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3 PERCEPÇÕES E EMOÇÕES COLETIVAS

3.2 Emoções e afetos coletivos

Assim como os comportamentos, percepções e atitudes podem ser padronizados entre os membros do grupo e resultado de uma realidade social, as emoções e os afetos, fenômenos tipicamente individuais, também podem ser compartilhados entre os indivíduos. As pesquisas sobre afetos em grupos e emoções coletivas avançaram significativamente nos últimos 25 anos, reconhecendo não apenas que afetos coletivos existem, mas que são uma parte essencial na compreensão de dinâmicas de equipes (George, 1990; Kelly & Barsade, 2001; Knight & Eisenkraft, 2014). Apesar dos avanços, por ser um fenômeno muito complexo, as pesquisas ainda são incipientes e existem diversas oportunidades e uma vasta agenda de pesquisa para estudos futuros (Barsade & Knight, 2015).

Afetos coletivos podem ocorrer em dois sentidos: top-down e bottom-up. No processo

top-down, o afeto do grupo é visto de maneira ampla e as características e propriedades do

grupo afetam as emoções dos seus integrantes. Já no processo bottom-up o afeto do grupo emerge da soma das suas partes, ou seja, é resultado da agregação dos estados afetivos dos membros do grupo (Barsade & Gibson, 1998). As perspectivas top-down e bottom-up coexistem e juntas criam emoções no nível coletivo.

Os afetos coletivos, ao longo do tempo, são dinâmicos e produto da relação entre as duas perspectivas. Experiências e emoções momentâneas servem como base para o desenvolvimento de afetos em outras situações, pois influenciam a avaliação dos membros do grupo sobre eventos futuros (Hareli & Rafaeli, 2008). Além disso, os afetos coletivos são influenciados pelo contexto em que o grupo está inserido, como espaço físico, relações interpessoais intragrupo, tecnologias e suporte (Kelly & Barsade, 2001). Assim, afetos coletivos surgem porque membros do grupo relembram emoções que tiveram em experiências anteriores semelhantes e/ou porque estão trabalhando e convivendo sob o mesmo contexto, compartilhando características do ambiente organizacional. Em ambos os casos é o compartilhamento da situação e das mesmas condições que faz com que surjam afetos e emoções no nível de grupo.

A forma de afeto de grupos mais estudada na perspectiva bottom-up é a convergência de afetos, ou seja, experiências afetivas compartilhadas ou comuns aos membros de um grupo ou equipe. Nessa concepção, emoções coletivas positivas ou negativas emergem em um grupo porque cada indivíduo se sente de maneira semelhante sobre determinada situação ou condição, ou seja, as experiências afetivas individuais dos membros são convergentes

(Barsade & Knight, 2015). Essa convergência pode ocorrer por conta de uma série de razões, como: (1) os indivíduos buscam grupos de trabalho compostos por pessoas que se sentem de maneira semelhante a ele; (2) as organizações e equipes recrutam indivíduos que possuem um perfil semelhante ao dos outros membros do grupo; e (3) os membros do grupo que estão em divergência emocional têm maior probabilidade de sair do grupo (Schneider, 1987). Dessa forma, devido a esses fatores, a tendência é que o grupo ou equipe se torne, com o tempo, cada vez mais homogêneo. Os resultados encontrados no estudo de George (1990) corroboram com essa afirmação, ao concluir que grupos existentes há um longo período de tempo são caracterizados pela homogeneidade de afetos e emoções compartilhadas.

A convergência e transferência de afeto pode ocorrer não apenas por reações semelhantes dos membros ao mesmo evento, mas também por contágio emocional (Kelly & Barsade, 2001). O contágio emocional é um processo inconsciente de mimetismo de expressões faciais, tons de voz, linguagem corporal e movimentos de outras pessoas (Dimberg, Thunberg, & Elmehed, 2000; Hess & Fischer, 2014). Essa mímica faz com que o indivíduo passe efetivamente a sentir determinada emoção ou afeto, mesmo que ela tenha sido inicialmente originada em outro membro do grupo (Barsade & Knight, 2015). Essa relação é fortalecida quando a equipe compartilha os mesmos desafios e problemas no trabalho, conforme apresentado nos resultados empíricos do estudo de Totterdell, Kellett, Teuchmann e Briner (1998). A pesquisa desses autores também identificou que existe uma relação positiva entre emoção individual e emoção do grupo. Outros estudos corroboraram com a literatura de emoções e afetos coletivos e com a argumentação exposta neste trabalho identificando que as emoções sentidas por um indivíduo afetam as emoções do restante do grupo, levando a emoções compartilhadas pela equipe (Barsade, 2002), que afetos são transferidos entre os membros do grupo (Ilies, Wagner, & Morgeson, 2007) e que as emoções em um grupo tendem a convergir (Bartel & Saavedra, 2000).

