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Entrincheiramento organizacional e desempenho individual no trabalho

7. DISCUSSÃO

7.2 Entrincheiramento organizacional e desempenho individual no trabalho

presente pesquisa definiu os grupos, que pode não ter abarcado da melhor forma a construção de realidades compartilhadas entre os trabalhadores. A impossibilidade de obtenção de informações que pudessem diferenciar as agências que cada indivíduo estava lotado pode ter prejudicado a estimativa das percepções coletivas de comprometimento nos testes estatísticos. Não obstante os resultados do modelo multinível não indicarem uma relação preditiva entre as percepções coletivas de comprometimento organizacional afetivo e desempenho individual, não é possível afirmar que elas não existam no ambiente organizacional da instituição pesquisada. Assim, acredita-se que esta pesquisa avançou um passo além para compreensão do comprometimento afetivo como um fenômeno de contexto e recomenda-se que estudos futuros investiguem a percepção dos indivíduos sobre o possível compartilhamento de afetos, bem como a investigação dessas percepções compartilhadas em outras variáveis de nível individual e de grupo.

7.2 Entrincheiramento organizacional e desempenho individual no

trabalho

Assim como ocorreu com a variável comprometimento organizacional afetivo, duas hipóteses também foram formuladas para o segundo tipo de vínculo investigado nesta pesquisa, entrincheiramento organizacional. A primeira delas, que pressupunha que essa

variável estaria negativamente relacionada à autoavaliação de desempenho de bancários no trabalho (H3), foi confirmada.

Dos três fatores que compõe esse constructo, a percepção individual de arranjos burocráticos impessoais apresentou predição significativa para autoavaliação do desempenho. Essa dimensão de entrincheiramento diz respeito à tolerância de uma situação por conta de questões práticas envolvidas, incluindo estabilidade financeira e benefícios que seriam perdidos caso o indivíduo deixe a organização, como férias e feriados pagos, participação nos lucros, assistência médica, previdência privada e aposentadoria (Rodrigues & Bastos, 2012). Ou seja, os resultados deste trabalho indicam que trabalhadores que percebem um alto grau de arranjos burocráticos impessoais avaliam seu desempenho como inferior ao daqueles indivíduos que não se sentem entrincheirados.

Conforme discutido no Capítulo 2, o conceito de entrincheiramento organizacional apresenta diversas semelhanças com a dimensão instrumental de comprometimento, visto que, no entrincheiramento, as possíveis perdas dos investimentos, recompensas e papeis sociais assumidos pelos indivíduos, bem como a probabilidade de não recuperar esses investimentos em uma outra organização são essenciais para o trabalhador sentir-se preso à instituição (Balsan, 2011; Rodrigues, 2009; Rodrigues & Bastos, 2011; 2012; Rowe, 2008; Rowe & Bastos, 2008). Dessa forma, os resultados obtidos corroboram com o pressuposto de que a variável entrincheiramento, assim como comprometimento calculativo, está negativamente relacionada a comportamentos desejáveis pela organização, entre eles, desempenho individual no trabalho (Bastos et al., 2013; Cooper-Hakim & Viswesvaran, 2005; Cunha et al., 2004; Magalhães, 2008; Rodrigues, 2009; Rodrigues & Bastos, 2010; 2012; Scheible et al., 2017; Siqueira & Gomide Júnior, 2014).

Como contribuição prática, é fundamental ressaltar que a percepção de arranjos burocráticos impessoais pode ser algo intrínseco ao trabalho, uma vez que está relacionada a conhecer a função a ser executada, os colegas de trabalho, as normas e regras da organização, os treinamentos para o cargo e para o desempenho de atividades naquela realidade específica e várias outras práticas de gestão que visam reter o indivíduo na organização. Inclusive, um dos antecedentes de entrincheiramento é o tempo de trabalho na organização, o que reforça o argumento de que é um fenômeno natural tanto para os trabalhadores quanto para as empresas.

No nível de contexto, a hipótese delimitada foi de que as percepções coletivas de entrincheiramento organizacional estão negativamente relacionadas à autoavaliação de desempenho de bancários no trabalho (H4). Essa hipótese foi construída com base na

premissa de que – por estar relacionado aos investimentos realizados e recompensas recebidas pela organização, bem como às alternativas de emprego que o trabalhador acredita que possui em outras organizações – é possível inferir que indivíduos que trabalham em uma mesma equipe recebem recompensas semelhantes, sendo um fenômeno compartilhado no nível de grupos. Essa hipótese foi confirmada nesta pesquisa ao encontrar o fator percepções coletivas de limitação de alternativas como preditor de desempenho individual.

