Emília, há algo que habita em mim, que me inquieta, desse modo seus traços me fazem perguntas mesmo não estando presente. Além, de ser explicitada a sensibilidade de tocar profundamente nas práticas opressoras que as crianças vivem ainda 38 anos depois das charges serem criadas, como diz Malaguzzi referindo-se ao Tonucci

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na apresentação do mais recente livro, já citado anteriormente “um militante da provocação infatigável”.

Para mim, as charges ganham forma de um potente texto, parece que mesmo estando acabado por Tonucci ela não é acabada, atrás dela tem uma imensidão de desejos, de urgências, de revolta. Um desenho que me faz agir igual quando me deparo com a placa de trânsito PARE. É isso mesmo, PARE: de fazer, de negar que eu existo, de fingir que não acontece. Reescrevendo algumas estrofes do poema de Gianni Rodari “O homem da orelha verde”, acredito que Tonucci tem um olho verde, “é um olho-criança que ajuda a compreender”.

Quanto à fotografia, é importante destacar que utilizei tanto na pesquisa, quanto no processo de formação em ação, por ela ser uma poderosa linguagem, que nos provoca a enxergar os estranhamentos, a sermos mais sensíveis aos maravilhamentos, às aprendizagens construídas e às que precisamos construir.

De acordo com Augusto (2009, p. 14) “na formação de professores é imprescindível que o propósito estimule a problematização para além do já sabido”. Desse modo, uma única imagem nos faz pensar em múltiplos elementos, possibilidades e necessidades, utilizar a fotografia como aliada na busca de melhoria, de espaços de reflexões, de desestabilizarmos as nossas certezas, verdades e práticas, partindo da pergunta: O que a fotografia te convoca a pensar? Foi, e, é a minha estratégia de começo de conversas, quando não sabia por onde começar, a fotografia sempre me dizia ou me provocava a pensar, a ver, abria os diálogos, me levava ao entendimento de como esse cotidiano estava sendo visto, vivido, entendido, pensado e contado pelas participantes da pesquisa.

Esta concepção foi aos poucos sendo assumida/entendida/significada, de início o lugar que a fotografia ocupava na escola e na minha prática era simplesmente para comprovar nossas ações e nossos percursos. Aos poucos essa perspectiva foi se esvaziando de sentido e, hoje, as fotografias são

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narrativas, estratégias de formação, compõe a documentação pedagógica4, as reflexões das professoras, a relação com a família enfim é parte da escola.

Muitas leituras ao ver uma fotografia, a imagem ali congelada, como uma cortina e, caberia a nós abri-la para enxergarmos o que tem atrás dela. Assim, Alves e Oliveira (2004, p. 20) nos fazem pensar que “as imagens mostram o que ali está, o que não está, o que poderia estar e o que seria bom se estivesse, o que veio antes e o que veio depois”.

E com isso a questão que nem sempre queremos abrir essa cortina, pois ela, às vezes, não é bem o que queríamos encontrar, mexe conosco, nos mobiliza, nos instiga, nos obriga a pensar e quem sabe, fazer diferente. Ela continua dizendo, refletindo, convocando e, por outro lado, ela também denuncia as nossas limitações teóricas, e, inevitavelmente, as subjetividades se fazem presentes, pois cada um faz as relações que consegue de acordo com as suas leituras, seus objetos de pesquisas. Segundo Souza (2012, p. 124), um dos perigos que corremos, é o olhar acostumado, que finge que vê, que não estranha, não se surpreende, acha tudo “normal”.

As fotografias narram, ao mesmo tempo um recorte e o congelamento da realidade e a provisoriedade do conhecimento, o que permite as continuidades na construção de saber. A cada leitura realizada temos a capacidade de sinalizar outras lacunas, uma abertura, novos caminhos, novas pesquisas, de buscar outras trajetórias, a fim de qualificar as práticas que acontecem nas escolas.

Dentre tantas fotografias que contam o cotidiano, elegi algumas, registradas a muitas mãos, por mim e pelas professoras, acreditando assim que “fixando a realidade, congelando o tempo e o espaço pela lente da máquina, permite-nos observar detalhamentos da vida na creche” (AGOSTINHO, 2003, p. 23). Por detrás da fotografia, muitos textos, muitos ditos e não ditos, muitas “verdades”. Minha intenção, no texto, foi trazê-la para auxiliar-me a dizer, pois as palavras por vezes me faltavam.

