• Nenhum resultado encontrado

Os papéis de cada agente

No documento Download/Open (páginas 30-36)

2.1. Conceituando o Bullying

2.1.4 Os papéis de cada agente

Numa situação de bullying, consegue-se identificar quatro papeis bem definidos, representados pelas partes envolvidas: Autor/a, Alvo, Alvo/Autor/a/ e Espectador/a. A ABRAPIA sugere essa nova terminologia em detrimento da antiga (autor/a, alvo) devido a evitar-se uma estigmatização da comunidade com as crianças e adolescentes envolvidas na situação, especialmente os/as autores/as (FREIRE E AIRES, 2012).A importância de entender as facetas de cada um dos papeis se da na intenção de direcionar a tratativa mais adequada a eles. A seguir discutiremos um pouco sobre esses papeis, de maneira que se clarifique cada modalidade específica.

2.1.4.1 Autor/a

O/A autor/a do bullying é aquele/a que pratica o ato de violência direcionado a algum/a colega. Geralmente visto como “chefe/a” de um grupo, com características de liderança e dentro dos padrões hegemônicos, sendo visto como o/a “normal” em detrimento do/a “anormal” ou do/a “outro/a”, aquele/a que “merece sofrer” por não se encaixar nestes padrões.

31

A distinctive characteristic ofthe bullies is their aggression toward peers. But bullies are often aggressive toward adults as well, both teachers and parents. Generally, bullies have a more positive attitude toward violence and use of violent means than students in general. Further, they are often characterized by impulsivity and a strong need to dominate others. They have little empathy with victims of bullying. If they are boys, they are likely to be physically stronger than boys in general, and the victim in particular (OLWEUS, 1997, p. 500).

Desse modo, entende-se que os/as autores/as têm uma relação diferenciada com a violência, expressando sua agressividade de modo a dominar o outro. Essa dominação também aparece, no caso dos meninos, predominantemente na forma física. Os autores geralmente são mais fortes e se sobressaem aos colegas, e é demonstrando essa força física que conseguem o papel de líder.

No caso das meninas, além do enquadramento nos padrões hegemônicos (neste caso, geralmente ligados à estética), a liderança se configura na capacidade de persuasão. O fato de ser popular e de ter um grupo estabelecido que legitime suas ações traz o prestígio necessário para que a dominação se fundamente. Simmons (2004) acredita que a manifestação da agressão feminina se dá, majoritariamente, através da manipulação do grupo social em que estão inseridas.

Segundo uma pesquisa da ABRAPIA feita em 20048, a faixa etária para ser autor/a ou alvo de bullying é fluida, ou seja, não existe uma idade padrão. Porém a forma como ele acontece muda de acordo com esta faixa etária. Inclusive com meninos, o comportamento mais fisicamente agressivo é observado mais comumente na fase da infância e pré-adolescencia. Segundo Lopes Neto (2005, s/p) “O bullying é mais prevalente entre alunos com idades entre 11 e 13 anos, sendo menos frequente na educação infantil e ensino médio”.

O denominador comum que independe do gênero é a intencionalidade de causar sofrimento. Como dito anteriormente, neste trabalho, assumimos o posicionamento de só tratar como bullying uma situação que envolva pessoas em idade escolar. Essa postura se dá por acreditarmos que o/a autor/a deve ser enxergado de modo semelhante à pessoa alvo, com cuidado e passando por todos os tratamentos necessários para sua recuperação psicológica e conscientização sobre a situação.

8 Disponível em http://www.abrapia.org.br/

32 2.1.4.2 Alvo

O alvo do bullying é a pessoa a quem toda violência (física ou psicológica) é direcionada. Olweus (1997) coloca que

The typical victims are more anxious and insecure than students in general. Further, they are often cautious, sensitive and quiet. When attacked by other students, they commonly react by crying (at least in the lower grades) and withdrawal. Also, victims suffer from low self-esteem, they have a negative view ofthemselves and their situation. They often look upon themselves as failures and feel stupid, ashamed and unattractive.

The victims are lonely and abandoned at school. As a rule, they do not have a single good friend in their class. They are not aggressive or teasing in their behaviour, however, and, accordingly, bullying cannot be explained as a consequence of the victims themselves being provocative to their peers (...). These children often have a negative attitude toward violence and use of violent means. If they are boys, they are likely to be physically weaker than other boys(OLWEUS, 1997, p. 499).

Desse modo, ele acredita que o fato do alvo ter uma auto-estima baixa e uma visão negativa de si mesmo acarreta no fato de permanecerem no lugar de vítima numa situação de bullying. Esses alvos, a quem Olweus chama de “vítimas passivas e submissas” (1997, p. 499), têm dificuldades em manter laços sociais, muitas vezes, não conseguindo fazer amizades, são inseguros e dificilmente contra-atacam.

