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O construto entrincheiramento organizacional surgiu pela primeira vez na obra de Mowday et al. (1982). Apesar disso, o interesse no construto aumentou a partir dos estudos sobre entrincheiramento na carreira de Carson e Bedeian (1994) e Carson, Carson e Bedeian (1995). O entrincheiramento na carreira é a decisão do indivíduo de permanecer na profissão por falta de alternativas em outros campos, pelos altos investimentos já realizados e pelos elevados custos emocionais associados a uma possível troca de carreira (Carson & Bedeian, 1994; Carson et al., 1995). Além de uma dimensão psicológica, o entrincheiramento também envolve a avaliação de side bets, ou de recompensas e perdas e custos-benefícios, os quais se associam com o abandono da profissão (Carson et al., 1995).

Nesse contexto, entrincheiramento organizacional, construto que ainda é recente nas pesquisas nacionais e internacionais, pode ser definido como a “tendência do indivíduo a permanecer devido a possíveis perdas de investimentos e a custos associados à sua saída e devido à percepção de poucas alternativas fora daquela organização” (Rodrigues, 2009, p. 75). Conforme o indivíduo realiza investimentos na empresa, atribui a ela expectativas associadas à sua realização e alcance dos seus objetivos. Caso o trabalhador julgue que as suas necessidades e expectativas não estão sendo atingidas ou que os investimentos estão maiores do que as recompensas, ele pode procurar emprego em outras organizações. Quando essa busca é inviabilizada pela percepção de poucas alternativas, o trabalhador está entrincheirado. Ou seja, no entrincheiramento organizacional, as possíveis perdas dos investimentos, recompensas e papeis sociais assumidos pelos indivíduos, bem como a probabilidade de não recuperar esses fatores em uma outra organização, são fundamentais para o indivíduo sentir-se preso à organização. Assim, o trabalhador que se sente entrincheirado tem a percepção de estar aprisionado no emprego atual, permanece no trabalho por necessidade e por não vislumbrar outras alternativas que satisfaçam as suas expectativas (Balsan, 2011; Rodrigues, 2009; Rodrigues & Bastos, 2011; 2012; Rowe, 2008; Rowe & Bastos, 2008).

Esse conceito apresenta diversas semelhanças com a dimensão instrumental, ou de continuação, do comprometimento organizacional (Balsan, 2011; Rodrigues, 2009; Rodrigues & Bastos, 2012). Ambos se referem à permanência na organização por necessidade, por falta de alternativas, levando a sacrifícios pessoais. Conceitualmente, a sobreposição entre os conceitos ocorre por ambos os construtos: (1) fazerem referência à teoria de side bets do Becker (1960); (2) remeterem ao comportamento de permanecer na organização por necessidade (Solinger et al., 2008); (3) apresentarem dimensões semelhantes, sacrifícios pessoais e limitação de alternativas para comprometimento instrumental (McGee & Ford, 1987) e custos acumulados e limitação de alternativas para entrincheiramento (Blau, 2001), e; (4) estarem positivamente relacionados entre si (Carson et al., 1995; Rodrigues, 2009; Scheible & Bastos, 2006) e negativamente correlacionados com comportamentos desejáveis para a organização (Cooper-Hakim & Viswesvaran, 2005; Magalhães, 2008; Rodrigues, 2009; Rodrigues & Bastos, 2012). Além das semelhanças conceituais e empíricas, a dimensão instrumental do comprometimento é fonte de diversas críticas, principalmente em torno do “esticamento” do conceito de comprometimento e, consequentemente, da abrangência de diferentes tipos de vínculos em um mesmo fenômeno (Klein et al., 2009; Osigweh, 1989), de acordo com os argumentos apresentados na Seção anterior, sobre comprometimento

organizacional. Dessa forma, considerando a necessidade de aumentar a precisão dos construtos relacionados aos vínculos com a organização, esta pesquisa acatará a sugestão de Rodrigues e Bastos (2012) de investigar o entrincheiramento organizacional de forma separada, por ser um vínculo de natureza distinta do comprometimento organizacional afetivo. Apesar disso, o entrincheiramento organizacional também leva a uma relação e ligação entre o indivíduo e a organização.

