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Empatia, sensação e emoção

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79 (Ibid.), um pensamento que se reencontra em textos do romantismo, como os do escritor Jean Paul. Herder argumentava sobre a necessidade da empatia para a interpretação de textos, de culturas e da história. Na estética inglesa dessa época, a atenção centrava-se nas componentes empíricas e psicológicas da perceção. Conforme descreve Nowak (Ibid.), David Hume expressou-se, no Tratado da Natureza Humana (1739), sobre a importância da simpatia, descrevendo as sensações que emergiam ao contemplar obras de arte e argumentando que todas as opiniões que se formavam sobre beleza eram extensivas à simpatia.

No tratado Da Pintura, que começou a redigir em 1435, Leon Battista Alberti expôs a possibilidade das emoções poderem ser expressas por meio do corpo:

A pintura moverá a alma do espectador quando cada pessoa ali pintada mostrar claramente o movimento de sua própria alma. [...] choramos com os que choram, rimos com os que riem e estamos de luto com os que estão de luto. Estes movimentos da alma são conhecidos a partir dos movimentos do corpo.131 (Alberti, 1966, p. 77)

Friedrich Theodor Vischer impulsionou o desenvolvimento do conceito de empatia, defendendo que as obras de arte e a natureza “manifestam-se como seres emocionais”132 (Nowak, 2011, p. 303) que suscitam empatia, a qual era considerada um instinto primário. Na sua obra Das Symbol, de 1887, exprimiu que o indivíduo encontra elementos espirituais nos objetos sensoriais, designando este ato por simbolismo, e distinguia dois tipos de representação simbólica: a representação mágica, na qual o símbolo e o que é simbolizado se reuniam num só, uma reflexão relacionada com a empatia e descrevendo o ser primitivo, que atribuía qualidades humanas à natureza; por outro lado, a representação lógica, na qual símbolo e simbolizado permanecem separados, uma ideia ligada ao raciocínio alegórico, próprio das culturas desenvolvidas (Ibid., p. 304).

O termo empatia tem a sua origem na palavra alemã einfühlung, que significa sentir dentro, sentir em, e foi criada por Robert Vischer, filho Friedrich Theodor Vischer,

131 Tradução livre do inglês: “The istoria will move the soul of the beholder when the people painted there each clearly shows the movement of his own soul. […] we weep with the weeping, laugh with the laughing, and grieve with the grieving. These movements of the soul are known from the movements of the body.”

132 Tradução livre do inglês: “manifest themselves as emotional beings”.

80 usando-a pela primeira vez em 1873, no tratado Sobre o Sentido Óptico da Forma: Uma Contribuição para a Estética, para descrever a experiência estética, argumentando que uma “simpatia estética” (Brolezzi, 2014, p. 155) podia derivar do simples ato de contemplação de uma obra de arte. Definia-se pela participação ativa do observador ao contemplar uma peça artística ou outro conteúdo visual, numa experiência recíproca de partilha entre corpo e objeto percebido, e focava-se nos sentimentos do observador relativamento ao objeto (Nowak, 2011, p. 304). Nas palavras de Koss (2006, p. 139), einfühlung traduzia o “envolvimento percetual ativo do observador com uma obra de arte”133.

Vischer expressou a experiência da seguinte forma:

Confio a minha vida individual à forma sem vida, assim como eu […] faço com a outra pessoa viva. Só ostensivamente permaneço o mesmo, embora o objeto continue a ser um outro. Pareço meramente adaptar-me e conectar-me a ele como uma mão aperta a outra, e ainda assim estou misteriosamente transplantado e magicamente transformada neste outro.134 (Robert Vischer, 1873, citado em Koss, 2006, p. 139)

A empatia era assim descrita como um conjunto de ações que envolvia a componente física, emocional e psicológica, na experiência do observador com a obra de arte ou com outro indivíduo; neste processo, a identidade do sujeito era desafiada e o objeto era assimilado. O pensamento de Vischer colocava assim o observador num lugar central da experiência estética. As ideias do autor assentavam na distinção entre o olhar passivo (sehen)135 e o olhar ativo (schauen)136, estando o último relacionado com a corporalidade e transportando significados emocionais, bem como a capacidade de animar objetos inanimados, através de “impulso mimético”137 (Nowak, 2011, p. 305).

einfühlung definia a visão como uma busca ativa, ainda que inconsciente; essa busca ativa não se limitava em impregnar-se da aparência do objeto, mas implicava a projeção corporal do observador para dentro do objeto observado (Anderson, 2012, p. 85). Era

133 Tradução livre do inglês: “viewer’s active perceptual engagement with a work of art”.

134 Tradução livre do inglês: “I entrust my individual life to the lifeless form, just as I […] do with another living person. Only ostensibly do I remain the same although the object remains an other. I seem merely to adapt and attach myself to it as one hand clasps another, and yet I am mysteriously transplanted and magically transformed into this other.”

