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Empoderar para combater

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2.3 Bullying e Questões de Gênero

2.3.4 Empoderar para combater

Empoderamento (livre tradução de Empowerment) pode ser escolhida como a palavra dos últimos anos. Ela está em todos os lugares, hoje bastante ligada à questão das mulheres, nas suas diferentes formas e envolvendo suas diferentes lutas: gordas, negras, de cabelo cresço, lésbicas/bissexuais, trans. Segundo Cortez e Souza (2008),

O empoderamento implica, pois, no reconhecimento das restrições sociais a que a categoria está submetida e da necessidade de reversão dessa situação, por meio de mudanças em um contexto amplo/público (inserção em cargos de poder/decisão, educação não sexista e serviços de saúde adequados) e também em contextos mais específicos, ou individuais (aumento de auto- estima e autonomia, reorganização do trabalho doméstico, etc) (CORTEZ; SOUZA, 2008, p. 172).

A partir do momento que as mulheres começam a praticar essa “solidariedade feminina” a empatia é evidenciada, já que em algum nível todas passam pelas situações de abuso, medo e insegurança que desejam evitar, e as relações começam a se transformar. É assim que a sororidade abre espaço para o empoderamento (individual e coletivo) e combate o mito da rivalidade feminina.

O fato de conseguirem se colocar nessa posição empática umas com as outras, de problematizarem essa competição e de se negarem a continuar mantendo essa ordem, não a aceitando mais como natural, promove uma rachadura na estrutura social patriarcal e misógina, alimentando um novo ciclo de empoderamento coletivo.

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A definição de empoderamento é próxima da noção de autonomia, pois se refere à capacidade de os indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher, enfim entre cursos de ação alternativos em múltiplas esferas – política, econômica, cultural, psicológica, entre outras. Desse modo, trata-se de um atributo, mas também de um processo pelo qual se aufere poder e liberdades negativas e positivas. Pode- se, então, pensar o empoderamento como resultante de processos políticos no âmbito dos indivíduos e grupos (HOROCHOVSKI; MEIRELLES, 2007, p. 486).

Os autores colocam ainda que “empoderar é o processo pelo qual indivíduos, organizações e comunidades angariam recursos que lhes permitam ter voz, visibilidade, influência e capacidade de ação e decisão” (HOROCHOVSKI; MEIRELLES, p. 486). Esses recursos podem ser entendidos de maneiras diferentes em cada área que a palavra empoderamento atua. Como estamos lidando com a questão no âmbito do gênero, podemos entender esses recursos como tudo o que a estrutura patriarcal furta das mulheres, especialmente a autoestima.

Quando uma mulher começa seu processo de empoderamento, a primeira coisa que será trabalhada nela é a sua autoestima. A imagem das mulheres é violentamente minada todos os dias pelos mais diversos meios de comunicação. A influência da mídia na construção da identidade feminina é indiscutível, à medida que

As revistas femininas geralmente funcionam como verdadeiros manuais de comportamento, elaborando scripts comportamentais contrastantes que orientam meninos, meninas, homens e mulheres no trânsito pelo mundo social. Esses textos, típica manifestação cultural, costumam ser construções monolíticas que lidam com as noções de sexo, sexualidade e gênero como categorias estáticas e a-históricas, fornecendo modelos para a identificação e para a ocupação de determinadas posições de sujeito que auxiliam na construção de identidades generificadas – como, por exemplo, “as mulheres são mais flexíveis e emocionais que os homens” (FRABRICIO, 2004, p. 244).

O problema reside na naturalização e pressão social para que todas as mulheres sigam esse modelo. Às desviantes sobra o escárnio. Quando levamos a questão para o âmbito da aparência física a situação fica ainda mais gritante. Não é incomum que meninas cada vez mais novas sofram uma pressão tão grande sobre sua aparência que chegam a extremos15.

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A pressão para ser aceita socialmente acaba por moldar a identidade da maioria das mulheres. O processo de empoderamento chega como uma quebra nesse sistema, questionando padrões, dialogando com todas as vivências e trazendo uma nova ótica, de si e do mundo, para as mulheres.