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Documentação pedagógica, baseada nas concepções de GHANDINI e GOLDHABER (2002), BARBOSA (s.a.), DAHLBERG, MOSS, PENCE (2003) a documentação apresenta as crianças através de registros fotográficos, relatos, filmagens, entre outras formas de registros, visando declarar o modo como elas são, através de uma observação aguçada e uma escuta atenta.

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Um convite a transportarmos ao momento registrado e que não volta mais, quer pela tamanha beleza, ou pelo estranhamento. Enfim o processo que se vive na escola e é impossível não compartilhar com o leitor essa caminhada, o que é o objetivo dessa dissertação.

Mas também, a clareza que muitas imagens não foram e não são captadas pelo “olho da máquina”, pois senão estaríamos ali sempre expectadores, ao contrário tem muitos momentos que estamos mergulhados, que não tem como parar e fotografar, mas sim viver, estar com as crianças. Para as crianças e adultos, desse contexto pesquisado, a máquina faz parte do cotidiano, ela é tão familiar que os enredos que se criam ao brincar com as máquinas fotografias nos remetem a sua função social.

A minha intencionalidade ao escolher tais estratégias se dá por acreditar que aprendemos através de outras linguagens e isso aos poucos, começa a aparecer também nas dissertações, teses, pesquisas e artigos. Ao mesmo tempo na tentativa de conseguir o mais próximo possível sensibilizar e provocar, quer seja com as minhas escritas, imagens das charges ou fotografias, o desejo e a urgência de pensar nas crianças, nos adultos e nas práticas que estão “confinadas” nas escolas de tempo integral, 200 dias letivos, de ano após ano.

2.2 Contexto da pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida em uma das Escolas de Educação Infantil do Serviço Social do Comércio SESC – Sesquinho, no interior do Estado do Rio Grande do Sul. A Escola funciona das 7:30 às 17:30, atende a todas as crianças em período integral, o que não acontece na rede pública municipal. Nessa rede, as crianças podem ficar em período integral até os três anos de idade, quando completam quatro anos já são matriculadas em período parcial, assim temos muita procura nessa faixa etária. Uma das principais diferenças entre nossa rede com as demais é que a escola está inserida numa Unidade Operacional5 do SESC, que além da Educação Infantil atende outros serviços,

5

Poderíamos definir Unidade Operacional como uma filial do SESC. Com essas características existem muitas distribuídas em alguns municípios do Brasil.

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tais como o turismo, maturidade ativa, odontologia, academia, ginástica e cultura.

Assim, podemos perceber o quanto esse contexto é rico em interações, diferentemente, de outras realidades que vivem só da escola. A essas crianças, professoras e estagiárias o espaço lhes convida a múltiplos encontros intergeracionais e com diversos públicos quer seja no SAC6, na odontologia, no turismo ou na academia. Pessoas diferentes que ao passar pelas crianças são tocados pelas suas perguntas, afirmações, teorias, explicações, histórias, sorrisos ou até lágrimas, pois Segundo Vaidergon citado por Pillotto e Mognol (2012, p. 3) “ler o espaço construído é identificar além dos elementos que compõem a edificação (nas escolas, salas de aula, pátio, banheiros, corredores, etc.), as relações dos usuários com o espaço”.

As crianças transformam esse espaço, querem com seus barulhos, cheiros, suas marcas pelos corredores, paredes e chão e, consequentemente, são por ele modificados, nada passa despercebido. Estabelecem relações com os outros barulhos, interagem com as pessoas conhecidas, cumprimentam ou se apresentam para as desconhecidas, param o que estão fazendo para dançar e cantar as músicas que ouvem da ginástica, ampliam suas relações com os adultos. E pelas suas presenças tornam os adultos diferentes, as crianças demarcam seus territórios, nos percebem sempre, nos colocam num outro lugar. Pensar a partir do que esse espaço tem a oferecer, possibilita transformar nossas práticas e interações, dialogar com outros mundos e gerações.

Ao todo, são dezoito funcionários, três terceirizados para os serviços gerais, um vigilante e dez estagiários de nível superior. A maior equipe é a da escola: uma supervisora pedagógica, três monitoras de educação infantil, sete estagiárias e três serviços gerais.

