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Escola e Resiliência

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2.4 Resiliência: Resistência e Transformação

2.4.2 Escola e Resiliência

Tavares(2001) defende a tese de que a capacidade de resiliência pode ser desenvolvida não apenas em pessoas, mas também em organizações, em prol da construção de uma nova ordem social. Com esse pensamento em mente, voltamo-nos para escola. Fajardo, Minayo e Moreira (2010) pontuam que:

a promoção da resiliência no âmbito escolar é importante para estabelecer vínculos de sociabilidade, atitudes e comportamentos positivos, reafirmando valores e evitando, dessa forma, o isolamento social que leva a outros problemas graves como violência e a discriminação (FAJARDO; MINAYO; MOREIRA, 2010, p. 767).

Caracterizando-se por ser o primeiro espaço/tempo onde há um contato direto da criança com a comunidade e configurando-se como um microcosmo social, a escola é palco de anos decisivos no desenvolvimento e na constituição cognitiva das pessoas. Os autores acreditam ainda que:

Depois da família, a escola é o meio fundamental e essencial para que as crianças, na sala de aula, adquiram as competências necessárias para ter sucesso na vida, por meio da superação das adversidades. Portanto, saber lidar com as formas de promover a resiliência é a chave para a educação cumprir objetivos fundamentais tais como formar pessoas livres e indivíduos responsáveis (FAJARDO; MINAYO; MOREIRA, 2010, p. 766).

Quando pensamos na situação de crianças e adolescentes que não possuem laços familiares bem construídos, fica ainda mais evidente o papel da escola como um ambiente que tem a responsabilidade de propiciar o desenvolvimento de resiliência para seus/suas alunos/as.

Sousaet al (2014) acreditam que:

Uma escola que pretenda educar para a resiliência deverá, ainda, estabelecer redes com os pais e membros da família dos alunos, visando a construção de um sentido de comunidade dentro da escola, em que a comunicação com

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dignidade e o respeito deverão ser uma constante quotidiana; até porque a combinação das altas expectativas e o apoio adequado proporcionarão aos alunos uma melhor autoeficácia, autoestima e otimismo (SOUSAet al., 2014, p. 31).

Nesse cenário, o professor tem o papel de mediador, já que é ao mesmo tempo (idealisticamente) uma figura de autoridade e alguém que inspira confiança, como um adulto cuidador fora do âmbito doméstico. Ele tem uma atribuição social nesse cenário, que é indispensável numa escola que se pretende resiliente. Assim como no âmbito familiar, sua condução pode ser crucial em situações que podem ajudar a desenvolver o fortalecimento desses alunos ou minar suas auto-estimas, causando estresse e as mais distintas adversidades.

Podemos afirmar que “o processo de educação e motivação dos adolescentes liga-se, diretamente, à confiança atribuída ao mestre” (VARGAS, 2009, p. 113). Não estamos aqui defendendo, a partir desse ideal de confiança, uma concentração de poder desproporcional que acarrete numa postura autoritária e que faça, de alguma maneira, menção a uma hierarquização de conhecimentos, colocando o aluno num patamar mais baixo que o professor. Tratamos da ligação de cuidado e compromisso, no campo da afetividade, onde este vínculo, quando presente, faz toda diferença no desenvolvimento dos processos cognitivos de crianças e adolescentes.

Tavares (2014) acredita que

A escola não pode ser um lugar indiferente ou de mal-estar onde os alunos enchem as cabeças de conhecimentos, de coisas, de artefactos, de regras, de preconceitos, etc. Mas, pelo contrário, terá de ser um lugar e um agente de formação, inovação, de pesquisa para ajudar fazer cabeças bem feitas, digamos, mais inteligentes, mais sensatas, mais equilibradas, mais curiosas e desejosas de questionar, de conhecer-se e conhecer o mundo dos objectos existentes e possíveis, dos acontecimentos e das relações para melhor poderem agir, argumentar e tomar posição, decidir com mais discernimento, espírito crítico, sabedoria (TAVARES, 2014, p. 74).