Na perspectiva top-down, a cultura emocional ou cultura afetiva é um dos elementos fundamentais para a existência de afetos coletivos. Cultura emocional pode ser definida como normas comportamentais, artefatos, pressupostos e outros valores associados que refletem a expressão ou supressão de emoções e o grau que cada uma dessas emoções é percebida como apropriada dentro do contexto de trabalho. Essas emoções são transmitidas dentro da unidade do grupo por afetos, sentimentos e mecanismos normativos, criando, com o tempo, a cultura emocional (Barsade & O’Neill, 2014).

Essa cultura está diretamente ligada às normas compartilhadas, que podem ser prescritas pela gestão da organização, sobre como os seus membros devem expressar emoções

e afetos (Hochschild, 1983). Um estudo realizado por Barsade e O’Neill (2014) em uma organização de grande porte do ramo de saúde identificou que uma cultura emocional forte que incentive emoções como compaixão, sensibilidade, carinho e ternura pode prever mais comportamentos de cooperação, maior satisfação, menor exaustão emocional e absenteísmo. Dessa forma, a cultura emocional estabelecida pelo grupo ou organização pode influenciar diretamente as emoções e os afetos do indivíduo, bem como outras variáveis individuais.

O surgimento das emoções e afetos em um nível mais elevado, como o nível coletivo, pode ocorrer por várias razões além das previamente citadas, entre elas por influência da liderança, pelas atitudes e atributos dos membros do grupo e pelas relações e interações entre os indivíduos que o compõe (Barsade & Knight, 2015). Estudos comprovaram que líderes formais possuem um grande impacto na natureza do afeto que emerge em um grupo ou equipe (Chi, Chung, & Tsai, 2011; George, 1995; Humphrey, 2002; Johnson, 2009; Pescosolido, 2002; Seong & Choi, 2014; Sy, Côté, & Saavedra, 2005). Por ocupar uma posição de alta visibilidade e poder formal, os líderes podem estabelecer e até impor padrões de interações entre os membros da equipe, bem como influenciar os indivíduos com as suas próprias emoções, percepções e afetos. Além disso, o líder também pode criar ou ajustar a cultura emocional do grupo, determinando quando e como os trabalhadores devem expressar suas emoções durante interações com membros do grupo, com indivíduos pertencentes a outros grupos e com stakeholders da organização.

As emoções do líder influenciam não apenas as emoções coletivas compartilhadas entre os membros do grupo, como também estão relacionadas aos processos executados e resultados obtidos pela equipe (Sy et al., 2005) e ao desempenho no trabalho (George, 1995). George (1995) encontrou relações significativas e positivas entre emoções do líder e emoções coletivas da equipe e que essas duas variáveis estão positivamente relacionadas com o desempenho individual dos membros do grupo. A força da influência entre as emoções do líder e as emoções compartilhadas dependem de aspectos relacionados à composição do grupo, como a diversidade dos membros e a similaridade entre o líder e os seus subordinados (Sy & Choi, 2013). Assim, quanto mais homogêneo for o perfil dos indivíduos e o perfil do líder e dos seus subordinados, maior a chance de contágio emocional.

Com relação à influência de atributos individuais no surgimento de afetos coletivos, pesquisas sugerem que indivíduos mais suscetíveis ao contágio emocional possuem maior probabilidade de compartilhar experiências afetivas com seus colegas do que aqueles que são menos suscetíveis (Ilies et al., 2007; Sy & Choi, 2013). Estudos também identificaram que tendências coletivistas moderam a relação entre afetos individuais e coletivos e estão

positivamente relacionadas ao contágio emocional (Ilies et al., 2007). Ademais, o compartilhamento de estados afetivos aumenta a força do grupo, gerando uma noção intergrupo e intragrupo e essa força tende a aumentar com o tempo, pois quanto maior o tempo de pertencimento do membro no grupo, maior a chance de contágio emocional (Fischer & Manstead, 2008).