É possível creditar o sucesso desse conceito à popularização das redes sociais, onde a difusão de uma ideia tende a ter um alcance impensável anos atrás. Em uma pesquisa rápida no Youtube, por exemplo, colocando a palavra “empoderar” no buscador encontramos cerca de 20.000 resultados. Há pelo menos 4 anos, o feminismo tem se remodelado. Já se fala de uma “nova onda do feminismo”, que invadiu a casa de muita gente, através das redes sociais digitais e até sendo tema de alguns programas de televisão aberta.

A facilitação ao acesso à Internet que presenciamos nos últimos anos provocou uma maior capacidade de circulação da informação e esse fato, conjuntamente com a febre das redes sociais digitais fez com que a interação e troca de conhecimento acontecesse de maneira mais democrática. Negrão e Viscarra (2007) pontuaram que

se a freqüência aos locais de acesso às tecnologias de informação possa ser mantida ao logo do tempo, esse proporcionará as mulheres uma maior capacidade de desenvolver suas habilidades não só frente a essas tecnologias de informação, mas capacitá-las a possuir maior auto confiança de si e um posicionamento critico frente a questões que historicamente são marcadas por um pensamento permeado de desigualdade de gênero e descapacitação feminina. Portanto, na medida em que a nova mídia puder ser um mecanismo de democratização das comunicações pode se mostrar elemento estratégico para o empoderamento das mulheres (NEGRÃO; VISCARRA, 2007, p. 632).

O que as autoras previam aconteceu de maneira natural. Os grupos de discussão de temática feminista ganham cada vez mais membros interessados em promover essa desconstrução dos padrões socialmente estabelecidos, seja a partir de discussões acerca de cabelo (movimentos que levantam a bandeira do cabelo crespo), corpo (movimentos contra a gordofobia), movimentos contra o Slut Shaming16, sobre maternidade, sobre envelhecimento, enfim, sobre as mais diversas esferas do ser mulher.

O Ciberativismo, definido por Padilla e Gomes (2016, p. 181) como “uma nova forma de atuação política e social na qual os indivíduos e grupos potencializam suas

16 Movimento contra o estigma social causado por mulheres com comportamento sexual desviante do esperado socialmente. Em livre tradução, “vergonha de ser vadia”. O termo é utilizado como uma bandeira contra essa vergonha de ter um comportamento sexual livre. O jargão “Stop Slut Shaming” é um dos mais conhecidos nos movimentos de mulheres norte-americanas.

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ações políticas, inclusive em nível internacional, utilizando a internet” se tornou uma grande ferramenta no processo de empoderamento das mulheres, visto que é através dele que muitas, hoje, conhecem o feminismo e os grupos de discussão voltados para mulheres. Segundo Fonseca, Silva e Teixeira Filho (2017),

Essas novas tecnologias inauguraram um modelo descentralizado e universal de circulação de informações, permitindo uma comunicação individualizada que vem causando (...) mudanças estruturais mais significativas na produção e distribuição de informações, pois as tecnologias digitais tanto alteram de modo relevante os padrões de produção quanto de difusão da cultura midiatizada (FONSECA; SILVA; TEIXEIRA FILHO, 2017, p. 61 e 62).

Dessa maneira, não podemos negar a importância que as novas mídias têm sobre o processo de empoderamento dessas mulheres, especialmente as mais jovens, que costumam utilizar bastante as redes sociais. É através dessas ferramentas que elas conseguem material para a elaboração de suas próprias subjetividades, em contato com a vivência de outras mulheres.

O empoderamento de meninas tem a ver com a consciência que essas meninas têm de sua condição de mulher numa sociedade predominantemente machista, portanto numa sociedade em que, de modo geral, lhe foi negado protagonismo de pensamento e sentimento, e lhe foi oferecido espaço de adequação. Meninas empoderadas tendem a não ser “adequadas” a papeis que fixam seus traços identitários, fazendo-as parecer imóveis diante da vida.

No próximo tópico, iremos entender um pouco melhor a relação que esse empoderamento tem com o desenvolvimento de resiliência nas meninas que sofrem/sofreram bullying.

2.4 Resiliência: Resistência e Transformação

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