135 Em alemão: ver.

136 Em alemão: olhar.

137 Tradução livre do inglês: “mimetic impulse”.

81 precisamente o ato ativo de olhar que determinava o carácter da experiência estética. A perceção artística implicava envolvimento empático, que se constituía por sensações e reações corporais no observador, a partir de objetos ou conteúdos específicos, evocando determinadas emoções. A mímica auxiliava na identificação do sujeito com o objeto, para o qual o primeiro, de um modo imitativo, transferia o sentimento. O olhar, segundo Vischer, era um ato totalmente físico e psicológico. Entendia que a empatia devia ser interpretada nas componentes fisiológica e psíquica, caracterizada por um processo de sentimento e identificação em que o corpo experienciava outro em si mesmo.138

A empatia era desencadeada pelos sentimentos de similaridade e homogeneidade entre observador (sujeito) e observado (objeto), uma semelhança avaliada por meio do corpo.

Vischer destacava o papel fundamental da imaginação na empatia, no contexto estético e artístico; era através da imaginação que o observador se envolvia numa relação de empatia com o objeto e lhe concedia valor emocional, animando-o como se do próprio corpo se tratasse. A imaginação permitia, segundo o autor, que se originasse uma união entre o sujeito e o objeto (Nowak, 2011, p. 305).

Em 1903, o filósofo alemão Theodor Lipps introduziu o conceito da empatia na psicologia, pensada no contexto da experiência estética, para representar a relação entre observador e obra de arte, explorando este conceito na esfera da intersubjetividade, que determinava “em termos de imitação interior dos movimentos percebidos de outros”139 (Gallese, 2003, p. 175). Este processo envolvia a projeção para dentro de outro, derivando na sensação de estar no interior de outro indivíduo, propondo uma relação entre movimento interno e a nossa “capacidade de entender os outros, atribuindo-lhes sentimentos, emoções e pensamentos”140 (Ibid.).

Em Empatia e Prazer Estético, Lipps (1906), citado em Anderson (2012, p. 85), expressou a noção desta forma: “Permeio-os com […] esforço, atividade e poder.

Apreendidos pela razão, carregam dentro de si, na medida em que são ‘meus’ objetos, este pedaço de mim próprio.”141 Lipps afirmava que o sujeito fornecia afeto e força ao

138 Conforme Anderson (2012, p. 87): “[…] it was the spatial form of an object, manifest on the skin as in the mind, occasioning a sense not simply of feeling but also of alignment. The subject's body, literally moved by the object, became other unto itself; and finally, Einfühlung, Vischer seems to propose, is not simply enacted onto and within the object being perceived, but is rather compelled by that object, as a summons for the viewing subject to be in and of its world.”

139 Tradução livre do inglês: “in terms of inner imitation of the perceived movements of others”.

140 Tradução livre do inglês: “the capacity of understanding others by ascribing them feelings, emotions and thoughts”.

141 Tradução livre do inglês: “I permeate them with […] striving, activity, and power. Grasped by reason, they bear within them, insofar as they are ‘my’ objects, this piece of myself.”

82 objeto, no ato da sua perceção, atribuindo ao observador um papel ativo que permitia aos objetos existirem e serem vistos. Através da empatia, o sujeito tomava consciência da condição emocional do objeto manifesta através de indícios sensoriais. Como refere Nowak (2011, p. 306), tanto uma obra de arte como um fenómeno natural transportam sentimentos que o espectador pode ativar e qualquer objeto é passível de suscitar empatia. O prazer estético é qualificado por Lipps como atributo da contemplação estética, distinta em cada contacto individual com a obra de arte, onde um sentido de semelhança entre observador e objeto observado se constrói, unificando-os – dessa união deriva o prazer estético (Funch, 1997, p. 196). Esse prazer traduz-se na marca deixada pela própria vida ou intenção de vida do objeto, representando a sua componente psicológica intrínseca.142

Esta abordagem refletiu-se mais tarde nas teorizações sobre a empatia do seu admirador Freud. Este considerou a empatia, no seguimento dos raciocínios de Lipps, um aspeto essencial na psicanálise e utilizou o termo einfühlung, desde 1905. Em Inibição, Sintoma e Angústia, Freud (1926), citado em Gallese (2009, p. 523), expressou que “é somente pela empatia que sabemos da existência de vida psíquica para além da nossa”143.