Rodrigues (2009) e Rodrigues e Bastos (2012), com base em Becker (1960), definiram três dimensões para o entrincheiramento organizacional, ajustamentos à posição social, arranjos burocráticos impessoais e limitação de alternativas. A Figura 8 apresenta as dimensões e as respectivas definições.

Dimensão Definição

Ajustamentos à posição social

Investimentos do indivíduo nas condições necessárias à sua adaptação, a exemplo de treinamentos para desempenho de atividades específicas, tempo para conhecer os processos organizacionais e as atribuições da função, relacionamentos construídos com os colegas,entre outros aspectos que contribuiriam para o seu ajuste e reconhecimento na organização, e que seriam perdidos caso a deixasse.

Arranjos burocráticos

impessoais

Estabilidade financeira e benefícios que seriam perdidos se o indivíduo saísse da organização, como férias e feriados pagos, participação nos lucros, assistência médica, previdência privada, aposentadoria,entre outros.

Limitação de alternativas

Percepção de restriçõesno mercado de trabalho e de falta de alternativascaso saísse da organização, seja por visualizardéficits em seu perfil profissional, por considerar que a idade desfavorece a reinserção ou outros fatores que possam reduzir a empregabilidade percebida.

Figura 8. Dimensões de entrincheiramento organizacional

Fonte: Elaborado pela autora, com base em Rodrigues e Bastos (2012, p. 689)

As duas primeiras dimensões, ajustamentos à posição social e arranjos burocráticos impessoais, são oriundas da teoria de side bets de Becker (1960) e remetem aos investimentos realizados e recompensas acumuladas pela dedicação à organização. Enquanto os ajustamentos à posição social estão relacionados aos comportamentos aprendidos pelo trabalhador para atender o papel social exigido, suprindo as expectativas e o desempenho esperado pelo empregador, os arranjos burocráticos impessoais dizem respeito à tolerância de uma situação por conta das questões práticas envolvidas. Já a limitação de alternativas está diretamente relacionada à permanência do trabalhador na organização por necessidade, sendo um fator decisivo para que o indivíduo se sinta aprisionado na empresa em que trabalha. Indiretamente, as outras dimensões também podem levar ao sentimento de limitação de alternativas, já que quanto maior os investimentos realizados e recompensas obtidas, maior a restrição de oportunidades de empregos que sejam semelhantes ou melhores do que a atual

(Balsan, 2011; Rodrigues & Bastos, 2012). Assim, o trabalhador entrincheirado permanece trabalhando porque sente que a sua saída da empresa lhe trará danos econômicos, sociais e/ou emocionais, e não necessariamente porque tem pretensões de contribuir para o crescimento da organização (Balsan, 2011; Rodrigues, 2009).

Apesar de normalmente ser associado a comportamentos indesejáveis na organização, é importante ressaltar que o entrincheiramento não necessariamente é acompanhado por sentimentos, afetos ou atitudes negativas. O indivíduo entrincheirado percebe a organização como uma fonte de segurança, estabilidade, proteção, manutenção do seu status e uma forma de evitar custos e prejuízos relacionados ao seu abandono (Rodrigues, 2009). Essa percepção pode levar o indivíduo, visando manter a segurança do seu emprego, a apresentar laços afetivos e comportamentos benéficos aos objetivos organizacionais. Rodrigues (2009) adaptou um modelo de padrões de comportamento de entrincheiramento na carreira elaborado por Carson e Carson (1997) para entrincheiramento organizacional. O modelo, apresentado na Figura 9, considera as três dimensões dessa variável e os comportamentos e atitudes decorrentes do entrincheiramento.

Figura 9. Modelo de entrincheiramento na organização Fonte: Rodrigues (2009, p. 76)

De acordo com a Figura 9, o entrincheiramento organizacional pode resultar em reações que afetam o contexto organizacional. Trabalhadores entrincheirados que apresentam um vínculo afetivo com a organização, apresentam comportamentos positivos de engajamento, esforço e uma contribuição construtiva à organização. Já entrincheirados que estão insatisfeitos ou que não possuem laços afetivos com a empresa podem apresentar comportamentos contraproducentes, como confrontação verbal, negligência, passividade, absenteísmo, ineficiência e aumento de erros no trabalho (Carson & Carson, 1997; Rodrigues, 2009). Assim, apesar de estar mais correlacionado com comportamentos indesejáveis, a percepção de entrincheiramento por indivíduos com alto comprometimento organizacional afetivo, pode estar relacionado a altos níveis de desempenho e produtividade no trabalho.