Na instituição pesquisada, a nomenclatura “monitora” refere-se ao cargo de professora, Fernandes (2011, p. 27) já discutiu sobre as nomenclaturas em sua dissertação, buscando em Narodowski o diálogo para sua compreensão:

6

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O termo monitoria aparece desde os primórdios dos discursos pedagógicos para com a infância, como nos aponta Narodowski (2001, p. 129). Segundo o autor a noção de monitor na pedagogia lancasteriana é apontada como um ajudante daquele que tem a mestria e a ele deve obediência. É em meados do século XIX que o método da monitoria se expande, pois trata-se de alargar cada vez mais o controle sobre os corpos infantis que encontra nesse método maior abrangência.

Ao mesmo tempo que as professoras7 têm essa nomenclatura, sua função não dialoga em nenhum momento com essa perspectiva acima citada. Trago no documento que orienta as práticas pedagógicas para a Educação Infantil do SESC- RS a definição institucional de quais são as funções da monitora, a fim de elucidar essa compreensão:

Orientam sua ação docente privilegiando a diferença e respeitando as diversas formas de se constituir crianças (...) prima pela participação destas no cotidiano da escola. Ocupa uma postura de investigador, pesquisador frente ao conhecimento (2012, p. 4).

A escolha pela unidade operacional desse município se deu por eu atuar como coordenadora pedagógica da escola, e por acreditar que a dissertação / pesquisa tem como objetivo principal contribuir com a melhoria do cotidiano de onde estamos inseridos, bem como de todos os atores envolvidos nela.

2.3 Os sujeitos da pesquisa

Teve como sujeitos da pesquisa todas as crianças que frequentam a escola, ao todo sessenta, duas professoras e cinco estagiárias que participaram no início da coleta de dados no ano de 201, três professoras e cinco estagiárias do último ano da coleta em 2012. A fim de manter a ética proposta por essa pesquisa, em manter sigilo quanto aos envolvidos na pesquisa, utilizarei as letras inicias para identificar e diferenciar os sujeitos além

do termo de consentimento livre e esclarecido.

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O termo professora será utilizado quando nos referirmos às monitoras formadas em Pedagogia. Já o termo estagiária não sofrerá alterações.

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2.4 O desafio de ser pesquisadora no cotidiano que estava imersa.

Manter o distanciamento entre pesquisadora e sujeito da pesquisa, não foi nada fácil e, às vezes, quase impossível. No momento da coleta, estando imersa no cotidiano, separar o lugar ocupado por mim como coordenadora pedagógica era um grande desafio, mas que se fez necessário, principalmente, no momento da análise dos dados coletados, para enfim, construir a escrita da pesquisa. Refletindo sobre a importância do estranhamento Da Matta citado por Tura (2003, p. 197) nos diz que estranhar é a capacidade de se surpreender com o que parece corriqueiro, entendendo que ao olhar esse cotidiano a partir dessa perspectiva exige-nos vê-lo de forma ampliada. Complementando essa ideia, Barbier (2007), nos traz a diversidade de papeis e momentos que o pesquisador viverá a partir dessa abordagem:

O pesquisador desempenha, então, seu papel profissional numa dialética que articula constantemente a implicação e o distanciamento, a afetividade e a racionalidade, o simbólico e o imaginário, a mediação e o desafio, a autoformação e a heteroformação, a ciência e a arte (p.18).

Por outro lado, a complexidade e a diversidade do cotidiano, se fazia presente, e o campo a cada dia se mostrava diferente, ao mesmo tempo que a intimidade me proporcionava muitos elementos, o distanciamento era imprescindível para refletir sob outro ponto de vista. Foi entre esse movimento de intimidade com os sujeitos, que, de certa forma, também construíram essa dissertação, e o distanciamento necessário no momento de narrar, refletir e interpretar nossas práticas que marcaram a minha caminhada de pesquisadora. Assim Ferraço (2007, p. 80) me ajudou a compreender que ao realizar a pesquisa com o cotidiano, “estamos sempre em busca de nós mesmos, de nossas histórias de vida, de nossos “lugares”, tanto como alunos que fomos quanto como professores que somos”, e ao final percebemos que os sujeitos se tornam protagonistas e autores de nossas pesquisas.

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3 Enxadas às costas8

Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.