Lipps propôs igualmente o termo grego empatheia144 para substituir o conceito de einfühlung, motivando a sua tradução, em 1909, por Edward Bradford Titchener, para o inglês empathy e originando as traduções subsequentes noutras línguas (Gallagher, 2012, p. 168).

A terminologia e tradução da palavra levantavam discussão, uma vez que os diversos autores distinguiam as conceções de empatia, simpatia e compaixão, cada um com uma perspetiva diferente. Max Sheler privilegiava o termo simpatia, que descrevia como uma correspondência de sentimento, sendo essencialmente intersubjetiva (Ibid.). Hume também usou o mesmo termo, embora com uma definição mais próxima da esfera da psicologia, expressando a ideia da mente humana ser um espelho para outro humano.

Considerava que a simpatia não era um sentimento imediato, mas derivava antes de um ato de dedução sobre a condição emocional de outro ser (Ibid., p. 169).

142 Conforme Funch (1997, p. 196): “Aesthetics pleasure is an impression the object’s innate life or life potentialities. In other words, the aesthetic object is a symbol of psychological content signifying the possession of its own life and soul.”

143 Tradução livre do inglês: “It is only by empathy that we know the existence of psychic life other than our own.”

144Empatheia compõe-se por: “en” (no interior) + “pathos” (sentimento ou paixão) (Escrivá & García, 1997, p. 193). De acordo com Gallagher (2012, p. 168), no contexto da filosofia grega, “empatheia […]

meant simply being in a state of passion, not necessarily a passion related to another person.”

83 Lipps focou o seu interesse na gestualidade e expressividade. Segundo o autor, a empatia assentava no “espelhamento sensório-motor”145 (Ibid., p. 168), processo pelo qual o ser humano imitava internamente e involuntariamente os movimentos manifestados por outros, uma aptidão inata ao ser humano que resultava, principalmente no caso da empatia estética, na identificação total entre o observador e o movimento (Stueber, 2010, p. 8). O objeto despertava primeiro as emoções relacionadas com os gestos ou as expressões; depois, o sujeito projetava as mesmas para dentro do objeto (Nowak, 2011, p. 307). Já Heidegger, citado em Andrews (2004, p. 218) definia a empatia como uma “estrutura ôntica”146, que implicava as características ontológicas do ser humano em ser-com147, rejeitando a ideia da empatia ser inata ao indivíduo.

A obra de arte era considerada por Lipps um dos objetos empáticos.148 A empatia com a arte estava condicionada à “forma de vida”149 (Nowak, 2011, p. 306) concebida pelo artista, sujeita à ação empática. O autor entendia ainda que a arte tinha de revelar os aspetos ocultos e não propriamente apresentar a aparência da realidade; neste sentido, realçava o valor cognitivo da empatia para o observador.

Lev Vygotsky foi um psicólogo que investigou a teoria da empatia que Lipps desenvolveu, analisando a reação estética, na qual o observador entrava na esfera de outro – outra pessoa, outro objeto, outro universo – através da arte (Brolezzi, 2014, p.

156). Vygotsky apresentou, inicialmente, duas teorias opostas para descrever a experiência estética. Argumentou primeiro que a reação estética no observador era originada pela arte e os seus objetos, estimulando-o sensorialmente e aos quais respondia por emoções (Ibid., p. 157). A segunda teoria surgiu na insuficiência da primeira ao elucidar o fenómeno estético e implicava o direcionamento do olhar para o observador. Neste caso, não era a arte que provocava a emoção, era o observador que projetava os seus sentimentos para a obra (Ibid., p. 158). Ainda assim, o psicólogo considerou que faltavam fundamentos a qualquer uma das teorias para interpretar o vínculo entre sentimento e objeto.