ENTRADA NA ORGANIZAÇÃO

Período de adaptação

Conhecer a função a ser executada, colegas de trabalho, normas e regras da organização, receber treinamentos específicos para o cargo e para o

desempenho de atividades naquela realidade específica; entre outros.

Ajustamentos individuais a posições sociais Arranjos burocráticos impessoais Custos associados à saída Baixo Alto

Limitação de alternativas Baixo

Não-entrincheirado Entrincheirado Alto Vínculo afetivo Não Sim Negligência, confrontação verbal, lealdade passiva, saída

Contribuição ativa, engajamento, esforço extra

O tempo na organização, assim como é um dos preditores de comprometimento organizacional, é também uma variável que aumenta as chances de entrincheiramento. Isso ocorre porque quanto maior o tempo no trabalho, maior o acúmulo de investimentos pelo indivíduo, bem como maior as recompensas alcançadas. Trabalhadores que permanecem na organização por mais tempo têm maiores chances de terem obtido promoções, mais autonomia, poder de decisão e tarefas mais desafiadoras. Além disso, maior tempo na organização também aumenta as chances de o indivíduo desenvolver relacionamentos interpessoais e laços afetivos com outros funcionários (Mowday et al., 1982). Outra variável que pode estar relacionada ao entrincheiramento é a forma de ingresso na organização. Em organizações públicas, por exemplo, a forma de seleção é por concurso público, o que exige longas horas de estudo e dedicação dos candidatos, ou seja, altos investimentos já são realizados antes mesmo de o trabalhador entrar na organização, podendo levar o indivíduo ao entrincheiramento. No caso da instituição bancária investigada nesta Tese, a forma de ingresso é por concurso público, os trabalhadores possuem chances de crescimento e um plano de carreira longo, bem como vários benefícios e recompensas, o que pode levar à permanência na organização por necessidade e, consequentemente, à sensação de estar preso ao trabalho atual. Essa hipótese é corroborada por outros estudos realizados em organizações públicas (Botelho & Paiva, 2011; Paiva & Morais, 2012), identificando-se que servidores apresentam vínculos de permanência na organização devido à estabilidade, peculiaridade das carreiras públicas.

Balsan et al. (2016) realizaram um estudo bibliométrico sobre o tema vínculos organizacionais nos periódicos e eventos da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD) no período de 1997 a 2013. Utilizando como palavras- chave os termos “comprometimento”, “entrincheiramento” e “consentimento”, a busca resultou em 145 artigos, sendo que 134 foram publicados nos congressos e 11 nos periódicos. O autor que mais publicou nesse período foi o professor Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, da Universidade Federal da Bahia, instituição que também apresentou o maior número de artigos selecionados nessa revisão. A maior parte dos artigos são empíricos (94,5%), descritivos (64,2%), quantitativos (75,9%), utilizaram questionários como instrumento de coleta de dados (67,2%) e aplicaram a pesquisa em organizações privadas (61,3%). Apesar do número expressivo de artigos analisados, apenas nove dos 145 abordaram o tema entrincheiramento. A primeira publicação foi em 2010 em um congresso e apenas em 2013 o primeiro artigo sobre essa variável foi publicado na Revista de Administração Contemporânea (RAC), o que indica se tratar de um construto ainda recente na literatura. Além disso, todos os

nove artigos sobre entrincheiramento também abordaram o tema comprometimento, ou seja, os autores não encontraram, com base nos critérios adotados, estudos que investigaram apenas o entrincheiramento organizacional. Dessa forma seguindo as recomendações apresentadas na literatura e abordadas nesta Seção, esta Tese pesquisará dois tipos de vínculo que o indivíduo estabelece com a organização: comprometimento afetivo e entrincheiramento organizacional.