Manoel de Barros

Muitos desafios são vividos cotidianamente, na escola de tempo integral, tanto pelas crianças quanto pelos os adultos. A fim de compreender quais são para as professoras e estagiárias esses desafios, entrevistei-as9. Essa que aconteceu em dois momentos, devido o grupo não ter se mantido o mesmo ao longo da pesquisa. O primeiro se deu no ano de 2011 e o segundo no ano de 2012 ambos mantendo as mesmas perguntas. Nas falas que seguem, iremos nos deparar com os desafios elencados pelo grupo, ampliando nossos olhares, diante de muitas facetas presentes nesse espaço-tempo. Para a P110 (2011-2012) o tempo é um dos principais desafios por ela encontrado:

É muito tempo, eles passam a maior parte da vida deles dentro da escola, na verdade 8 às 10 horas é muito tempo para uma criança de 2 anos. Claro que a gente sabe que os pais precisam trabalhar, precisam da escola, desse tempo integral. Com isso temos uma responsabilidade muito grande, porque na verdade não são as primeiras experiências de tinta ou contato com letras são outras coisas que eles têm dentro da escola: a questão dos limites, comer, do como dormir, cuidar bem do colega, do amigo. Na verdade, têm outras coisas que entram, que torna a escola muito mais responsável, a escola muito mais complexa, as crianças passam muito tempo dentro da escola e com os pais muito pouco tempo.

8

O título Enxadas às costas foi inspirado no poema “Achadouros” de Manoel de Barros.

9

Durante as entrevistas, formações que realizamos no período inicial da coleta em 2011, utilizarei a palavra “turno integral”, como compreendia essa concepção na época, assim para ser fiel a transcrição irei manter ao longo da dissertação a mesma palavra, mesmo hoje tendo clareza que não se remete ao mesmo conceito. As entrevistas foram realizadas no ano de 2011 com uma professora e cinco estagiárias e no ano de 2012 com três professoras e cinco estagiárias.

10

P.1 refere-se a primeira professora entrevistada, P2 a segunda e assim sucessivamente. E.1 refere-se a primeira estagiária entrevistada, E2 a segunda e assim sucessivamente.

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Através do discurso da professora, percebemos um convite a dois questionamentos: temos a clareza de nossas responsabilidades dentro dessa ampliação no tempo de permanência das crianças dentro da escola? De que maneira a nossas responsabilidades estão solidificadas pelos direitos das crianças11 a viver uma escola que as respeitem para além de uma cobrança legal?

Que tempo é esse que se faz presente na fala da P1 (2011-2012), na escola, nas relações? Podemos dizer que coexistem muitos tempos, o tempo dos adultos, das crianças, da instituição. Um tempo que, muitas vezes, é pautado na contemporaneidade, que nos tira de cena a ponto de não enxergarmos que existem outros modos de viver a escola, tempos que ficam nos extremos e que por vezes não dialogam, um verdadeiro embate. TROIS (2012, p. 148) nos faz pensar que a escola é regida, também, por outros tempos que por vezes negamos ou não conseguimos enxergar que existem.

“Estar com as crianças é prestar atenção em outros tempos. Esse exercício exige a intencionalidade de organizar outros tempos e espaços que potencializam o tempo da oportunidade e o tempo da intensidade, observando os ritmos de cada um no e do coletivo”.

Outro elemento que se fez presente nas falas de duas estagiárias descritas abaixo, o cansaço:

Para eles, imagine passar o dia inteiro na escola, se para nós já é complicado, a gente sai daqui esgotada, para eles também não deve ser fácil. (E3- 2011).

Acredito que elas sentem falta um pouco da mesma forma que eu sinto, da tua casa, da tua comida, da tua caminha na hora de dormir de meio dia, para eles deve ser cansativo eu nunca vivi quando criança isso. Por isso, como professora, eu acredito que deve ser cansativo para eles, a minha mãe estar longe o dia inteiro, vejo ela só de noite. (E1-2012)

11

Compreendendo os direitos das crianças como espaço efetivo de: participar, opinar, ser ouvida, expressar-se através de suas múltiplas linguagens, e compactuando com Faria (2009, p. 288) “que os direitos das crianças sejam os direitos das outras crianças: isso constitui a dimensão de valor de uma humanidade mais completa”.