Vygotsky entendia, em primeira instância, que a empatia permitia incorporar experiências de outros e dar extensão às nossas próprias, transformando o nosso mundo, através da arte; conferia às expressões emocionais e artísticas qualidades cognitivas,

145 Tradução livre do inglês: “sensory-motor mirroring”.

146 Tradução livre do inglês: “ontic structure”.

147 Conforme Heidegger, citado por Andrews (2004, p. 218) “Being-with”.

148 Lipps classificou os objetos de empatia em 4 tipos distintos: a vida psicológica do humano, a vida psíquica dos animais, a natureza e as obras de arte (Nowak, 2011, p. 306).

149149 Tradução livre do inglês: “form of life”.

84 culturais e sociais (Ibid., p. 159). A ligação da reação estética com a arte constituía-se por aspetos do foro intelectual e emocional e o enlevo provocado pela mesma, que não se operava apenas a um nível biológico, envolvia a emergência de emoções opostas ou conflitos que se ultrapassariam no auge do contacto estético, levando a uma eventual libertação de emoções e sentimentos e à consequente sensação de alívio – a catarse (Ibid., p. 161). Para o psicólogo soviético, o aspeto social subconsciente, despertado pela arte, era o que levava à catarse.

Conforme referem Barroco & Superti (2014, p. 28), a experiência de superar esse conflito de emoções despertadas pela arte envolve várias componentes psicológicas, nomeadamente a abstração e a criatividade, alimentando-se da imaginação. Vygotsky defendia que as emoções suscitadas pela obra artística eram emoções inteligentes, não resultavam numa reacção motora imediata e estavam envolvidas com outras componentes psicológicas, nomeadamente a imaginação (Ibid.). O autor tinha em consideração, na temática da catarse, características cognitivas, sociais e culturais, afastando-se do contexto mais íntimo da catarse em Freud, por exemplo. Entendia que a catarse não podia acontecer sem a empatia; a faculdade de nos posicionarmos no lugar de uma obra ou de uma figura, de dentro de nós para o social, constituía um modo essencial de nos relacionarmos com a arte (Brolezzi, 2014, p. 163).

O psicólogo Gordon Allport mencionou a estética, nas suas reflexões sobre a personalidade, para explicar como se desenvolvia a compreensão, argumentando que a experiência estética era muito similar à experiência do conhecimento de outro indivíduo; ressaltou, no entanto, que existia uma dimensão distinta no prazer estético, uma vez que a experiência estética é imediata e singular (Escrivá & García, 1997, p.

198).

Allport, considerava que a empatia comportava uma componente inferente e outra intuitiva, num resultado sujeito à posição que cada indivíduo tomava. Segundo a sua definição, a empatia era “a transposição imaginativa de si mesmo no pensar, sentir e agir de outro”150 (Allport, 1961, citado em Escrivá & García, 1997, p. 196). O psicólogo entendia que a empatia era essencial para a compreensão tanto da personalidade como da conduta social, motivando o comportamento pró-social (Escrivá & García, 1997, p.

150 Tradução livre do espanhol: “la transposición imaginativa de uno mismo al pensar, sentir y actuar de outro”.

85 202). Da atividade empática derivava assim uma harmonia com a atividade mental de outro ser.151

O historiador de arte Wilhelm Worringer, cujo nome está ligado ao movimento expressionista, escreveu, em 1906, Abstração e Empatia: Uma Contribuição para a Psicologia do Estilo, uma tese na qual expressou as suas ideias sobre as questões da empatia e da abstração. O autor, que pressupunha a obra de arte em pé de igualdade com a natureza, na sua essência mais íntima, apontava para, no contexto da estética moderna, a passagem do “objetivismo estético” para o “subjetivismo estético”152 (Worringer, 1906, p. 66), apoiada no comportamento do observador e que conduzia à teoria da empatia. Na sua investigação, propunha demonstrar que a experiência artística do ser humano se edificava sob dois pólos opostos, a “emergência pela empatia”153, em que a satisfação estética se atingia pela beleza orgânica, e a “emergência pela abstração”154, um impulso que se satisfazia na esfera de elementos inorgânicos. Caracterizando a fruição estética em termos de auto-prazer155, que envolvia a empatia, definiu o prazer estético como auto-prazer objetivado156, sugerindo que a fruição estética do indivíduo se traduzia na experiência empática do indivíduo noutro objeto sensível.157 Entendia que o valor das formas visuais correspondia, para o espectador, ao valor da vida que continham, apreciando-se a sua beleza pela projeção do “nosso próprio sentimento vital”158 (Ibid., p. 67).