Fante e Pedra (2008) colocam que

As vítimas típicas são aquelas que apresentam pouca habilidade de socialização, são retraídos ou tímidos e não dispõem de recursos, status ou habilidades para reagir ou fazer cessar as condutas agressivas contra si. Geralmente apresentam aspecto físico mais frágil ou algum traço ou característica que as diferencia dos demais. Demonstram insegurança, coordenação motora pouco desenvolvida, extrema sensibilidade, passividade, submissão, baixa auto-estima, dificuldade de auto-afirmação e de auto- expressão, ansiedade, irritação e aspectos depressivos (FANTE; PEDRA, 2008, p. 59).

Como colocado anteriormente, o alvo do bullying é aquela criança ou adolescente que não atende aos padrões hegemônicos, tendo negada sua afirmação identitária, sendo tratado/a como desviante e que, pelas razões expostas acima, se mantém nesse lugar de vítima por determinados períodos de tempo (algumas vezes até uma vida inteira).

33

Goffman (1982) coloca que uma característica que diferencia uma pessoa de um grupo previamente estabelecido (a sala de aula, por exemplo) é o necessário para que se crie um estigma com aquela determinada pessoa, colocando-a numa posição marginalizada em comparação às outras. Esse estigma pode aparecer através de uma distinção física ou contida nos traços da personalidade. Ele não necessariamente será uma deficiência ou uma marca (como um sinal), pode ser também um trejeito particular, um sinal corporal, o fato de usar óculos ou de ser canhoto/a, a maneira de se vestir, o tipo de cabelo, a religião, a condição financeira e social, entre outras.

O tempo e a regularidade das agressões contribuem fortemente para o agravamento dos efeitos. O medo, a tensão e a preocupação com sua imagem podem comprometer o desenvolvimento acadêmico, além de aumentar a ansiedade, insegurança e o conceito negativo de si mesmo8. Pode evitar a escola e o convívio social, prevenindo-se contra novas agressões. Mais raramente, pode apresentar atitudes de autodestruição ou intenções suicidas ou se sentir compelido a adotar medidas drásticas, como atos de vingança, reações violentas, portar armas ou cometer suicídio (LOPES NETO, 2005, s/p).

Dessa forma, como num processo retroalimentado, o alvo é colocado numa posição marginalizada, o que altera sua auto-imagem, mina sua auto-estima e muitas vezes, sua capacidade de reação, perde amigos ou não consegue fazê-los, fica cada vez mais socialmente isolado e sua capacidade de reação frente à situação torna-se completamente comprometida.

Mais à frente neste trabalho, temos a intenção de discutir os mecanismos de reação dessas pessoas que foram alvo nessa situação, com o objetivo de descobrir como se dá o processo de empoderamento e de desenvolvimento de resiliência de meninas alvos do bullying.

2.1.4.3 Alvo/Autor/a

Os/As adolescentes que se enquadram nessa categoria poderiam ser descritos como um pedido de socorro em si. Lopes Neto (2005) pontua que:

A combinação da baixa auto-estima e de atitudes agressivas e provocativas é indicativa de uma criança ou adolescente que tem, como razão para a prática de bullying, prováveis alterações psicológicas, devendo merecer atenção especial. Podem ser depressivos, inseguros e inoportunos, procurando humilhar os colegas para encobrir suas limitações. Diferenciam-se dos alvos típicos por serem impopulares e pelo alto índice de rejeição entre seus/suas

34

colegas e, por vezes, pela turma toda. Sintomas depressivos, pensamentos suicidas e distúrbios psiquiátricos são mais frequentes nesse grupo (LOPES NETO, 2005, s/p).

Comumente confundido com uma reação, a situação do alvo/autor/a é muito mais séria do que apenas um contra-ataque. Esse grupo dispõe dentro de si de uma combinação explosiva de altos graus de agressividade não controlada + o estigma anteriormente citado que carrega toda uma carga auto-imagética e social.

Diferentemente do/a autor/a típico/a, o/a alvo/autor/a não é popular e seguro de si, podendo inclusive ser bastante rejeitado/a pelos colegas. Eles/as geralmente agem de maneira a reproduzir os maus-tratos que são proferidos contra si, não necessariamente para atingir o lugar de líder do grupo, mas muitas vezes, apenas para mostrar sua força e ganhar o mínimo de respeito.