A limitação de alternativas está diretamente relacionada à permanência do trabalhador na organização por necessidade, sendo um fator decisivo para que o indivíduo se sinta aprisionado na empresa em que trabalha. No cerne dessa dimensão estão percepções de restrições no mercado de trabalho e de falta de alternativas caso o indivíduo deixe a organização, seja por vislumbrar déficits em seu perfil profissional, por considerar que a idade desfavorece a reinserção, ou outros fatores que possam reduzir a empregabilidade percebida (Rodrigues & Bastos, 2012). A presença de percepções coletivas de limitação de alternativas significa que os trabalhadores de um mesmo grupo desenvolveram modelos mentais e apresentam ideias compartilhadas sobre a falta de opções e custos de saída atrelados a uma possível troca de emprego e, com base nos dados, grupos que compartilham essas percepções apresentam uma autoavaliação do desempenho no trabalho menor do que grupos que não se enxergam entrincheirados.

De acordo com as teorias sociais, o indivíduo tende a expressar opiniões consoantes com as do grupo, inclusive mudando sua posição em momentos de discordância (Smith et al., 1956; Zimbardo, 1960). Os grupos necessitam, por meio da comunicação, construir e estabelecer realidades sociais compartilhadas (Festinger, 1950; 1954) e forças atuam para gerar conformidade entre os membros, modelando comportamentos e fortalecendo coesões grupais (Barreto & Ellemers, 2000; Festinger, 1950; Rodrigues et al., 2015). Como nas organizações os indivíduos trabalham em equipe e passam longos períodos com as mesmas pessoas, grupos de trabalho também assumem essas características de compartilhamento de percepções e modelagem comportamental.

Um dos fatores intrínsecos ao contexto organizacional que pode ter contribuído para o desenvolvimento de percepções coletivas de limitação de alternativas é o fato dos indivíduos terem experiências de trabalho análogas e trabalharem no mesmo setor – no caso, o bancário – o que pode aumentar o grau de homogeneidade das percepções de alternativas de emprego fora da organização. Além disso, por estar relacionado aos investimentos realizados e recompensas recebidas pela organização, bem como às alternativas de emprego que o trabalhador acredita que possui em outras organizações, é possível inferir que indivíduos que

trabalham em uma mesma equipe recebem recompensas semelhantes. O quarto fator que pode ter corroborado para os resultados encontrados, no caso da organização investigada, é o fato de todos os trabalhadores serem selecionados por meio de concurso público e entrarem na organização ocupando o mesmo cargo. Por conta disso, pressupõe-se que tenham realizado investimentos similares, tanto para entrarem no banco quanto para crescerem na carreira, o que contribui para o surgimento de percepções compartilhadas de limitação de alternativas.

No modelo empírico, um termo de interação entre comprometimento afetivo e o fator arranjos burocráticos impessoais de entrincheiramento organizacional apresentou uma relação positiva com desempenho no trabalho. Ou seja, trabalhadores que percebem arranjos burocráticos impessoais, mas que tem comprometimento afetivo percebem um maior desempenho individual do que trabalhadores que não apresentam vínculos afetivos. Essa análise é possível levando em consideração que tanto comprometimento afetivo, como arranjos burocráticos impessoais se confirmaram como preditores de desempenho neste estudo, mas com sinais opostos. Enquanto o comprometimento afetivo tem uma relação positiva com a variável critério, o arranjo burocrático impessoal apresentou uma relação negativa. Assim, esta pesquisa identificou que o comprometimento afetivo é capaz de mitigar os efeitos negativos do entrincheiramento no nível individual.

A literatura sobre entrincheiramento organizacional (ver, por exemplo, Carson & Carson, 1997; Rodrigues, 2009) afirma que trabalhadores entrincheirados insatisfeitos ou que não possuem laços afetivos com a organização podem apresentar comportamentos contraproducentes, como confrontação verbal, negligência, passividade, absenteísmo, ineficiência e queda na produtividade. Já os indivíduos entrincheirados que apresentam um vínculo afetivo com a organização tendem a apresentar comportamentos positivos de engajamento, esforço extra e uma contribuição construtiva à organização, como maior desempenho individual. Apesar de teoricamente a literatura indicar que a percepção de entrincheiramento por indivíduos com alto comprometimento afetivo pode estar relacionada a altos níveis de desempenho e produtividade no trabalho, não foi encontrado nenhum estudo que comprovasse empiricamente essa relação. Assim, ressalta-se a relevância dos resultados obtidos, uma vez que apresentam embasamento empírico de que vínculos afetivos são capazes de reduzir as consequências negativas do entrincheiramento organizacional e se recomendam análises futuras voltadas para maior compreensão dessa relação.

Ademais, os achados apresentam grande importância do ponto de vista prático, visto que a percepção de arranjos burocráticos impessoais é algo que pode ocorrer naturalmente ao longo dos anos para indivíduos que fazem carreira em determinada organização.

Considerando também o contexto das organizações públicas, em que o meio de entrada é concurso, os cargos são estáveis e o investimento realizado pelo indivíduo para entrar na organização é alto, razão pela qual o entrincheiramento também pode ser um fenômeno comum. Assim, é fundamental que as organizações busquem aumentar o comprometimento afetivo do trabalhador como forma de aumentar os comportamentos desejáveis e o desempenho individual, além de combater os comportamentos contraproducentes e negativos que decorrem do vínculo de continuação.