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Não podemos negar que o cansaço existe, é um fator que precisa ser levado em conta, ser sensíveis às muitas manifestações desses dois atores: crianças e adultos, garantindo o bem-estar de todos. É uma dimensão do cuidado, e exige uma escola dotada de sensibilidade, onde todas as vozes são ouvidas. Muitas vezes é necessário parar, ouvir, mudar a rota, refletindo sempre, poderíamos dizer que são sintomas que vão aparecer nas relações entre os pares, entre os adultos e as crianças e com as crianças.

Viver na escola em tempo integral nos faz pensar nesse rompimento que as crianças sinalizam, quer com o cansaço, ou com rituais que diferem esses dois espaços, a casa da escola. Na fala abaixo podemos perceber o quanto essas questões estão presentes, quando a E2(2012) relata dois episódios que vivenciou com as crianças J.V e C.L:

O dia que estava o J. V. chorando, “Eu quero a minha mãe”. Sentei lá no tatame e peguei-o no colo e ele me olhando, “mas eu quero a minha mãe”, então eu pensei. Ela passa o dia inteiro aqui, precisa de um colo, de um carinho, e foi o que eu fiz. Peguei-o no colo, conversamos. O dia que a C.L. me disse assim: “Daí tu vai lá, pede para profe J. ligar para minha mãe e pede para ela fazer aquele mamazinho gostoso”. Eu cheguei sentir o gosto daquele mama, bem gostoso, bem quentinho: “E daí, meu pai vem trazer aqui para mim, tu pega e volta para fazer eu dormir”. Se ela tivesse em casa, tinha o mamazinho, quentinho, e aqui não tem como. Como fazer tanta mamadeira? Isso aproxima a casa. E2 (2012)

Realmente, até eu senti o gosto desse “mamá” quando ela relatava a sua experiência, um mamá que me levou a voltar no tempo, senti até o calor que a minha mamadeira provocava entre os dedos da minha mão, dos meus irmãos ao lado, e nesse momento corre as lágrimas da saudade que tenho daquele tempo, da minha infância. Para essa criança, me parece que é no momento do sono que ela sente falta de sua casa, demarcando o ritual que antecede o dormir com sua família ser diferente com o da escola. Assim, o meu desejo é o mais profundo possível, é infinito (como meu filho me diz, referindo o quanto me ama) de proporcionar às crianças viverem o “hoje”, de uma

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maneira tal que, quando forem adultos, possam também se emocionar e sentir saudades do tempo de suas infâncias no Sesquinho.

Com a convicta certeza de quão profundas são essas marcas, Barbosa (2009, p. 32) me faz relacioná-las as nossas responsabilidades,

A infância deixa marcas, permanece e habita os seres humanos ao longo de toda a vida, como uma intensidade, uma presença, um jeito de ser e estar no mundo. Como uma reserva de sonhos, de descobertas, de tristezas, de encanto e entusiasmos.

Portanto, viver a escola de tempo integral nos compromete a diária, e constantemente, refletirmos sobre que experiências cotidianas se fazem presentes, priorizamos. Pois, esse tempo é segundo TROIS (2012, p. 163) “um tempo de entrega, de descoberta, de interrogação e de surpresa. Um tempo de viver e conviver na escola”. Podemos relacionar essas experiências as intencionalidades pedagógicas e, logo, nos remete a pensar no planejamento, o elemento mais presente na fala dos sujeitos entrevistados.

Que desafios percebes no trabalho dentro de nossa escola de tempo integral? (pesquisadora)

Na verdade são vários desafios, desde o planejamento, a execução do mesmo, como pensar essa escola para as crianças. (...)então na verdade o planejamento, a forma de executar e esse dia da criança, ter um termômetro até onde a gente pode ir, isso é o maior desafio. P1(2011-2012)

Os momentos que são responsáveis, de que forma trazer o inusitado a eles? (E5-2011)

Criar possibilidades. (E3-2011)

Aplicar o planejamento sem a participação na elaboração. (E1-2011)

A execução do planejamento quando se está sozinha. (E6-2-11)

Me permitir a brincar, a viver o turno integral, não só executar. (E4-2011)

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O planejamento, aquela história, vai dar certo? (E3-2012)

O tempo que fica dentro da escola, planejar o dia todo, o dia da criança, olhar ela nesse movimento do dia. (P3- 2012)