Diversos mecanismos, como mimetismo facial, comparação emocional e empatia (Hatfield, Caciopo, & Rapson, 1994), bem como o padrão de interação entre os indivíduos contribuem para a convergência afetiva em grupos (Barsade & Knight, 2015). Essa convergência está relacionada tanto com a interdependência social ou das tarefas, quanto com a estabilidade no grupo, ou seja, quanto maior a interdependência entre os membros do grupo ou quanto mais estável a vaga de determinado membro no grupo, maior a convergência das emoções (Bartel & Saavedra, 2000; Klep, Wisse, & van der Flier, 2011; 2013; Totterdell, 2000). Resultados semelhantes foram encontrados, inclusive, com equipes que estão dispersas geograficamente e trabalham por meios virtuais. Essas equipes, apesar da distância física, também apresentaram elevados níveis de convergência, contágio emocional e afetos coletivos (Cheshin, Rafaeli, & Bos, 2011). Dessa forma, as relações interpessoais e a interdependência entre os membros do grupo atuam como condutores para o contágio emocional (Totterdell, Wall, Holman, Diamond, & Epitropaki, 2004), tornando emoções e afetos coletivos fenômenos intrínsecos e comuns à maioria dos grupos de trabalho.

Uma das variáveis de caráter individual que modera a relação entre os afetos individuais e coletivos é o comprometimento. Trabalhadores que apresentam um maior grau de comprometimento com o grupo ou com a organização e que percebem o contexto de maneira positiva, apresentaram maior chance de convergência emocional (Totterdell et al., 1998). Em 2000, Totterdell identificou que indivíduos que apresentam um maior comprometimento com o grupo têm maior probabilidade de compartilhar experiências afetivas com os outros membros. Outro estudo realizado por Tanghe et al. (2010) corrobora com esses resultados sugerindo, com base em evidências empíricas, que o fato de o indivíduo se sentir pertencente a um grupo está positivamente relacionado com a convergência de afetos coletivos. Com base nesses resultados e nos outros argumentos apresentados, pode-se inferir que tanto o comprometimento quanto percepções sobre características de contexto, como o suporte e justiça organizacional, influenciam no compartilhamento de emoções positivas ou negativas. Além disso, o sentimento de pertencimento e o comprometimento com um grupo também influenciam o surgimento de emoções e afetos coletivos, gerando, como consequência, um comprometimento coletivo compartilhado pelos membros do grupo.

Com base nisso, esta Tese considera que a variável comprometimento pode se manifestar no nível de equipes de trabalho, assumindo, assim, características da formação de grupos e equipes e, consequentemente, do compartilhamento de emoções, afetos e percepções entre os membros do grupo. Não foram encontrados estudos que investigassem o comprometimento organizacional de uma equipe e a influência desse fenômeno no desempenho individual, ressaltando a relevância deste trabalho. Assim, esta pesquisa define comprometimento afetivo coletivo como vínculos ativos da equipe com a organização, traduzidos em crenças compartilhadas e um esforço coletivo na adoção intencional de atitudes que beneficiem a organização, contribuindo para o desempenho dessa.

A estrutura social e os comportamentos observados em uma organização são, portanto, produto de padrões de interações recorrentes que influenciam o ser humano (Berger & Luckmann, 2014; Zanelli & Silva, 2015). Para compreender uma organização, é necessário analisar as complexas interações que ocorrem nos múltiplos níveis. Esses níveis são interligados não apenas entre si, mas aos sistemas e subsistemas de seu entorno (Zanelli & Silva, 2015). Partindo dessas premissas, o Comportamento Organizacional é produto do comportamento individual e coletivo, da interligação e interação entre os diferentes níveis organizacionais. Dessa forma, o avanço científico desse campo de estudo depende da investigação das variáveis em modelos multinível, que representam de forma mais fidedigna a ocorrência desses fenômenos na prática.

Apesar de ser um consenso que as organizações são representações sociais e que é importante estudar construtos considerando as percepções e as emoções compartilhadas, ainda são escassos os estudos que descrevem como aplicar teorias multinível no âmbito organizacional (Morgeson & Hofmann, 1999), bem como pesquisas que testaram modelos empíricos multinível com variáveis de Comportamento Organizacional. Não se questiona a existência de percepções e emoções coletivas e o desafio não é identificá-las, mas conseguir descrever como operam (Morgeson & Hoffmann, 1999) e qual é o impacto em variáveis individuais e no próprio contexto da organização.

Portanto, estudar variáveis de Comportamento Organizacional apenas no nível individual é ter uma visão parcial da realidade da organização e da interação entre os fenômenos. A abordagem multinível permite que os pesquisadores investiguem fenômenos organizacionais de maneira mais realista e precisa (Bliese et al., 2007), pois possibilita a investigação da interação entre variáveis individuais e de contexto. Uma vez que indivíduos interagem em ambientes sociais e que influenciam e são influenciados por esses contextos, em uma pesquisa multinível os dados são hierárquicos e abarcam as variáveis desses diversos

níveis. O próximo Capítulo apresentará as hipóteses que serão testadas nesta Tese, com os respectivos embasamentos teóricos e empíricos, voltados para a construção do modelo teórico multinível.