O autor exprimiu que é, de modo geral, pela vida que o ser humano sente empatia, qualificando a vida como energia, correspondente ao esforço interior, à atividade, uma atividade motivada pela vontade, e identificou a “atividade apercetiva geral”159 (Ibid.) na ação empática. Conforme descreveu o autor, “cada objeto sensível, na medida em que ele existe para mim, é sempre o produto de duas componentes, do que é sensivelmente dado e da minha atividade apercetiva.”160 (Ibid.).

151 Conforme Allport (1961), citado em Escrivá & García (1997, p. 202): [La empatía] “cuando se ha iniciado, nos permite sintonizar con la vida mental del otro”.

152 Tradução livre do inglês: “aesthetic objectivism” e “aesthetic subjectivism”.

153 Tradução livre do inglês: “urge to empathy”.

154 Tradução livre do inglês: “urge to abstraction”.

155 Conforme Worringer (1906, p. 66): “self-enjoyment”.

156 Conforme Ibid.: “objectified self-enjoyment”.

157 Conforme Ibid.: “To enjoy aesthetically means to enjoy myself in a sensuous object diverse from myself, to empathize myself into it.”

158 Tradução livre do inglês: “our own vital feeling”.

159 Tradução livre do inglês: “general apperceptive activity”.

160 Tradução livre do inglês: “Every sensuous object, in so far as it exists for me, is always the product of two components, of that which is sensuously given and of my apperceptive activity”.

86 A essência multidimensional da empatia continua a evidenciar-se no contexto filosófico.

A teoria da empatia foi reformulada pela filosofia fenomenológica, que considerava a empatia “uma forma específica de perceção de estados psíquicos manifestados na expressão corporal”161 (Nowak, 2011, p. 321). Merleau-Ponty, nomeadamente, preocupou-se com as consequências estéticas da “sensação de envolvimento corporal”162 (Freedberg & Gallese, 2007, p. 197) provocado pela obra de arte e abordou também a questão da imitação corporal dos gestos implícitos do artista, por exemplo, dos gestos manuais do processo de desenho (Ibid., p. 198).

Nos raciocínios já existentes sobre a empatia, a implicação corporal e a existência de respostas emocionais constituem uma relação mais tarde repensada por Edmund Husserl, no desenvolvimento deste conceito em termos fenomenológicos, embora o autor considerasse que a empatia ia muito além de um mecanismo de mimetismo involuntário (Gallagher, 2012, p. 168). De acordo com as ideias que Husserl expressou, dispomos de “acesso fenomenológico”163 (Biocca, 1997, p. 22) às esferas intelectuais, intencionais e sensoriais. Simulando empaticamente estados internos alheios, derivados de movimentos e sinais corporais, construímos a nossa perceção de outros indivíduos.

Considerava assim a empatia intensamente enraizada na experiência partilhada do nosso corpo, uma experiência que nos tornava capazes de reconhecer o outro como um ser idêntico a nós, e não apenas um corpo e uma mente. A perceção não existia sem “a consciência do corpo ativo”164 (Gallese, 2010, p. 83). Max Scheler, conforme refere Gallese (2008, p. 775), partilhava também dessa opinião.

Husserl contestou, ainda assim, a imitação como base da empatia, conforme defendia Lipps, argumentando que o indivíduo podia compreender expressões que não conseguisse imitar e realçou a importância da distinção entre os diversos estados de espírito. Para Husserl, a empatia era, nas palavras de Adam Wegrzecki (1992), citado em Nowak (2011, p. 321), “uma forma de participação no ser de outra pessoa, compartilhando sua vida espiritual”165. O filósofo argumentava também que a empatia subentendia considerarmos os outros iguais a nós, sem que essa conclusão fosse