O tempo que a criança fica na escola, na verdade é uma escola de oito, mas que a criança fica dez horas na escola, E, todo o momento tem que ter algo para fazer. Mas, não pode ser algo que canse a criança e nem o adulto, porque na verdade são duas pessoas no mesmo espaço. (P2-2012)

Tudo o que tu queres fazer, além do planejamento, em oito horas, entra o cuidado que tu queres ter com eles em 8 horas, então, são muitas coisas nessas oito horas, que vive na escola, oito ou dez dependendo do aluno. P1(2011-2012)

O planejamento é algo que lhes desafia. Como pesquisadora, me atrevo a dizer que o próximo desafio que cabe a esse lugar que ocupo como coordenadora seria provocar, instigá-las a transformar esse desafio na possibilidade de estar com as crianças. E, fazer a escola e o planejamento com a participação efetiva das crianças, longe de um documento prescritivo, de controle dos corpos, mas sim dos tempos das crianças.

Ao descrever os desafios do grupo, percebemos o quanto planejar torna-se um desafio para o grupo, e isso torna-se dá devido à concepção de planejamento da escola pesquisada. Um planejamento que ao contrário de ser rígido, diz da vida do grupo, da observação e da escuta atenta da professora. Nesse sentido, Redin (2007, p. 97-98) nos faz pensar que também é,

mais do que listar atividades, materiais, fazer planos e executá-los. É permitir-se ousar, errar, acertar, começar novamente, voltar atrás, ir adiante, dar voltas... é desenhar, inscrever na história a capacidade de maravilhar-se com as crianças abrindo caminhos não percorridos.

Viver essa perspectiva de planejamento realmente é diferente e torna um desafio.

A concepção de turno integral fica explicitada na fala quando uma das professoras afirma “é uma escola de oito, mas que a criança fica dez horas”, de

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oito para quem? Claro que existem crianças que chegam mais tarde, mas as que chegam às 7:30 não pertencem a essa realidade? O que representa essas duas horas não computadas na fala da professora? Dois tempos que se contrastam. O tempo do adulto e o tempo da criança. Como pautar nossas práticas respeitando esses dois tempos? Em que as concepções se explicitam, pois por detrás, há uma história que nos constituiu, não podemos negar, apagar ou jogar fora, não é tão simples assim, e nem queremos. Negá-la é dizer que tudo o que vivemos não foi importante, não valeu a pena, ao contrário foi o que nos moveu a buscar outros caminhos.

As ações da rotina fazem com que, muitas vezes, negamos as crianças. Na fala que segue podemos perceber esse dilema: “conciliar a tua rotina com as necessidades das crianças, uma atenção a mais” (E5 -2012). Quais são as nossas escolhas diárias? Quando as crianças estão como a primeira da lista de nossas tarefas diárias? Para entender um pouco mais esses elementos relatados, busquei inspiração em Manoel de Barros12 para compreendê-los, que espaço estamos dando para “às coisas desimportantes”? Para ele “estar à toa é estar à disposição da poesia”. Então, precisamos nos permitir ficar “à toa, a disposição das crianças”. Mas será que a maneira como estamos vivendo o cotidiano da instituição nos permitimos a essa disposição?

Ao analisar as falas das professoras e estagiárias podemos destacar que o tempo, o planejamento e o cansaço são os principais desafios sinalizados que enfrentamos na escola de tempo integral pesquisada. Concomitante a isso, temos outra realidade, que não podemos deixar de falar. Que espaços essas discussões tem nos cursos de Pedagogia? A escola de Educação Infantil de tempo integral não é algo recente ou uma novidade, há muito tempo que as crianças estão inseridas nos contextos escolares desde seus quatro meses de idade em período integral. Por que, então, essas discussões não aparecem? Não é uma escola legitimada? Quem pensa sobre isso? Como as crianças estão vivendo suas experiências iniciais do contexto escolar nesse tempo integral?

Nessa mesma perspectiva, Marques e Santos (2010, p. 30) sugerem que “precisamos nos lançar à reflexão, nos deixar provocar para enfrentar os

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desafios de pensar sobre questões delicadas e melindrosas, que ressoam no modo como lidamos e pensamos a infância e o tempo”.

Esse espaço de reflexão, também é um espaço de formação em ação por excelência, um lugar de encontro, um olhar para as práticas, os enfrentamentos e os desafios, mas que, também, suscita a busca incessante e inacabada por respostas e possibilidades, respeitando todos os atores.