Fante e Pedra (2008), traçando o perfil desses agentes, colocam que:

são aqueles alunos que são ou foram vitimizados e que acabam reproduzindo os maus-tratos sofridos. Integram-se a grupos para hostilizar seu agressor ou elegem uma outra vítima como “bode expiatório”. Adotam as atitudes de intimidação das quais foram vítimas ou apóiam explicitamente os que assim procedem. Em casos extremos, são aqueles que se munem de armas e explosivos e vão até a escola em busca de justiça. Matam e ferem o maior número possível de pessoas e dão fim à própria existência (FANTE; PEDRA, 2008, p. 60).

Como esse comportamento gera uma descarga de agressividade, a sensação pode tornar-se prazerosa, causando uma espécie de reforço positivo para si no ciclo da coerção. Quando defendemos que, em casos de bullying, o/a autor/a seja tratado/a de maneira semelhante à pessoa alvo, é também na intenção de que casos como esse não se perpetuem. O/A agente alvo/autor/a é um exemplo claro de como se não tratarmos a violência ela pode se ramificar das mais diversas maneiras.

2.1.4.4 Espectador/a

Tendo em mente um cenário escolar, podemos inferir que a maioria dos/as alunos/as não se envolvem diretamente em casos de bullying. Muitos/as passam a vida toda tendo um papel de coadjuvante, de maneira que não se identificam nem como

35

autor/a nem como alvo. Ainda assim, conseguem ter uma participação, mesmo que passiva, diante da situação.

É o caso dos/das espectadores/as. Fante e Pedra (2008) colocam que:

Os espectadores representam a maioria dos alunos de uma escola. Eles não sofrem e nem praticam bullying, mas sofrem as suas conseqüências, por presenciarem constantemente as situações de constrangimento vivenciadas pelas vítimas. Muitos espectadores repudiam as ações dos agressores, mas nada fazem para intervir. Outros as apóiam e incentivam dando risadas, consentindo com as agressões. Outros fingem se divertir com o sofrimento das vítimas, como estratégia de defesa. Esse comportamento é adotado como forma de proteção, pois temem tornar-se as próximas vítimas (FANTE; PEDRA, 2008, p. 61).

O que pode ser lido como apatia, na verdade nos mostra que o medo ronda a todos/as e na grande maioria das vezes mesmo que o/a espectador seja simpático à condição do alvo, ele/a permanece estático sobre a situação.

Paira também sob o grupo o medo incessante de se tornar o novo alvo. O silêncio muitas vezes é usado como uma moeda de troca em prol de sua integridade. Fante (2005) argumenta que:

Os próprios companheiros, espectadores-passivos, sentem-se coagidos à omissão, à conivência e à cumplicidade por não quererem se envolver, ou por medo de se tornarem um novo integrante do “time das vítimas”. Afinal de contas, expor-se a possibilidade de jogar nesse time é algo muito cruel. E depois, quem os ajudaria? (FANTE, 2005, p. 69 e 70).

As consequências para esse grupo de espectadores, no entanto, não são menos brandas. A iminência de viver sob a égide de um grupo violento e de ver de perto até onde pode chegar esses impulsos, sem sucumbir ao medo da delação, causa um nível de estresse que também merece atenção. Lopes Neto (2005, s/p) aponta que “Grande parte das testemunhas sente simpatia pelos alvos, tende a não culpá-los pelo ocorrido, condena o comportamento dos autores e deseja que os professores intervenham mais efetivamente. Cerca de 80% dos alunos não aprovam os atos de bullying”.

O autor coloca ainda que “Quando as testemunhas interferem e tentam cessar o bullying, essas ações são efetivas na maioria dos casos. Portanto, é importante incentivar o uso desse poder advindo do grupo, fazendo com que os autores se sintam sem o apoio social necessário” (LOPES NETO, 2005, s/p). Toda exposição a esse

36

ambiente pode desembocar em graves consequências no desenvolvimento social e psíquico dessas crianças e adolescentes. É absolutamente necessário um esforço conjunto da escola com os pais para que se observe qualquer mudança de comportamento ou desvio de conduta, de modo a trabalhar preventivamente.

O suicídio entre jovens e crianças e até homicídios em massa (como por exemplo, atiradores em escolas) tem sido uma realidade calejada no mundo e começa a chegar a números alarmantes aqui no Brasil. A taxa de suicídio entre jovens de 15 a 29 anos subiu de 5,1 em 2002 para 5,6 em 2014, o que significa um aumento de 10%. Se analisarmos num espaço de tempo um pouco maior, esse número cresce, assustadoramente, para 27,2% de 1980 a 2014.9 Estes números deixam claro que precisamos conversar sobre o sofrimento desses/dessas jovens.

No documento Download/Open (páginas 30-36)