161 Tradução do inglês: “a special kind of perception of psychical states manifested in bodily expression”.

162 Tradução livre do inglês: “a sense of bodily involvement”.

163 Conforme Biocca (1997, p. 22): “phenomenal access”.

164 Tradução livre do inglês: “the awareness of the acting body”.

165 Tradução livre do inglês: “a form of participation in the being of another person, sharing in his spiritual life”.

87 resultado de uma “inferência por analogia”166 (Husserl, 1931, citado em Gallese, 2008, p. 774). Associava também à empatia um carácter de experiência intencional. Nas palavras de Husserl (1925), citado em Jardine (2015, p. 275), “a intencionalidade em nosso próprio ego, que leva ao ego alheio, é a chamada empatia”167. A ideia da presença de intenção foi partilhada também por Edith Stein, que entendia a empatia como uma consciência intencional da experiência de outros (Jardine, Ibid.). Merleau-Ponty (1962) descreveu, em Fenomenologia da Percepção, como os gestos são percecionados e comunicados tendo em conta a qualidade mútua das intenções e gestos do observador e do observado, como se a intenção do outro fizesse parte do nosso próprio corpo, e vice-versa (p. 185).168

Husserl considerava a empatia, segundo Andrews (2004, p. 217) um “modo fundador, uma condição transcendental do mundo objetivo”169. Era primeiro formado cognitivamente pelo indivíduo para poder ser experienciado intersubjetivamente, ou seja, no espaço partilhado com outros (Ibid., p. 219), tornando a empatia fundamental para estudar a forma como a objetividade do mundo se construía.

Em 1912, no livro Sobre o Problema da Empatia, Stein expressou que a empatia não se traduzia só pela perceção das emoções alheias e implicava a experiência do outro como nossa por uma “apreciação de similaridade”170 (Gallese, 2010, p. 83), onde se incluía a experiência das ações. Os estudos de Stein não se referiam à experiência estética mas sim à faculdade do ser humano “experienciar e sentir, pensar e interagir”171 com outros (Nowak, 2011, p. 321), pressupondo um contacto direto com outro indivíduo. Não se produzia, segundo a autora, uma unificação entre os sujeitos, uma vez que o ser humano não experienciava os sentimentos de outros como os seus próprios, originando, ao invés de uma união, uma alteridade (Ibid., p. 322). Como referiu Stein (1989), citada em Nowak (Ibid., p. 323), a empatia, como processo de conhecimento do outro, levava à

166 O conceito de inferência por analogia foi sugerido por John Stuart Mill. Conforme Stueber (2010, p.

8): “According to the inference from analogy, we infer that the other person is in a particular mental state by observing his physical behavior and by knowing that such behavior is on our case associated with a particular mental state, while assuming that the other person is in relevant aspects like me.”

167 Tradução livre do inglês: “The intentionality in one’s own ego that leads into the foreign ego is the so-called empathy”.

168 Conforme Merleau-Ponty (Merleau-Ponty, 1962, p. 185): “The sense of the gestures is not given, but understood, that is, recaptured upon by an act on the spectator's part. The whole difficulty is to conceive this act clearly without confusing it with a cognitive operation. The communication or comprehension of gestures comes about through the reciprocity of my intentions and the gestures of others, of my gestures and intentions discernible in the conduct of other people. It is as if the other person's intention inhabited my body and mine his.”

169 Tradução livre do inglês: “a founding mode, a transcendental condition of the Objective world”.

170 Tradução livre do inglês: “appreciation of similarity”.

171 Tradução livre do inglês: “experience and feel, think and interact”.

88 auto-reflexão, ao conhecimento de si mesmo, comparando as vivências e ponderando os valores morais e pessoais.

As inúmeras definições da empatia estenderam-se ao domínio da reflexão psicanalítica.

Neste contexto, a questão dominante era relacionar a empatia com os conceitos de transferência e contratransferência. Conforme refere Gallese (2008, p. 769), Aragno entendeu a empatia como uma forma instintiva de aceder à esfera interna de outro, um processo que ocorre comummente nas interações da vida social. Gallese (2008) distingue o pensamento de Zepf & Hartmann, que se focaram antes na pertinência clínica do fenómeno da empatia, expondo a compreensão através da empatia como o produto de processos psíquicos que permitiam a aplicação intencional da contratransferência com o intuito de saber o que o paciente tinha na mente (Ibid.).

O aspeto social da empatia foi realçado pelo psicólogo Martin Hoffman, na sua teoria da socialização moral. Hoffman considerou a empatia, à semelhança dos raciocínios de Allport, um processo fundamental no comportamento moral, especificamente na

“conduta altruísta” (Escrivá & García, 1997, p. 192).