3.1 Quem nunca viveu não sabe como é, só vai saber isso vivendo

Temos que “redescobrir” o nosso ofício, nos constituirmos educadores da infância. Por isso, em nome do tempo do capital não podemos perder de vista os maravilhamentos dos “desperdícios” que acontecem com as crianças nesse espaço-tempo coletivo e individual, nos “aparelhando” por esses encantamentos, vamos dando novos sentidos e significados para a escola. O primeiro relato que segue resume tudo, quando ela diz: “quem nunca viveu não sabe como é, só vai saber isso vivendo”, esse é o segredo, viver essa escola, senti-la.

Concordo e muito com Manoel de Barros, quando diz que é só pela “intimidade” que temos com as coisas, que podemos falar delas. Até tentamos descrevê-la, mas as sensações produzidas pelos cheiros, pelas cores, temperaturas, frustrações, pelos cansaços, recomeçares, inícios, pelas primeiras vezes, pelas escutas, risadas, perguntas, incertezas, dengos, saudades, alegrias, pelos tensionamentos e transformações, que só nessa realidade, é possível viver. Pelo simples motivo de ser única, especial, singular, contagiante, é só vivendo mesmo.

E se não conseguir enxergar compre um óculos- infância a cada dia, de cores diferentes, aparelhados de cheiros, sons, cores e recursos que nos levem a viajar a um lugar que depois de conhecer não queremos voltar. Enfim muitos são os encantamentos, somos tocados a cada novo encantar-se, nos modificamos e, consequentemente, mudamos a escola, os relatos que seguem sinalizam quais são os encantamentos percebidos nesse cotidiano.

Viver um dia inteiro com uma criança, onde ela sai de casa para passar o dia contigo, me encanta tudo

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isso. Na verdade, receber a criança cedo, ficar com ela, fazer atividade, almoçar, o sono, toda essa rotina do turno integral, é o encantamento. Quem nunca viveu não sabe como é, mesmo falando e explicando como é que é, não sabe senão viver, só vai saber isso vivendo. É outra dimensão de escola, um outro pensar, um outro professor é um outro aluno, que a gente constitui aqui dentro, um outro profissional. P2 (2012)

As descobertas e o desejo deles virem significa que a escola está sendo significativa para eles, que o trabalho está sendo bom. O brilho em cada descoberta, até numa cor diferente que ele descobriu misturando a tinta, (...) os desafios que eles vão propondo e, às vezes, a gente se assusta, mas é o que acaba encantando e dando desejo de vir todos os dias trabalhar, de planejar alguma diferente. P1(2011-2012)

O afeto que eles têm por nós, a confiança que eles depositam em nós, porque a gente passa mais tempo que os pais, um carinho maior. “Daí tu vai embora. Tchau. Ah profe, fica um pouquinho, fica à tarde com nós, fica o dia inteiro. Tu não pode? À profe tem coisa para fazer em casa. “Mas faz e volta.” Saber que ele está querendo que tu fique porque ele gosta de ti. E1(2012)

A gente vive todas as experiências, dormir, almoçar. No sono, deles se arrumarem, de descerem e a sala estar organizada esperando por eles. E2 (2012)

A vivência, o dia-a-dia. P3(2012)

Reafirmando o que já havia dito, o primeiro relato explicita também muitas concepções que acredito serem fundamentais para viver a escola de tempo integral. Dentre elas destaco, experiências, escola, professor e aluno13.

Portanto, um cotidiano que leva em conta uma “outra dimensão de escola”, que segundo Trois (2012, p. 12) é entendida como “um espaço de experiências, acontecimentos inesperados e imprevisíveis, num mundo que está se constituindo. Um gesto aberto, atento e à procura do novo”. Ao mesmo

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Onde se lê aluno leia-se criança, pois acredito que é a concepção que dialoga com a dissertação, de acordo com Barbosa (2009, p. 27) “para ser aluno, na concepção que tem sido hegemônica nas práticas escolares, a criança precisa negar seu corpo, cuja multidimensionalidade precisa ser esquecida, ou propositadamente controlada. É como se fosse possível negar a presença viva, real e autêntica das crianças [que vivem através de pensamentos-palavras - corporeidade] e das interações sociais por elas estabelecidas”.

Referências

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