Para tal, faz-se necessário trazer a discussão para o campo das emoções, rompendo essa dicotomia entre cognição x afetividade em que nosso sistema escolar está fundado, com o objetivo claro de contribuir no desenvolvimento de pessoas com mentes e consciência mais evoluída, flexível e reflexiva. Arantes (2002) defende

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a idéia de que tais conteúdos relacionados à vida pessoal e à vida privada das pessoas podem ser introduzidos no trabalho educativo, perpassando os conteúdos de matemática, de língua, de ciências, etc. Assim, o princípio proposto é de que tais conteúdos sejam trabalhados na forma de projetos que incorporem de maneira transversal e interdisciplinar os conteúdos tradicionais da escola e aqueles relacionados à dimensão afetiva (ARANTES, 2002, s/p).

Ao quebrarmos essa barreira entre as questões de afeto e cognição, tratando-as não como opostos, mas como complementares entre si, estamos assumindo que dentro da sala de aula, a afetividade19 aparece como um instrumento que pode ser

utilizado pelo/a jovem na construção de uma postura segura e empoderada. Sendo o ser humano fruto de suas experiências com o mundo que o cerca, o impacto dessas interações é determinante em sua constituição como indivíduo.

Intentamos aqui pensar o empoderamento das meninas não como um sinônimo de resiliência, mas como dois processos distintos de um mesmo caminho, sendo meio e fim em si próprio, mas que interagem na sua forma básica.

Essa proposta, que inicialmente pode ser lida como inviável, faz muito sentido se pensamos a educação através de uma ótica transdisciplinar. Como colocado anteriormente, ao analisarmos o currículo escolar como é construído hoje, percebemos facilmente que o mesmo visa à absorção de conhecimento de forma fragmentada e que apenas serve para passar de ano ou adentrar numa universidade. Se introduzirmos conteúdos que efetivamente nos façam pensar as questões de conflito com as quais nos deparamos no dia-a-dia, estaremos criando um ambiente seguro para a reflexão e resolução de problemas. A transdiciplinaridade é um dos modelos pedagógicos que comportam a discussão desses temas transversais.

Intentamos relacionar a resiliência e o processo de empoderamento de meninas que experimentem situações de bullying, fazendo ver que esse processo é fundamental para o desenvolvimento de resiliência. Queremos entender o que fez essas meninas que sofreram bullying sair da condição de alvo e como se deu esse processo. Pretendemos ainda analisar se uma mudança de eixo na tratativa do assunto, trabalhando-o pelo viés da amorosidade, numa perspectiva transdisciplinar, incide na

19 A palavra “afetividade” aqui está relacionada aos processos de resiliência. Entendemos que a resiliência se constrói também em espaços e tempos para os quais as emoções não são tratadas como elementos secundários da condição humana.

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construção de jovens mais empoderadas e resilientes, a partir das tratativas da escola sobre as questões.

Também entendemos por empoderamento a lucidez do indivíduo diante de si e de sua relação com o outro, o que incide no modo com que resistimos às pressões externas. Para nós, meninas empoderadas de si tendem a resistir ao fenômeno bullying, pondo em xeque a lógica da opressão e fazendo emergir a lógica da dialogicidade.

Combinar o conceito de resiliência com o de empoderamento significa entender que alguém resiliente não é alguém forte o tempo inteiro, não é alguém que não chora, não sente raiva, não fica triste. É entender que pessoas resilientes o são por passarem por todas as situações anteriores sem se perder no meio delas, sem deixá-las tomar conta e mudar quem intrinsecamente são, tendo em mente que:

Um ferimento precoce ou um grave choque emocional deixam um traço cerebral e afetivo que permanece dissimulado sob a retomada do desenvolvimento. O tecido portará uma lacuna ou uma malha particular que irá alterar a continuação da tecedura. Poderá se tornar um tecido bonito e quente, mas será diferente. O distúrbio é reparável, às vezes até para melhor, mas não é reversível (CYRULNIK, 2004, p. 113).

O empoderamento entra nessa situação como um canal para que essa resiliência se firme. Os processos de empoderamento são como uma formação político-cultural- social de cada pessoa, que influencia em como ela se enxerga e em como ela lê o mundo, ou seja, no seu âmbito mais pessoal. Nesse contexto, os processos de resiliência chegam como um curativo nas rachaduras provocadas pelo caminho trilhado antes dessa visão empoderada. É preciso se empoderar para ser resiliente e vice-versa, como um segmento retroalimentador do seu eu mais íntimo, um processo transdisciplinar de viver e experimentar a vida.

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Capítulo III:

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