A discussão moderna sobre o conceito de empatia baseia-se em dados de psicologia de desenvolvimento, teorias cognitivas e fenomenológicas, assim como de descobertas recentes no campo da neurociência, nomeadamente da neurociência cognitiva, incluindo a área da cognição social. No campo neurocientífico, a empatia baseia-se num sistema de espelhamento, interno ao ser humano, que associa a empatia a um processo de ressonância. De um modo geral, possuímos o que se designa de neurónios-espelho, localizados no córtex pré-motor e nas áreas parietais do cérebro, que se ativam quando o sujeito se envolve em alguma ação intencional, quando vê outra pessoa a envolver-se nessa mesma ação ou quando a imagina – na acção, na observação e na imaginação (Gallagher, 2012, p. 168). Este mecanismo está implicado na imitação de movimentos, na aprendizagem pela imitação, na perceção de manifestações de comunicação e na identificação de intenções.172 Juntamente, outros mecanismos de espelho atuam na faculdade de partilha de emoções e sensações com outras pessoas. Gallese (2008, p.

771) refere que quando o observador perceciona uma emoção básica expressa por outro através de mímica facial, são ativados, em consonância e de acordo com a sua essência

172 Esse mecanismo designa-se por sistema de neurónios espelho (Gallese, 2008, p. 770).

89 empática, os seus próprios músculos faciais; o mesmo conjunto de estruturas cerebrais acionam-se quando observamos e imitamos expressões de emoções básicas.

A perceção e expressão da mímica facial, relativamente a emoções, ocorrem em estruturas neurais cuja função é descrita como um sistema de simulação corpórea173 (Ibid.). Quando expostos a uma expressão facial, ligamos a mesma a um estado afetivo específico e esta perceção da emoção do outro é primeiramente formada e diretamente entendida através da simulação corpórea, originando uma experiência de presença174 derivada de “um estado de corpo partilhado”175 (Ibid.) por observador e observado, que é precisamente o que permite a compreensão direta. Os resultados das investigações de Gallese (2008) sugerem que os mecanismos de simulação corpórea – em que as mesmas estruturas neurais que sustentam o nosso próprio universo emocional e sensorial se ativam – são responsáveis pela nossa capacidade empática para com o outro. O autor considera ainda que a empatia não se resume à nossa identificação e ligação com outros; permite igualmente partilhar a experiência do outro, conseguindo, ainda assim, distanciá-la de si mesmo.176

Freedberg & Gallese (2007) investigaram a relevância da empatia no contexto da experiência estética, apresentando-nos uma abordagem centrada nos fenómenos corpóreos e sentimentos empáticos que derivam da contemplação de uma obra de arte pelo seu teor visual, onde explicam os mecanismos neurais por detrás da força empática das imagens, considerando a função da já referida simulação corpórea e os sentimentos de empatia que daí derivam. Na mesma perspetiva, os autores analisaram também um dos efeitos produzidos por uma obra artística - “o efeito sentido”177 (Ibid., p. 197) de gestos específicos implicados na sua criação. O sentimento de envolvimento empático gerado na experiência estética poderá traduzir-se na compreensão de emoções alheias representadas na obra ou numa “sensação de imitação interna”178 (Ibid.) dos movimentos alheios observados.

173 Conforme Gallese (2008, p. 771): “embodied simulation mechanism”.

174 Conforme Ibid. : “an ‘as-if’ experience”

175 Tradução livre do inglês: “a shared body state”.

176 Conforme Ibid., p. 773: “The hypothesis I am proposing is that a common underlying functional mechanism – embodied simulation – mediates our capacity to share the meaning of actions, intentions, feelings, and emotions with others, thus grounding our identification with and connectedness to others.

However, self-other identity is not all there is in empathy. Empathy, unlike emotional contagion, entails the capacity to experience what others do and yet attribute these shared experiences to others and not to the self.”

177 Tradução livre do inglês: “the felt effect”.

178 Tradução livre do inglês: “sense of inward imitation”.

90 Um dos fenómenos reportados por espectadores de arte é a empatia corporal, correspondendo a respostas físicas manifestadas por uma associação de semelhança entre os nossos sentimentos e os que as figuras representadas traduzem, e também pelo estado em que o corpo ou a carne se encontram representados. Por exemplo, ao ver uma parte magoada ou ameaçada de um corpo, o observador poderá sentir uma resposta física na mesma parte do corpo que na figura representada, levando naturalmente a que a empatia física se transforme numa empatia sentimental pela componente emocional que deriva da forma como o corpo se encontra ferido.179 Mesmo que a obra não manifeste claramente uma componente emocional, é possível que se origine um sentido de “ressonância corporal”180 (Ibid.).

O observador pode também sentir um envolvimento corporal com os movimentos que perceciona na obra, pelas marcas físicas, como gestos realizados no ato da sua conceção, por exemplo, as pinceladas de uma pintura.

No que diz respeito às emoções e sensações, no contexto do fenómeno da simulação corpórea na vivência estética, algumas teorias do século XVII sobre a fisionomia propunham já uma relação mútua entre uma expressão facial e uma emoção particular.

Atualmente, diversos estudos do domínio neurocientífico divulgam os princípios sobre os quais assenta essa ligação, fundamentando o importante papel do sistema sensório-motor na identificação de emoções que outras pessoas manifestam. Freedberg & Gallese (2007) apontam a importância da investigação de Damásio, que demonstrou, tendo em conta a relação entre as emoções e os presentes estados de corpo, a relação dos sentimentos, definidos como a perceção consciente das emoções,181 ao mapeamento neural dos estados corporais – reações ocorrem no cérebro, que simulará somaticamente os estados observados (ou percebidos, se implícitos), numa sensação de presença corporal.182

Outra resposta estética envolvida na simulação corpórea é a que deriva das propriedades formais e das marcas de movimentos que o artista usou no seu processo criativo. Os gestos implícitos podem provocar um envolvimento empático do observador, ativando a simulação do sistema motor associado a esses gestos (Ibid., p.

202). Da mesma forma, a observação das ações exibidas numa obra, até numa imagem

179 Conforme Freedberg & Gallese (2007, p. 197): “physical empathy easily transmutes into a feeling of empathy for the emotional consequences of the ways in which the body is damaged or mutilated.”

180 Tradução livre do inglês: “bodily resonance”.

181 Conforme Ibid. (p. 201): “the conscious awareness of emotions”.

182 Conforme Ibid.: “‘as if’ the body were present”.

91 estática, provoca frequentemente uma sensação de reflexo ou de imitação ao nível corporal; precisamente, a verificação, de uma ação ou de uma intenção, ativa, no cérebro do observador, a representação motora dessa ação, simulando-a (Ibid., p. 200).

Destaca-se também a experiência de simulação que ocorre perante os objetos, envolvendo as interações que determinam o objeto, a forma como presumivelmente se manuseia, estimulando as zonas cerebrais motoras responsáveis pela nossa interação com esse mesmo objeto. Aliada às repostas emocionais que dela derivam, a simulação motora é, conforme realçam Freedberg & Gallese (2007, p. 201), fundamental na experiência estética com objetos representados em peças artísticas; o espectador anima o inanimado através da simulação corpórea suscitada no seu cérebro.

Os autores expõem assim a relevância do processo de simulação corpórea que gera as

“respostas empáticas automáticas”183, que se refletem no enquadramento da experiência estética, levando o observador a colocar-se num lugar de experiência e compreensão diretas das intenções e emoções das representações visuais. Os mesmos autores referem que no contexto da arte de figuração, o potencial estético da obra será essencialmente influenciado pela capacidade, consciente e inconsciente, que o artista possui em “evocar uma resposta empática”184 (Ibid., p. 202).

Dyer (2011, p. 89) argumenta que as figuras de Schiele transmitem atividade pelo seu estilo expressionista que, de forma auto-refletiva, denuncia o ato de conceção. As suas representações de si comportam, segundo a autora, um carácter de subjetividade interativa. Schiele apresenta-se como “sujeito a ser compreendido”185 (Ibid.), em diversos estados físicos e expressivos que o observador percecionará como fazendo parte do interior do artista. As suas figuras têm frequentemente o olhar virado para o observador, como se atuassem em frente a um espelho, desafiando-o a conhecer o universo auto-representativo do artista. Existe uma relação ativa especular entre a figura e o observador. A figura olha para o observador, esperando um olhar recíproco.

Segundo Dyer (2011, p. 97), os corpos de Schiele não pretendem refletir o observador, mas sim, refletir o próprio artista, incitando o espectador a colocar-se no seu lugar, observando a figura como o artista se observaria ao espelho.

183 Tradução livre do inglês: “automatic empathetic responses”.

184 Tradução livre do inglês: “evoking an empathetic response”.

185 Tradução livre do inglês: “subject to be understood”.

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